4 DE AGOSTO DE 1988 969
nunca nenhum legislador ordinário integrou, e que o Sr. Deputado José Magalhães também não nos quis hoje brindar com uma qualificação jurídica precisa. O que o PS faz é referir, no artigo 96.°, a posse da terra, a transferência da posse da terra. Portanto, quanto a este "varrida a testada", não há problema nenhum.
Quanto ao problema das pontuações e da reabertura dos processos da reserva, o qualificativo com que o Sr. Deputado José Magalhães pretendeu rotular a proposta do PS, em comparação com a proposta de lei de Bases da Reforma Agrária do Governo actual, foi o seguinte: "as soluções do PS não nos deixam confortados". Isto não é nada, porque o conforto é um estado de espírito. O problema que o Sr. Deputado José Magalhães devia colocar era este outro: se a proposta do PS passar para a Constituição, as soluções da lei que referiu resultam, ou não resultam, constitucionais? Essa é que é a questão. E é essa que o Sr. Deputado José Magalhães tem que assumir. É dizer-nos assim: com as vossas soluções constitucionais, a revisão da pontuação e a reabertura dos processos de reserva são constitucionais, quando hoje o não são. Esse é o ónus, que impende sobre as vossas críticas.
Quanto à questão dos indivisos, o Sr. Deputado José Magalhães é ainda mais timorato, ao dizer: "permitiria ou não os indivisos a solução do PS?" O que gostava de ouvir do Sr. Deputado José Magalhães (sublinho na minha qualidade de leigo em questões de reforma agrária) era se, de facto, a interpretação que o Sr. Deputado José Magalhães faz do projecto do PS consagraria a posteriori a solução que a proposta de Lei da Reforma Agrária deste Governo consagra em matérias de indivisos.
O que é que na proposta do PS se introduz de novo, ou o que é que está na actual Constituição e o PS eventualmente tenha deixado cair e que legitimaria a solução sobre os indivisos constante da proposta de lei da Reforma Agrária? E sobre estas matérias eu creio que o Sr. Deputado José Magalhães não deu esclarecimentos que fossem suficientemente expressivos para nos permitir concluir onde é que a proposta do PS opera a legitimação constitucional de soluções no plano da lei ordinária que hoje já são ilegítimas à luz do texto constitucional. Do fraco conhecimento que tenho destas matérias, algumas das questões que o Sr. Deputado José Magalhães colocou não são sequer inconstitucionais à luz do actual texto constitucional, pelo que não poderiam resultar ilegítimas, sob o ponto de vista constitucional, em função das propostas de alteração avançadas pelo PS.
Um último apontamento, que é o problema de reeditar, a propósito das soluções em matéria de reforma agrária, a questão da alteração do artigo 80.° da Constituição. Penso que a solução que está aqui adoptada é mais uma vez uma solução que tem a virtude da pluralização das soluções governativas em matéria de política agrícola, que é exactamente o mesmo critério que presidiu à alteração do artigo 80.° Há a consagração da faculdade; não se ilegítima qualquer política de expropriação; há a consagração explícita, em termos constitucionais, do instrumento da expropriação da terra, vinculado constitucionalmente aos objectivos da política agrícola e ao conceito de redimensionamento das unidades de produção. Ora, como é que são integráveis estes conceitos? Só podem ser integrados através da lei ordinária, a cargo do legislador comum, legitimado pelo sufrágio directo e universal, e portanto não há nenhuma política agrícola, de pendor mais esta-tista ou de pendor menos estatista, que resulte ilegítima da proposta do PS desde que observe o conjunto dos limites constitucionais. O que é o mesmo do que consagrar na Constituição um programa, seja ele em que sector de política for, de via única. Não é a mesma coisa, são as coisas completamente diferentes, e a lógica que presidiu à alteração do artigo 80.° foi esta, é a mesma lógica que o Sr. Deputado José Magalhães já nessa altura teve ocasião de contestar. Portanto, as minhas observações eram essencialmente dirigidas ai Sr. Deputado Rui Machete, que espero repegue na palavra para clarificar, com rigor, o que é que o limite material em matéria de eliminação dos latifúndios releva ou não para efeitos da interpretação do texto constitucional, e ao Sr. Deputado José Magalhães, no sentido de não ter conseguido compreender qual era de , facto a gravidade da inquietação que resultava para o Sr. Deputado José Magalhães das propostas de alteração apresentadas pelo PS.
O Sr. Presidente: - Gostava de esclarecer que tenho quatro inscrições neste momento. Inscrevi-me eu próprio e tenho as inscrições dos Srs. Deputados Lino de Carvalho, Almeida Santos e Vera Jardim, o que não significa que não se possam inscrever outros.
Usando da palavra como parte, e em relação ao Sr. Deputado José Magalhães, que teve a amabilidade de considerar a tese por mim defendida abstrusa e um pequeno penacho intelectual para esconder políticas de poder (parece-me que não é altura para fazermos uma discussão extremamente aprofundada da matéria), todavia gostava de referir que não deixa de ser ironicamente interessante que a propósito dum problema como o da reforma agrária em que o PCP devia ser não só genericamente sensível à força normativa do facto, no domínio da teoria e da lógica, porque o contrário seria negar assim as suas raízes, a sua fundamentação teórica, mas em matéria de reforma agrária mais sensível devia ser, porque, se houve aspecto em que o facto, em que a realidade das ocupações, muitas vezes apoiadas pelas forças armadas, teve "impacte", foi precisamente na matéria da reforma agrária. É claro que a Constituição em 76 veio depois legitimar esse facto, dando-lhe a cobertura normativa. Na perspectiva que o Sr. Deputado José Magalhães tomou em boa ortodoxia marxista, o PSD limitar-se-ía a ter feito uma coisa similar àquela que fez o PCP. Mas, enfim, isso é um aspecto puramente interessante da démarche teórica que o Sr. Deputado José Magalhães seguiu.
Quanto às questões mais significativas, gostaria, em primeiro lugar, de referir o seguinte. Não penso que com adjectivos e epítetos mais ou menos menosprezantes se possa contestar uma tese que, valendo naturalmente aquilo que vale, não tem a pretensão de ser universalmente reconhecida, mas que assenta em dois ou três factos que são importantes em matéria de teoria geral do direito. Um deles é: se as normas não forem vigentes, não se percebe como é que são válidas. Presumo que o PCP gostaria de continuar a manter um ordenamento, mesmo um ordenamento hipotético que só nos seus sonhos se mantivesse e que a mais ninguém obedecesse, mas mesmo assim consideraria que esse ordenamento vigorava no País, porque correspondia aos seus ideais. Penso que ninguém defende uma tese onírica desse tipo. Em segundo lugar, é muito interessante verificar que o PCP se insurge contra a ideia que