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794 II SÉRIE - NÚMERO 27-RC

estatizantes. Ora o que nós queremos é a pluralização do modelo económico constitucional, não através de algumas eliminações pouco ponderadas, não é a elegitimação de algumas vertentes possíveis de política económica que a vontade popular pode determinar. Esta é a posição que sempre temos defendido desde 1976.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado António Vitorino, penso que V. Exa. exprimiu algo de extremamente importante, que é distinguir entre o plano constitucional e o plano onde se movem os programas do Governo e dizer que esses planos do Governo devem poder ter a amplitude suficiente para traduzir aquilo que é a vontade popular dentro do que é legítimo como jus variandi das acções a desenvolver pelos governos. E acrescentou uma outra coisa que compreendo - e aqui até o posso acompanhar - que é dizer: as alterações constitucionais não devem traduzir-se em limitações àquilo que são as fronteiras naturais desse jus variandi ou dessa liberdade dos programas a apresentar ao eleitorado e a serem sufragados por ele. Então, isso significa que V. Exa. e o PS aceitam que as formulações que existem no direito constitucional e que são impeditivas dessa aceitável liberdade dos programas do Governo devem ser reformuladas em termos de essas barreiras deixarem de existir.

O Sr. António Vitorino (PS): - Nós próprios tomámos a iniciativa de procedermos a essas alterações, o que é substancialmente diferente. Não estivemos numa atitude passiva.

O Sr. Presidente: - Terão de fazer uma interpretação autocorrectiva nalguns pontos.

O Sr. António Vitorino (PS): - Não creio, mas o Sr. Deputado Rui Machete decerto não deixará de nos chamar a atenção nos pontos onde entende que deve haver interpretações autocorrectivas. Se as faremos ou não, apenas a nós próprios compete decidir.

O Sr. Presidente: - Como princípio hermenêutico, parece-me um dado adquirido muito importante. Tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Sr. Presidente, talvez não pudesse haver diálogo mais revelador dos tempos que por aí correm que este que acaba de ser registado em acta.

O Sr. Presidente: - Fizemos quase revisão constitucional, não é verdade?

O Sr. António Vitorino (PS):-Já sabia que o Sr. Deputado José Magalhães ia dizer isso.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Não posso deixar de dizer que esse diálogo não me provoca nenhuma impressão afável, pelo contrário. O PS tinha anteriormente, e repete-o, qualificado como "equilibradas" e "sensatas" as propostas que apresentou. Feitas todas as contas visa-se fazer o quê? Suprimir qualquer sinal de uma intenção socialista, qualquer que seja a natureza daquela que hoje consta da Constituição (que, como se sabe, não traduz identificação com um específico programa partidário), e é realidade de construção melindrosa do ponto de vista hermenêutico; tem o alcance que tem e pela nossa parte consideramos estimável. Visa-se em segundo lugar menorizar o princípio da apropriação colectiva dos principais meios de produção e amputá-lo da sua dimensão, consagrando uma interpretação que lhe limita o conteúdo e que lhe quebra qualquer virtualidade expansiva; em terceiro lugar, admitir ou aceitar o privilégio ou a primazia ao sector privado com menorização do público e cooperativo; em quarto lugar, esvaziar a proibição de acesso aos sectores básicos; em quinto lugar, consagrar, aceitar, um retrocesso na garantia constitucional das nacionalizações; em sexto lugar, limitar o alcance da propriedade social; em sétimo lugar, quebrar os próprios limites materiais de revisão em termos que facultem uma outra revisão, isto é, uma ulterior amputação.

Não se trata portanto de um modelo fixo, trata-se de um modelo evolutivo, significativamente é um modelo involutivo e diminuidor. E apenas de estranhar que isso seja dito com orgulho.

Cada partido é livre de propor o que entender e o seu juízo histórico sobre um momento histórico é o seu. Tem todo o direito de o ter e temos nós o direito de lhe tentar medir as consequências, de nos inquietarmos com eles se assim acharmos, e nós achamos. É por isso que considero que são sempre de avaliar globalmente as implicações de propostas que sejam feitas e apresentadas, recusar a sua atomização, recusar a sua discussão desperspectiva.

Creio que é lícito fazer, como o Sr. Deputado António Vitorino fez, uma rastreio da nossa evolução, do nosso percurso em matéria de constituição económica. É bom que isso seja feito. Apenas se pode estranhar que seja feito em termos distorcidos, autodesresponsabilizadores e congratulativos. Gostaria de dizer que não me impressionam, no sentido que alguns poderiam considerar, certas observações feitas pelo PS. Impressiona-me, apenas, que certos retratos históricos sejam feitos assim, neste específico momento porque o que marca este momento histórico é a segunda parte da intervenção do Sr. Deputado António Vitorino. A primeira é o lamentável ajuste de contas histórico que entende fazer, em parte acenando com um fantasma contra outro (foi o PS, não fomos nós que fizemos a primeira revisão!), em parte discutindo aquilo que não está em discussão para não discutir aquilo que era importante discutir. A segunda parte é a parte importante quanto a nós, porque não defendemos, nós PCP, senão um modelo de economia mista. Isto é atestado abundantemente por tudo o que dissemos nos diversos momentos históricos e, se alguém se pode reclamar de coerência nisso, permitam-nos que nos orgulhemos de nos podermos reclamar dessa coerência.

Procuraram muitos imputar-nos um modelo omnestatizante; procuraram alguns pôr na nossa boca teses de liquidação do sector privado; procuram outros colocar-nos não como antimonopolistas que somos mas como absolutamente opostos à existência de grupos económicos, o que é verdadeiramente coisa delirante e que não nos é, a título nenhum, imputável; quiseram espalhar as mais infundadas concepções acerca da nossa visão sobre a maneira como se devem articular o sector público, privado e cooperativo. É inútil, porque o esforço de restituição da história à sua dimensão verdadeira é realizável facilmente: basta que se atente naquilo que dissemos, naquilo que realmente sustentámos. E aquilo que sustentámos é público! Creio que o diálogo em torno de alguma das questões que o Sr. Deputado António Vitorino entendeu trazer para esta Comissão é um diálogo que pode ser tido, que vale a pena ler, mas não pelo menos da nossa parte, em termos de "ajuste de contas histórico". Julgo que um ajuste de contas histórico a realizar é seguramente com outra coisa. É a essa coisa que quero agora referir-me.