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20 DE JULHO DE 1988 791

quanto a este artigo. Mas falei em substancial divergência, e essa existe em termos verdadeiramente substanciais e não meramente epidérmicos.

Por outro lado, diz o Sr. Deputado José Magalhães que as nossas propostas propõem só alterações baptismais. Se fossem só baptismais, o Sr. Deputado José Magalhães não estaria tão empenhado em combatê-las, porque não acredito que discuta a troca de uma palavra por outra ou de um nome por outro. Do que na verdade se trata é antes de uma alteração que tem significado. Nós entendemos que se alguma vez - e faço questão em sublinhar o "se", porque considerada a Constituição no seu conjunto é defensável alguma dúvida - a Constituição quis que todos os principais meios de produção, solos e recursos naturais fossem colectivizados, como um dever ser, como uma imposição, queremos que fique claro que, daqui para diante - ao fim de doze anos de experiência em que não houve uma única colectivização e em que, além do mais, nos integrámos num espaço de economia não colectivista mas de mercado -, deveria deixar de interpretar-se como tal e a redacção deveria tornar bem claro que se não trata de um dever ser, mas um poder ser, de uma faculdade. Este é o conteúdo último das nossas propostas. Tem alguma incidência nesta alínea c)do artigo 81.º, mas tem sobretudo incidência na alínea c) do artigo 80.º, assim como noutros artigos por onde havemos de passar. Portanto, não é só uma modificação de palavras - embora seja também modificação de palavras - pela razão simples de que nós sempre entendemos que a carga mítica negativa ligada a esta Constituição está sobretudo ligada a expressões formais e não tanto a realidades substanciais. Basta dizer que, exactamente, apesar de durante doze anos não se ter feito uma só apropriação colectiva de um principal ou secundário bem de produção, as críticas dirigidas à Constituição incidem fundamentalmente sobre a expressão "apropriação colectiva". Perguntamos se vale a pena continuarmos a pagar este preço a esse título, quando nem sequer há uma tradução na realidade do peso mítico das palavras. Perguntou-me se a nossa posição relativamente a este ponto não ganha sentido novo quando considerados os artigos 9.° e 83.º e os limites materiais. Como sabe, a nossa posição, relativamente aos limites materiais, é a de que devemos salvaguardá-los nesta revisão - e penso que os salvaguardamos, em termos hábeis talvez, mas também em termos verdadeiros e significativos - e alterar o artigo 290.º para futuras revisões. É uma posição. Porventura, o PCP não concorda com ela, e a prova disso é que não propôs nenhuma alteração ao artigo 290.º Também aí divergimos.

Quanto ao artigo 9.º, também aí se fala em promover o bem-estar através "disto e daquilo", designadamente da socialização dos principais meios de produção, e em abolir a exploração do homem pelo homem. São as tais cargas míticas ligadas às palavras. Entendemos que a melhor defesa da Constituição é não continuar a sujeitá-la às consequências dessa carga mítica. Será uma atitude de salvaguarda da boa saúde da Constituição não tirar de lá estes quistos verbais quando não têm tradução na realidade? Nós pensamos que não e que a melhor maneira de pacificarmos a sociedade portuguesa e de algum modo coonestarmos a Constituição com a integração no espaço económico europeu é seguir a proposta que formulámos, aqui e noutros lugares, a meu ver com inteira coerência.

Pergunta ainda o Sr. Deputado José Magalhães se não será mais pesada e mais dolorosa a factura da supressão do princípio da irreversibilidade das nacionalizações? Lá chegaremos. Havemos de discutir isso, assim como havemos de discutir a reforma agrária. Penso que quer num lugar quer noutro formulámos propostas que, não dando satisfação nem ao PCP nem ao PSD, e muito menos ao CDS, porventura traduzem um saudável equilíbrio entre posições contrárias.

Pergunta ainda o Sr. Deputado José Magalhães quais as consequências em concreto. Eu dir-lhe-ia que fundamentais não vai ter nenhumas, senão uma certa pacificação das disputas em torno de palavras. É tão-só isso. Não me custa reconhecê-lo pela razão simples de que o que cá está não tem produzido consequências que normalmente decorreriam do significado das palavras e da interpretação sistemática da Constituição. Mas há uma consequência importante, e que é esta: deixará de haver disputas sobre palavras inúteis, ou que não têm sido interpretadas de acordo com o seu sentido literal. Quer dizer, daqui para diante, o Estado continuar a colectivizar quando o interesse público determinar que colectivize. Nesse caso, o Estado deve indemnizar quem for despojado da sua propriedade. Penso que isso mantém uma porta aberta pela qual pode a colectivização passar, em circunstâncias que eu não estou a imaginar neste momento, mas que admito como possíveis. Porque, assim como admito que haja empresas a mais no sector público, também não me custa admitir que lá possa haver empresas a menos. Nesse aspecto, sempre dissemos que não temos nenhuma espécie de complexo relativamente a reconhecer que há empresas públicas que não deviam estar no sector público e que há empresas privadas que, porventura, lá deviam estar.

Relativamente ao Sr. Deputado Rui Machete, devo dizer que nem Maurois nem Rocard. Só Almeida Santos. Estamos em Portugal e não em França. Concordo com alguns pontos de vista de ambos, assim como também discordo de alguns pontos de vista de ambos. Eu não tenho afeição nominalista pela redacção actual da Constituição. O que eu pretendia referir - a prova disso é que também nós propomos a substituição de muitas expressões e ainda agora acabei de referir algumas - é que, se não tem significado a troca do que cá está por aquilo que propõem, então a objecção é a mesma: para que trocam? Só que há uma divergência: é que o que cá está tem o peso de cá ter estado e, se se tira, lá vem o Tribunal Constitucional fazer a história da semântica para dela deduzir uma interpretação que seria outra se não levada em conta a dança das palavras. Não se pode, de ânimo leve, retirar uma expressão ou substituí-la por outra se isso não for eminentemente necessário. Ora, o que nos parece é que estas propostas transportam uma carga com a qual discordamos. Nesse sentido, gostei muito da intervenção do Sr. Deputado Rui Machete ao dizer-nos que não há intenção de divorciar o económico do social. Se não existe essa intenção - o que saúdo -, vamos pôr cá o social outra vez, visto que não faz cá mal nenhum, não cria nenhum obstáculo, nem nenhuma dificuldade a ninguém. Fica onde sempre esteve. Não haverá então ninguém que se interrogue sobre o significado a atribuir ao facto de se ter retirado o qualificativo social da economia.

Também gostei de o ouvir dizer que concorda em que a subordinação do poder económico ao poder político deve reassumir ou manter a dignidade de um princípio, e não apenas de uma incumbência do Estado, o que seria um bónus, como e óbvio. Mas, então, perguntava-lhe se o PSD está disposto a manter este princípio num artigo em separado; vamos fazer um artigo apenas com este princípio? Quer dizer, a economia portuguesa deixará de ser, como o PSD propôs, uma economia sem princípios, passando a ser uma economia com um princípio único? Discutiremos isso a propósito do artigo 80.°