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974 II SÉRIE - NÚMERO 32-RC

muitos países, mas não considero sensato que o problema que tão profundamente afecta a produção e o equilíbrio social não receba da nossa parte a atenção que merece". Isto é, se estivéssemos em sede de meros reordenamentos técnico-fundiários, não precisaríamos de ter feito a reforma agrária que fizemos e porventura nem sequer a Revolução Democrática de 25 de Abril.

Portanto, não se trata de uma mera repartição de propriedade idêntica à que foi feita quando da Revolução liberal. Nessa altura, antes da expropriação dos bens das congregações e ordens religiosas, existiam cerca de 510 proprietários e, posteriormente, com a transferência dessa propriedade para a burguesia nascente, passaram para 623. Consequentemente, não houve uma significativa alteração do processo mas sim a constituição, como mero ordenamento fundiário, de novos processos de repartição da propriedade. Aquilo que exactamente está, e sempre esteve, em causa não era, repito, um mero ordenamento técnico-agrícola. Aliás, um outro distinto jurista do PS, o Dr. Alberto Costa, dizia que "ao longo de século e meio, sobre esta malha fundiária, reproduziu-se um sistema económico-social assente numa agricultura extensiva, o que foi combinando à volta da grande propriedade o recurso ao assalariamento e à parceria e que conduziu, por um lado, à formação de um considerável e sub-explorado proletariado agrícola e, por outro, a um bloqueio do desenvolvimento das forças produtivas... Foi este processo que conduziu a profundas alterações materiais nas relações de propriedade e de produção nos campos, que depois foram vertidas na Constituição. Com este processo, o que se deu e o que se procurou dar foi não só o desbloqueamento dessas relações produtivas pelo desaparecimento de um certo tipo de relações de produção bloqueadores do desenvolvimento do processo produtivo mas também a dinamização do tecido social através da transferência desta terra para aqueles que a trabalham, no processo de reforma agrária.

É por isso que a Constituição vem consagrar a transferência da posse útil da terra e dos meios de produção directamente usados na sua exploração para aqueles que a trabalham, através da expropriação dos latifúndios e das grandes explorações capitalistas. Aliás, Sr. Deputado Almeida Santos, a palavra "latifúndio" tem significados precisos.

O Sr. Almeida Santos (PS): - Quais são?

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - A Constituição foi elaborada tendo bem presentes conceitos definidos com rigor, com base na nossa realidade e na nossa experiência histórica. "O latifúndio é considerado como uma propriedade em explorações de grandes dimensões, mal explorado, com baixo rendimento unitário, pertencente ao domínio privado, individual ou sociedade. O latifúndio será uma exploração de dimensões muito superiores à média regional em que todos ou a maioria dos factores de produção são utilizados em regime de sub-emprego. A exploração latifundiária em Portugal apresentava, em maior ou menor grau, no todo ou em partes, as seguintes características: elevada dimensão - os latifúndios encontravam-se geralmente no grupo das explorações com área superior a quinhentos hectares e a maioria no grupo dos que ultrapassam mil hectares -, elevada percentagem da superfície ocupada pela cultura florestal, diminuta produtividade da terra, baixo nível de emprego de mão-de-obra com salários baixíssimos e apenas em escassos dias do ano, elevado grau de proletarização gerador de fortes tensões sociais, fraca intensificação da exploração pecuária, reduzido emprego de fertilizantes, modesto nível de mecanização. .." Isto dizia, por exemplo, o professor e investigador da FAO, Mário Pereira, num seminário na Gulbenkian, referindo-se à realidade que foi tida em conta pelos constituintes. Colheu também o alerta do professor Henrique de Barros, que salientou, entre outros aspectos económicos, o processo de dualidade social que o latifúndio gera. O latifúndio tem um conceito preciso, que tem a ver com as próprias relações sociais de produção onde ele está implantado e com o bloqueamento que essas relações de produção provocam no próprio desenvolvimento agrícola, no aumento da produção e da produtividade.

Quando o PS avança para um projecto de Revisão Constitucional em que, para além do título, depois no seu conteúdo expurga esta questão da liquidação do latifúndio e da "transferência da posse útil da terra", que é um conceito próximo de auto-gestão da propriedade - embora o conceito de posse útil da terra esteja na base do conceito de propriedade social, e é, digamos, a sua forma -, não está abrir a porta para um redimensionamento meramente fundiário, meramente técnico? Não estará, portanto, a partir daqui, a abrir a possibilidade de recriação das antigas relações sociais de produção? É preciso clarificar esse ponto. Se não tivermos em conta este conceito de latifúndio e esta alteração - enfim, que são conceitos precisos - e as alterações que se deram na região, e que depois deram corpo à constituição, a proposta de lei actual que o PSD apresenta sob o número 31/V, que aumenta as pontuações sem limite de área, que desconta as benfeitorias, que altera os limites mínimos das área não expropriadas, etc., corre o risco de ser considerada constitucional após a revisão, dado o conteúdo das soluções para que se parece apontar.

O Sr. Deputado António Vitorino diz: "A nossa proposta dá para tudo!". Eu diria: então até dá para reconstruir o latifúndio.

O Sr. António Vitorino (PS): - Não. Eu não disse que dava para tudo...

O Sr. José Magalhães (PCP): - O que ouvimos dizer ao Sr. Deputado António Vitorino foi que nenhuma política agrícola resulta ilegitimada pela solução proposta pelo PS.

O Sr. António Vitorino (PS): - Eu disse que nenhuma política agrícola resulta ilegitimada dentro dos quadros que o nosso próprio projecto define para a política agrícola. Não se podem ignorar os quadros constitucionais e uma leitura sistemática de artigos que se referem à política agrícola, desde logo o artigo 81.° alínea h), do nosso projecto.

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Certo!

O Sr. António Vitorino (PS): - Nós não reduzimos o capítulo da reforma agrária a um artigo do tipo: "a política agrícola é a que for definida por sufrágio directo e universal". Não é isso que está no nosso projecto. Nenhuma política agrícola resulta ilegítima em função dos limites que constam aqui do projecto de