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670 II SÉRIE - NÚMERO 23-RC

O que é que caracteriza essa orientação que a partir dos anos 80 se instala em alguns países europeus e nos EUA, quanto ao neoliberalismo? O auto-equilíbrio do sistema capitalista e, por isso, a diminuição do papel do Estado no campo da sua intervenção? A valorização da iniciativa privada, que alguns autores chegam a considerar a "cavalaria" do nosso tempo? A substituição da justiça social pela solidariedade, no sentido de caridade? O afastamento das ideologias? Ou ainda, neste caso sem muito interesse, um conhecido rumo anti-inflacionista separado de qualquer new deal, isto é, com agravamento de condições sociais, nomeadamente do desemprego? Nas suas propostas, o PSD apresenta como justificação as ideias que acabei de referir. Torna-se evidente que o PSD se mostra entusiasmado com a iniciativa privada - aí está, por exemplo, a proposta que fala em incentivar iniciativas de instituições particulares - e com a redução do papel do Estado, como é característico do neoliberalismo.

Além do mais, o Sr. Deputado chegou a afirmar que as instituições de solidariedade social têm de ter condições para o exercício da sua actividade. Parece-me que esta sua afirmação permite a conclusão de que o Estado teria de as subsidiar, já que, só por si, tais instituições não poderiam desempenhar o seu papel; ou seja, não só se lhes atribui um papel fundamental, como para elas se desviaria parte das receitas do Orçamento do Estado (OE) que deveriam dirigir-se ao próprio OE. Aliás, há disso exemplos concretos: ainda há dias, na interpelação ao Govêrno sobre saúde, foi levantada pelo meu companheiro de bancada a questão do Hospital de Vila Nova de Gaia, do Sanatório de Joaquim Ferreira Alves, o qual foi doado ao Estado para um sanatório, mas parece que o Ministério da Saúde estaria a pensar em (em vez de recuperar o edifício para o transformar em sanatório, como consta do contrato de doação) recuperá-lo e entregá-lo à Misericórdia de Gaia, para esta aí fazer um lar da terceira idade, e depois alienar os valiosos terrenos que o circundam. Aqui está um exemplo concreto dessa mesma política.

Simplesmente, não se trata aqui de questões ideológicas - isto porque há uma outra característica importante do neoliberalismo que é o corte com as ideologias. Para imprimir a esta Constituição um carácter neoliberal, não é preciso falar em neoliberalismo; basta eliminar da Constituição todas as expressões que lhe atribuem o carácter que presentemente tem. Isto é: para o PSD poder ver na revisão da Constituição o carácter ideológico através do qual dirige a sua política, e para além de intervenções marcadas no sector no que diz respeito à iniciativa privada e a afirmações ideológicas, basta eliminar tais expressões, porque o campo branco das ideologias é o terreno do neoliberalismo.

A questão que se coloca, Sr. Deputado, é a de que o que está em causa na proposta do PSD quanto ao artigo 64.° é o facto de o objectivo não ser claramente o de beneficiar as classe mais desfavorecidas, isto é, a esmagadora maioria dos cidadãos carenciados. Pelo contrário, o desenvolvimento de instituições privadas abre um fosso entre a generalidade dos cidadãos carenciados e os que podem ter acesso a formas de medicina com custo, que exclui a capacidade de acesso dos outros. Naturalmente que o sentido profundo destas alterações que o PSD propõe se insere neste campo genérico. Por isso é fácil - foi sempre fácil - para o PSD dizer: "Não queremos que a Constituição se afirme como social-democrata". Não querem nem precisam, porque o que desejam é que a Constituição seja, não a Constituição de Abril, mas uma constituição neoliberal, com a eliminação das fórmulas ideológicas e a consagração do que é característico do neoliberalismo. São razões diferentes para não podermos dar concordância às propostas que o PSD apresenta, que iludem o sentido profundo das medidas contidas no artigo 64.° O Serviço Nacional de Saúde (SNS) - para nós, é isso o que fundamentalmente está em causa - foi criado para ir ao encontro dos problemas sanitários da grande maioria dos portugueses, ou seja, dos portugueses carenciados. Tudo o que seja introduzir dicotomias em função da iniciativa privada e favorecer o extermínio, a longo prazo do SNS, não pode, naturalmente, ter a nossa concordância.

O Sr. Presidente: - Antes de voltar a dar a palavra ao Sr. Deputado Luís Filipe Meneses, que, suponho, quererá responder às questões que lhe foram colocadas, colocava-lhe eu mais algumas. Embora não seja um especialista nesta matéria, aprendi já algum coisa no decurso desta troca de impressões.

Parece-me que a proposta do PSD, de algum modo, tenta uma inversão da situação actual. E, quando se trata de corrigir os defeitos que a Constituição possa ter, nem sempre esses defeitos se corrigem bem saltando para o pólo oposto. É um pouco o que acontece aqui.

E o que aqui acontece é que há um direito à saúde mas, tudo o mais, logo a seguir, não se relaciona com o exercício desse direito nem com a sua concretização - primeira observação. Depois, dizia-se: o direito à protecção da saúde é realizado pela criação, pelo Estado ... Não sei bem como é que o Estado promove essa criação, ficando de fora, ao que parece. Se não é a autocriação, e então diga-se que cria, que diabo é isto de "promover a criação"? O Estado promove a criação de um SNS? Pode ser alguma coisa estranha a ele próprio, exterior a ele próprio? Já foi caracterizado o problema da diferença entre o "serviço" e o "sistema". O Sr. Deputado João Rui já caracterizou isso e não direi mais nada.

Mas vamos por aí abaixo e é tudo redutor: enquanto hoje se fala na "promoção" da educação física desportiva, surge-nos o conceito de "desenvolvimento". Promoção é mais do que desenvolvimento. Além disso, até o diabo da palavra "incumbe" ao Estado aparece substituída por "cabe" ao Estado. Qual terá sido a determinante mental que levou o PSD a substituir "incumbe" por "cabe"? Apesar de tudo, "cabe" é menos do que "incumbe". Mas se não foi intencional...

O Sr. Costa Andrade (PSD): - Essa podemos eliminá-la já.

O Sr. Presidente: - Muito bem.

Depois, onde é que está a grande inversão? A grande inversão está nisto: nenhum de nós - sempre o dissemos - tem nenhuma espécie de alergia à medicina privada, antes pelo contrário. O que acontece é que hoje, porque a saúde é um valor fundamental da vida dos cidadãos e dos países, entendemos que a saúde deve ter o privilégio de ser, fundamentalmente, uma incumbência do Estado, como é a educação, como são