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14 DE JULHO DE 1988 763

Creio que seria pouco e pelo menos ingénuo, embora seja desse que estamos a tratar, que ao abordar-se a questão da parte n da Constituição, relativa à organização económica, espetássemos os olhos, numa crise de miopia, no articulado e, se calhar, nas letras do artigo 80.° - letra a letra, que é um sistema de aglutinação que permite perceber palavras-, esquecendo que o PSD tem em relação à Constituição nesta matéria propostas que são também mais vastas e de gravidade consonante. O PSD" pretende, aliás como o CDS, e quer ir -a seu tempo, entendemos nós que a destempo e com cautelas que devemos pela nossa parte denunciar- completar o conjunto de supressões que encetou na primeira revisão constitucional. Supressões de expressões e de termos, designadamente de tudo o que diga respeito a socialismo, sociedade sem classes, a apropriação colectiva, meios de produção, monopólios, latifúndios, etc.. Mas mais do que isso pretende suprimir, sistemática e metodicamente, referências à apropriação colectiva dos principais meios de produção e a garantias concretas dessa apropriação vertidas no texto constitucional. As propostas do PSD formam um todo e tem uma mesma lógica nestas matérias. Fazem parte do mesmo conjunto de ideias e têm o mesmo fio condutor as propostas de redução dos direitos dos trabalhadores, da limitação do direito à greve, de desarticulação das associações de trabalhadores, de restrição dos poderes das associações sindicais, que já tivemos ocasião de apreciarem outras sedes. Fazem também parte desse projecto os projectos e intensões de desnaturar as causas de despedimento, de instaurar o livre despedimento, de restringir os poderes e os direitos dos trabalhadores que são hoje constitucionalmente tutelados numa medida que, por nossa parte, entendemos não dever ser diminuída, desnaturada ou desarticulada.

Por outro lado, o PSD pretende igualmente suprimir as cláusulas relativas à garantia das nacionalizações, à realização da reforma agrária, à garantia do planeamento democrático da economia nas suas diversas dimensões e pretende instaurar a possibilidade de livre privatização de qualquer empresa nacionalizada ou pública, descaracterizar o artigo 89.° e outros que são hoje parte do perfil constitucional e da organização económica decorrente do 25 de Abril.

No caso do artigo 80.º, o PSD acabou por justificar, em termos que nos merecem algumas observações, a sua proposta de eliminação radical. Dizia o Sr. Deputado Almeida Santos, creio que como correcção, que o PSD no fundo acaba por propor uma "economia sem princípios", expressão que de alguma forma simboliza a atitude do PSD nesta matéria. O PSD aqui visa promover silêncios constitucionais. Só que ao fazê-lo pretende instaurar e conferir força a gritos inconstitucionais decorrentes das actuações livres de grupos económicos. O PSD pretende que no fundo seja consagrada larga margem de actuação constitucional.

Ao dizer que a Constituição da República é duplamente programática, o Sr. Deputado que defendeu a proposta do PSD quase que diz uma evidencia, eu até diria que é triplamente programática, ou quadruplamente programática, porque como o Sr. Deputado estava numa perspectiva reducionista, ou apostado em olhar o artigo 80.° com os olhos muito perto, não referiu o artigo 9.e, esse "terrível" artigo da Constituição em que se estabelecem as tarefas do Estado. Podia tê-lo feito, já que também é um artigo que o PSD quer demolir e que em nosso entender não deve ser demolido.

Indo ao terreno das propostas, creio que se deve assumir como uma evidência que o artigo 80.º é um sumário, isto é, não passa de uma síntese, síntese de conteúdos constitucionais, mas é uma síntese com o seu papel, a sua função, a sua relevância específica. A sua supressão não seria, por isso, susceptível de deixar de ser interpretada como tendo um determinado significado e um significado que em nossa opinião só podia ser negativo. A visão minimalista aqui exibida pelo PSD é, na realidade, uma forma de apologia de certas dinâmicas de funcionamento da economia que conduzem ao contrário daquilo que o artigo 80.° hoje preconiza. O que a Constituição estabelece encerra as lições de uma história de muitos anos, história bastante negra, de anos de exploração do povo português pelos monopólios. É essa lição antimonopolista, contrária à "liberdade" irrestrita de grupos económicos construindo o seu poder - poder basicamente de exploração -, é essa "liberdade" traduzida no sacrifício de valores eminentes de carácter social, de carácter político até, que a Constituição quis que não pudesse ser instaurada e não tivesse plena expressão. Neste caso menos "liberdade" de monopólios significa mais liberdade em termos globais, em termos sociais, em termos de organização económica e social. Por isso nos parece fundamental que seja salvaguardada a subordinação do poder económico ao poder político democrático, que se salvaguarde em termos adequados a coexistência dos diversos sectores, que não se ceda ou não se vacile na tutela ou na defesa da apropriação colectiva dos principais meios de produção e, por outro lado, que sê assegure a defesa e não a desarticulação do planeamento democrático da economia, a defesa da propriedade social e a defesa da intervenção democrática dos trabalhadores.

Diz o Sr. Deputado: "E, se nada disto aqui estivesse, deixaria de estar?" Eu respondo: no projecto do PSD deixaria de estar. Na Constituição da República tal qual se encontra redigida e deve ser mantida não deixaria de estar, mas haveria uma perda de conteúdo, haveria uma diminuição, haveria um "menos" em relação ao "mais" que hoje existe.

O Sr. Deputado do PSD não justificou minimamente em termos económicos as propostas que apresenta. Gostaria de o ouvir falar sobre as razões que podem levar - suponho que foi isso que o Primeiro-Ministro insinuou ontem à noite- a considerar que Portugal precisaria de "livrar-se" deste artigo para poder enfrentar o "desafio europeu". Curiosamente não enveredou por aí, embora essa seja a conversa mais interessante, sendo, porém, aí que o PSD verdadeiramente claudica, porque não consegue fazer a demonstração de que seja necessário - para enfrentar os desafios do desenvolvimento, do combate ao atraso, do combate à pobreza, da recusa de uma internacionalização que sacrifique a nossa independência - sacrificar a Constituição da República e a nossa organização económica. Em nosso entender, até é necessário defendê-la, intensificá-la, colmatar as suas brechas onde existem. Sobre isto o meu camarada Carlos Carvalhas terá ocasião de alegar extensamente, mas seria interessante que o PSD, que se afoita a propor um silêncio constitucional, já agora justificasse essa quota-parte do constituição que propõe com base em algum argumento económico. Não o ouvimos e é significativo que não o tenhamos ouvido. É significativo também da postura puramente demolidora do PSD nesta matéria: demolidora, mas sem razão.

Quanto às propostas do PS, Sr. Presidente, oportunamente faria preguntas a algum dos Srs. Deputados que eventualmente reforce a especificação que o Sr. Presidente aduziu.