880 II SÉRIE - NÚMERO 30-RC
O Sr. Vera Jardim (PS): - Uma breve intervenção, apenas motivada pela intervenção do Sr. Deputado Rui Salvada. Em linguagem telegráfica, eu diria, ou recordaria ao Sr. Deputado Rui Salvada: a Câmara de que somos deputados é uma câmara política, esta Comissão também; a censura política é, naturalmente, uma das funções primordiais da Câmara e desta Comissão também; o julgamento ético sobre o comportamento político de deputados ou outrem é, naturalmente, um segmento importante dessa censura política - pelo menos, julgo sê-lo. O meu protesto teve apenas como objecto uma censura ao nível ético quanto ao comportamento do Sr. Deputado Pacheco Pereira, ao fazer um nítido processo de intenções ao PS no artigo que citei. Para não ir mais longe e pretender chamar aqui a estratégia, ao serviço da qual o Sr. Deputado Pacheco Pereira poderá estar. O Sr. Deputado Rui Salvada tem certamente ideias confusas sobre o que seja o terrorismo, ou o que seja a ideologia - por maioria de razão, tem uma ideia confusíssima sobre o que seja o terrorismo ideológico.
O Sr. Presidente: - Penso que podemos dar por encerrada esta parte do nosso debate político, que não sobre a revisão constitucional.
Gostaria, todavia, de pedir a VV. Exas. duas coisas, na medida em que achem que esse pedido seja pertinente: primeiro, que, embora reconhecendo o carácter político da Comissão, tentássemos, sempre que possível e na maior parte dos casos, evitar um período de antes da ordem do dia; segundo, julgo que o calor da discussão explica algumas das adjectivações utilizadas, mas penso que seria conveniente, também nesse capítulo, tentarmos morigerar-nos um pouco - mas isso é um desejo meu, que VV. Exas. satisfarão se assim o entenderem.
Tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.
O Sr. José Magalhães (PCP): - Em relação ao artigo que estivamos a debater antes da questão suscitada pelo Sr. Deputado Vera Jardim, gostaria de formular uma outra observação. Há pouco, insisti que era difícil sustentar que a proposta de supressão do segmento final da norma do artigo 86.º, apresentada pelo PSD, fosse coisa inocente, ou apenas susceptível de ser defendida nos termos em que o estava sendo pelos autores.
Como sublinha o Prof. Sousa Franco, no seu conhecido artigo sobre a revisão da constituição económica publicado na Revista da Ordem dos Advogados, ano 42, de Dezembro de 1982, n.° 111, p. 674, a Constituição continuou, e continua, depois da primeira revisão constitucional, a afirmar dois princípios fundamentais, princípios orientadores relativamente às relações económicas externas; um, o princípio da independência nacional; outro, o da cooperação. Em relação à primeira directriz, que ora importa, sublinha o Prof. Sousa Franco, parece claro que, tendo ela significado global e, antes do mais, político, lhe cabe relevância particular na política de relações económicas internacionais, tanto no tocante à prática de actos externos e à conformação das estruturas exteriores, como na actuação e conformação interna do Estado; é o que decorre da alínea g) do artigo 91.°, que estabelece um princípio de cooperação sem discriminação, limitado pela independência nacional e, em seu prolongamento, pelos interesses dos Portugueses e da economia nacional do País. também a independência nacional figura entre as directrizes da disciplina legal do investimento estrangeiro, que não tem constado da lei, com manifesta inconstitucionalidade, o qual há-de respeitar a independência nacional (artigo 86.° da Constituição) e também se inclui entre as directrizes da intervenção do Estado no comércio externo (artigo 109.°, n.º 2, da Constituição).
Este é o problema, porque neste, como noutros pontos, aquilo que o PSD visa - mas, já agora, podia dizer isso com mais abertura, com mais transparência - é pôr a Constituição de acordo com uma realidade que é inconstitucional, pôr a marcha dos acontecimentos constitucionais de acordo com uma certa marcha dos acontecimentos no terreno. Nesta matéria, uma coisa é o facto de, entre as directrizes da disciplina legal do investimento estrangeiro, não se terem incluído directrizes como as que referi; outra coisa é, além de poder o PSD gabar-se desse tipo de orientações, pretender pôr a Constituição de acordo com elas. "Pôr a Constituição de acordo com a lei" é uma concepção que inverte o posicionamento razoável, correcto e, de resto, obrigatório entre os dois tipos de normas, as constitucionais e as de lei ordinária. Poderá acontecer que esta inconstitucionalidade tarde em ser declarada ou tenha, no caminho da sua declaração, trezentos escolhos, incluindo esse conjunto de criaturas horrendas que, a julgar pela charla televisiva do Primeiro-Ministro, se albergam no palácio Ratton - aludo, obviamente, à sede do Tribunal Constitucional -, que é um dos sítios mais horríveis de Portugal, como se sabe. Mas isso não nos deve levar a que, em sede de revisão constitucional, acolhamos a pretensão de eliminação que o PSD exibe.
A questão coloca-se nestes termos, e não em termos de minoração do alcance da proposta apresentada - ela tem um conteúdo, tem uma razão; a sua ratio não é estimável e o seu conteúdo é indesejável.
O Sr. Presidente: - Inscrevi-me como parte para referir, muito brevemente, o seguinte, em comentário à intervenção do Sr. Deputado José Magalhães: em primeiro lugar, a segunda intervenção de V. Exa. não traz, a meu ver, nada de novo em relação à primeira; em segundo lugar, a observação de que se está a inverter os processos é a pôr a Constituição de acordo com a lei ordinária também é irrelevante para este efeito, como bem se compreende, visto que estamos a tratar neste momento de um problema de revisão e não de um problema de constitucionalidade ou inconstitucionalidade da lei ordinária.
O Sr. José Magalhães (PCP): - É evidente que, se o PSD obtivesse a supressão do segmento final do artigo 86.°, a questão de constitucionalidade deixaria de se colocar - portanto, a legislação sobre investimentos, que não tem em conta este factor, seria absolutamente intangível, do ponto de vista da constitucionalidade.
O Sr. Presidente: - É óbvio, Sr. Deputado José Magalhães, não valeria a pena demorar dez minutos para dizer isso. Toda a gente sabe, não é verdade?
Mas, independentemente desse aspecto, gostaria de reiterar aquilo que há pouco referi. A nossa proposta tem dois pontos: primeiro, a supressão à menção dos interesses dos trabalhadores significa que pensamos existirem outros interesses igualmente dignos de consideração - e que não têm senão uma justificação, alicerçada na ideia de que o exercício do poder político pelas classes trabalhadoras vai permitir a transformação desta sociedade numa sociedade sem classes, portanto, é uma afirmação de um princípio estruturante de tipo colectivista, marxista-leninista -, não tem outro sentido senão restabelecer o equilíbrio e dizer que há outros interesses em causa, não se justifica o exclusivismo desses. Já há pouco, a propósito de uma intervenção do Sr. Deputado Almeida Santos, dei essa explicação