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7 DE JULHO DE 1988 677

O Sr. José Magalhães (PCP): - Sr. Presidente, gostaria de fazer algumas observações decorrentes daquilo que pude apreender da marcha do debate, procurando com isso formalizar interrogações que podem ser ou não objecto de resposta. E digo isto porque, evidentemente, cada bancada é livre de manter silêncio ou de intervir.

As minhas observações vão neste sentido: há uma enormíssima desproporção entre os termos em que o PSD colocou a sua posição face às questões de saúde no Plenário, e, em concreto, perante a questão do modelo vigente em Portugal, e aquilo que flui em sede de Comissão.

Devo, entretanto, dizer que isso me surpreende um tanto. Dir-se-ia que estamos em "nó cego" ou, pelo menos, em "discurso devolutivo", recorrente e um tanto circular. O Governo e o PSD, enquanto executivo, remetem esta matéria - não sei o que é que dirá a moção de orientação apresentada a Congresso pelo respectivo presidente, mas suponho que não andará longe disso - para a Comissão Eventual para a Revisão Constitucional. Nesta, o Sr. Deputado, porta-voz deste assunto, remete para o Governo e, em todo o caso, não deixa claro qual seja o exacto modelo desejado e os vícios da aplicação do modelo vigente.

Creio que o debate - e neste sentido estou inteiramente de acordo como Sr. Deputado Almeida Santos - é extremamente rico para apurar tanto o estado de realização do modelo constitucional neste ponto como as causas dos vícios ou dos aspectos negativos na sua aplicação ou execução. Nessa perspectiva, foi extremamente positiva a precisão de conceitos que se procurou introduzir por parte das diversas bancadas. De facto, querer reduzir-se toda esta questão a uma questão terminológica é completamente impossível. Seria, pois, desnaturador e degradante. Não se trata de substituir a palavra "serviço" por "sistema". Trocaríamos de bom grado o termo "serviço" por "sistema", se isso não tivesse as consequências conceptuais, organizativas e até de filosofia de funcionamento desejadas pelo PSD. O debate corroborou claramente que as mutações empreendidas - e esta é a minha primeira conclusão - não são de carácter semântico mas, sim, de cariz conceptual, de filosofia de funcionamento e de concepção de uma certa forma de realização do direito à saúde. Não há, de facto, direito à saúde em sentido pleno e real se não houver, do ponto de vista institucional e organizativo, uma estrutura organizada e de responsabilidade pública clara, directa e assumida, que faculte aos cidadãos não apenas uma poesta, mas um tratamento quando estão doentes, uma prevenção, uma reabilitação e tudo o mais que está associado à ideia de garantia da saúde num sentido pleno. E isso inclui muito mais do que o SNS, porque insere, como VV. Exas. sabem melhor do que eu, outras vertentes, de carácter envolvente ou enquadrador, relacionadas com o ambiente, a arquitectura, a educação num sentido muito lato, etc. A saúde envolve, pois, toda uma série de componentes que não cabem ao sistema de saúde em sentido estrito. Quanto a esse ponto, não tenho grandes dúvidas, ou seja, as teses de carácter neoliberal são extremamente desapiedadas, perigosas, desigualitárias, sobretudo numa sociedade como a portuguesa.

Creio que o segundo mérito deste debate é precisamente o de escapar à tentação de fazer a discussão em abstracto como se estivéssemos a escolher, no super-mercado das ideias e dos modelos, um que mais nos apeteça hoje, que é um belo dia com céu azul quase de Verão. E, então, passaríamos do "modelo de beneficência" para o de SNS, que os Srs. Deputados do PSD consideram de démodé, incomportável (aliás, alguém, ontem, citava no Planário o bispo de York como pai da ideia do "Estado de bem-estar", mas acontece que os Srs. Deputados do PSD nem querem tal!). Pela sua parte, o PCP está de acordo com o sistema constitucional.

O que importa discutir é como é que na sociedade portuguesa a alteração do actual modelo funcionaria. Julgo que uma conclusão que se desgarra meridiana-mente deste debate é que esse outro sistema funcionaria pessimamente. Mais ainda: considero extremamente significativo que os Srs. Deputados do PSD nada tenham observado quando alguém em sede de Comissão - penso que foi o Sr. Deputado José Luís Ramos que fez esse alerta - advertiu para as possíveis consequências de uma alternativa que coloco entre aspas: "seguro de doença versus SNS".

Acontece que não houve resposta para esta questão, mas não desespero que ainda haja. Aliás, essa é a questão central. Como os Srs. Deputados do PSD avançam para a implementação e para o incentivo dos sistemas privatísticos na base da evolução das posses económicas fortemente desigualitárias, em que a cobertura dos riscos é proporcional ao montante das contribuições e em que tem saúde quem puder acorrer às mais elevadas e melhores formas de contribuição, perguntaria o seguinte: que consequências é que isso teria no nosso terreno concreto? Creio que é importantíssimo que se reflicta sobre isto, porque, se se proceder desse modo, se desgarrará que as propostas do PSD são impulsionadoras não de mais igualdade mas de desigualdades, não de elevação de qualidade mas de degradação de qualidade.

Um terceiro aspecto que julgo ser relevante é o seguinte: alguns aspectos da cruzada mística anti-SNS são autodesmentidos por aqueles que fazem ou tentam fazer evidenciação de provas. É significativo que os Srs. Deputados do PSD não tenham feito a evidenciação (porque creio também que isso era impossível) de que a saúde pública seja "totalmente má" e a privada seja "excelente". É particularmente desastrosa a tentativa de desenvolver essa tese aplicada aos cuidados primários de saúde. Mais: penso que é igualmente desastrosa a tentativa de fazer isso aplicado às tecnologias altamente desenvolvidas porque toda a gente sabe que é o Estado Português que financia com o seu dinheiro - e foi evidenciado quão alto é o preço que paga! - o uso dessas tecnologias por entidades privadas.

Há, portanto, uma apropriação privada de recursos públicos, uma utilização lucrativa e com fins lucrativos de bens que poderiam ser apropriados publicamente e colocados ao serviço de todos, incluindo aqueles que não têm dinheiro para os pagar porque são caríssimos. Mais uma vez, pois, um dos argumentos fulcrais da cruzada anti-SNS não se demonstra válido e probatório.

Finalmente, gostaria de sublinhar que a mudança preconizada é extremamente grave. Há até nesta área uma inversão de sinal. Não iria entrar na polémica sobre se a carga ideológica A é maior ou menor do que a B nesta matéria. E sei que são possíveis outros sistemas. Todos sabemos, aliás, que é possível imaginar um sistema - ele existe em outros países - em