950 II SÉRIE - NÚMERO 31-RC
prever na lei que o latifúndio é aquilo que está acima de 1 hectare. Ele pulverizará a propriedade em Portugal. Isto é uma caricatura, como é óbvio.
Portanto, não julgue que a Constituição actual tem mais virtualidades do que a nossa proposta. Há ainda uma diferença neste ponto: a versão actual da Constituição não fornece uma estrela polar - expressão esta que gostamos de utilizar em sede de revisão constitucional. Entretanto, dizemos o seguinte: essa definição tem de estar referida aos objectivos da política agrícola, porque definidos esses objectivos temos de caminhar para os realizar. E fazêmo-lo, corrigindo o que é grande e pequeno demais, favorecendo o pequeno e médio agricultor, entregando terras o mais possível a título de propriedade, e não só de posse, a quem as trabalha. O que é que ficará de fora relativamente aos valores da reforma agrária de hoje? Não fica nada.
De facto, mudámos, só e praticamente, o nome às coisas. É uma questão que tem uma tão carga mítica tão explosiva que não vale a pena continuarmos a disputar sobre cia. Os instrumentos da reforma agrária, repito não sofreram grande alteração. Eles estão, de facto, redigidos de um modo que não fere a sensibilidade de ninguém. Estão todos previstos, pelo que lhe pergunto qual é que não se encontra previsto.
Na verdade, a nossa intenção é que se deixe de falar em reforma agrária para uma área do País, a fim de se falar em política agrária para todo o território nacional. Ela será válida para todas as propriedades mal exploradas, nomeadamente por terem área excessiva, seja no norte, no sul ou no centro: a regra geral da expropriação não está aqui expressamente prevista porque não é necessário que o esteja. O Estado, de acordo com o interesse nacional, expropria quando quiser. Aliás, referimos até a expressão "cm caso de expropriação", na nossa proposta. Não dizemos que se deve expropriar, mas acautelou-se essa possibilidade. Além disso, V. Exa. disse que o texto actual da Constituição dá resposta a estas perguntas. Creio que não, pois remete igualmente para o legislador ordinário.
V. Exa. refere ainda que o PS quer substituir um combate ideológico por outro. Pelo contrário, queremos a abolição do combate ideológico eliminando o que o causa. É, no fundo, a ideia de uma reforma agrária que, por acaso, não resultou tanto como se esperava, mas que teve a sua justificação. Aliás não negamos a justificação factual e histórica da reforma agrária. Ela foi porventura feita em condições que desejaríamos que não fossem essas. Mas esse não é o problema. No entanto, diria que as reformas agrárias fazem-se todas ou quase do mesmo modo: a realidade precede a consagração legal. Caso contrário, não se realizam. Nunca nenhuma reforma agrária foi porventura meditada no laboratório dos princípios antes de o ser posteriormente transferida para a realidade. As reformas agrárias fazem-se em regra sob a pressão das realidades.
Acontece, porém, que passaram já 12 anos e o que foi feito foi feito; o que foi corrigido foi já corrigido; o que deve ser feito é outro problema. Os actuais instrumentos da reforma agrária estão previstos nas nossas propostas. E digo isto, porque um Governo que queira continuar a fazer política agrícola permitida pela actual reforma agrária pode fazê-la se quiser. Contudo, não a faz em nome de valores ideológicos, nem a realiza num quadro polémico. Fá-la sobretudo ao nível de todo o País e não a nível de uma área restrita, porque há também latifúndios noutras regiões do País e pequenas propriedades na zona da reforma agrária.
Portanto, penso que não merecemos essa suspeição de que nos aproximámos tanto como isso das propostas apresentadas sobre esta matéria do título IV da Constituição pelo PSD, ou de que nos afastámos excessivamente do texto da Lei Fundamental. A nossa proposta, se V. Exa. bem a meditar, tem ínsitos nela os instrumentos da reforma agrária, mas não a actual nomenclatura.
O Sr. Rogério de Brito (PCP): - Em primeiro lugar, Sr. Presidente, penso que a Constituição não diz se o latifúndio existe apenas no Alentejo ou em todo o País. A questão da redução da área de intervenção da reforma agrária, ou seja, da chamada zona de intervenção da reforma agrária, decorre de uma iniciativa do legislador ordinário e não da Constituição. A versão actual da Constituição não define a área de intervenção. Aliás - e talvez isso desse uma resposta ao problema - seria extremamente curioso fazer a análise de uma região de fronteira que tivesse as duas situações contrastantes no País (o latifúndio e o minifúndio), saindo da zona específica de intervenção da reforma agrária. Refiro-me, por exemplo, ao distrito de Castelo Branco. Seria extremamente curioso verificarmos, num distrito como este, o grau de intensificação da actividade produtiva no latifúndio e no minifúndio, ou pequena propriedade, o nível de ocupação cultural dos solos num e noutro regime de propriedade, a produtividade de uma e outra propriedade. Pensamos que também neste aspecto iríamos, mais uma vez, encontrar razões para referir a importância efectiva da expropriação e do combate ao latifúndio.
Dirá o PS que neste caso também está de acordo connosco e que essa situação é contemplada na sua proposta. A questão é que me parece que o PS, para dar conteúdo à forma como o Sr. Deputado Almeida Santos aborda o problema, deverá então precisar um pouco mais a sua concepção de acto de expropriação ou de eliminação do latifúndio. É que, se tal acto fica apenas dependente de uma mera questão de racionalidade do tipo "dimensão excessiva", isso não dá suporte constitucional objectivo. Das duas uma: ou a eliminação do latifúndio é entendida como uma forma de controlar o poder económico deste sobre o poder político e de conter os abusos que um regime de propriedade desse tipo provoca sobre o próprio tecido social e humano de uma determinada região (é necessário controlar isso); ou, então, deve ser entendida como um instrumento de realização da própria política agrícola no sentido económico, social e, até, ecológico (isto porque o combate ao latifúndio é também uma forma ecológica de preservar e potencializar os recursos naturais).
A questão está, pois, em saber se a proposta do PS dá ou não resposta a estes problemas.
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, penso que já a demos na medida em que mantemos a epígrafe do artigo 97.°, cujo teor é o seguinte: "Eliminação dos latifúndios". Além disso, prevemos a expropriação do que tiver dimensão excessiva do ponto de vista dos objectivos da política agrícola. Isso dará ao Governo instrumentos para continuar o combate ao latifúndio, tal como a lei ordinária venha a defini-lo do ponto de vista dos objectivos da política agrícola.