662 II SÉRIE - NÚMERO 23-RC
matéria os esquemas conservadores de um certo tipo de exclusivismo da segurança social estatal - que infelizmente se tem vindo a verificar, dada a evolução demográfica em Portugal e a evolução em termos orçamentais, dentro das perspectivas macroeconómicas que têm vindo a ser feitas - vai significar, mesmo para garantia desse mínimo aceitável, um esforço financeiro enorme - e há estudos que têm vindo a comprovar que, se não houver melhorias significativas da eficácia do sistema, ele pode vir a revelar-se até incomportável, o que é uma preocupação para todos nós. Pois, ao lado desse sistema, nós pretendemos que seja claramente aceite, reconhecido e até encorajado um outro esquema mais maleável resultante da iniciativa privada. É tão-só isto.
Depois, não pretendemos que na Constituição se consigne o programa do Govêrno ou as grandes opções do Plano de uma determinada maioria, que, pela natureza democrática, nós admitimos que seja contingente: que resulte de eleições, mas pode em eleições seguintes ser substituída. Portanto, pretender que nós escolhamos ou queiramos, de uma maneira maximalista, traduzir na Constituição aquilo que é o programa do PSD em termos de governo, ou as grandes opções que foram aprovadas pela maioria da assembleia, seria desconhecer os níveis do que é a Constituição e a revisão da Constituição e aquilo que é a lei ordinária e a actividade normal dos governos. Queremos deixar aberto o terreno para que em cada legislatura os governos possam ir traduzindo - justamente porque obtiveram o apoio popular traduzido no voto das eleições - aquilo que for mais conveniente. O que não queremos é que haja uma introdução de peias constitucionais resultantes de uma visão estereotipada, estreita e ideológica, como é aquela que - ainda hoje, apesar de tudo - transparece no artigo 63.°, muito embora se tolere e se admita - mas sempre com um olhar extremamente desconfiado, como, aliás, acontece praticamente em todos os artigos onde se refere a iniciativa privada - porque o modelo que a Constituição inicialmente teve era um modelo em que se pretendia uma situação de transitoriedade a caminho do socialismo. Tudo aquilo que era colectivismo e Estado era positivo. Tudo aquilo que o não fosse era suspeitosamente encarado. Isto é muito claro. Penso que não vale a pena estarmos a discutir em termos de saber o que é que foi o programa do Govêrno e o que é que foram as grandes opções do Plano, porque isso é uma matéria que terá lugar na sua altura e local próprios. É uma matéria que não tem a ver com a revisão constitucional, a não ser no sentido do que nós pretendemos claramente - como acontece em todas as Constituições dos países democráticos pluralistas - que seja possível aos governos terem um jus variandi em função dos seus programas, tal como foram sancionados pelo eleitorado. É isto.
Tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.
O Sr. José Magalhães (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: As coisas estão efectivamente um pouco mais claras. Acho notável que se pretenda qualificar a démarche que o PSD pretende operar em relação ao artigo 63.° como expressão de uma cruzada contra a "cegueira", a "abstrusidade" e a "estupidez"; contra as "visões estereotipadas", "estreitas" e "ideológicas". Tudo isso seria susceptível de devolução directa -se fosse caso disso, naturalmente -,
zurzindo-se impiedosamente, como merecem, as propostas de tipo neoliberaloide que são formuladas pela bancada do PSD e, pior do que isso, executadas já no terreno pelo próprio Governo. E é disso que estamos aqui a tratar! Não pratiquemos ou, pelo menos, não obriguemos os outros a praticar lições de ingenuidade! A questão é que em nome de um modelo que realmente não é o constitucional têm vindo a ser praticadas e adoptadas já medidas concretas que vão no sentido de uma alteração no terreno do papel do sistema de segurança social com a raiz e com o sentido que tem e o seu gradual confinamento a outras finalidades. O que se quer agora em sede de revisão constitucional é fazer a consagração, no topo e a nível constitucional, desse tipo de impulsos. Por isso, tudo o que aqui estivemos a dizer tem estreitamente a ver com as GOPs, tem estreitamente a ver com o penúltimo, o último e o próximo discurso do Primeiro Ministro e tem estreitamente a ver com as negociações entre os diversos partidos que neste momento a estão fazendo em matéria de revisão constitucional. E por isso é que prestámos a esta matéria a atenção preocupada de que procurei dar conta.
Que se diga que a Constituição não deve ser um programa do Governo, é uma observação que não necessitará de grande demonstração. A questão do jus variandi em Portugal coloca-se em termos de garantir a possibilidade de alternativa, por forma que não tenhamos uma situação de invariabilidade forçada decorrente das promoções "mexicanizantes" do PSD. Em matéria de "variações", são mais estas que se colocam do que o jus variandi em termos de programas de governo. O PSD deve estar a pensar no programa do próximo governo e no jus variandi em relação ao seu conteúdo, mas esse problema não é um problema relevante em termos nacionais, creio eu. A questão é que a Constituição estabelece um determinado enquadramento e determinadas balizas e o PSD tem tentado rompê-las. Eu creio que são factos objectivos que, por exemplo, os passos dados em matéria de fundos de pensões, que aqui foram citados como nec plus ultra, já acarretaram neste momento alterações na forma de funcionamento do sistema unificado de segurança social, por exemplo, traduzida, desde logo, no aumento do período de contribuição para adquirir o direito às prestações. É um sinal de que as pessoas são empurradas para esquemas privatísticos se querem ter segurança social a tempo. Se não querem ter segurança social a tempo, vão para a bicha e assumem os inconvenientes do malfadado funcionamento do "Estado-providência" a que temos direito, que é, ele próprio - pela forma como é gerido, e não é por acaso -, um desincentivo e um estímulo, de resto, a que se morra primeiro, antes que se obtenha a pensão. Portanto, os passos dados não podem deixar de ser tomados em consideração neste debate.
Por outro lado, a mera exaltação dos esquemas privatísticos, como seja o dos fundos de pensões, deve ser acompanhada, quanto a nós, de uma boa prevenção em relação ao seu sentido redutor do espaço dos esquemas públicos, naturalmente; mas, mais ainda do que redutor do espaço, extremamente propiciador de situações que os arautos desses esquemas nunca exaltam antes, embora reconheçam depois. Lembro o que aconteceu em relação aos esquemas privatísticos aplicados em certas empresas que foram extintas por diversos governos, cujos trabalhadores, neste momento, circulam