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978 II SÉRIE - NÚMERO 32-RC

ou abandono de recursos. É que a própria dimensão induz a um sistema produtivo ele próprio gerador do subaproveitamento.

O Sr. Vera Jardim (PS): - É a tal reforma capitalista de que falei e que em Portugal não foi feita na zona que a todos preocupa.

O Sr. Pacheco Pereira (PSD): - Posso também fazer uma pergunta? É que V. Exa. está a fazer uma intervenção e eu estava inscrito, pelo que me sinto um pouco prejudicado pela circunstância de haver intervenções sob a forma de pergunta sobre matéria para a qual estava inscrito.

A pergunta é muito simples: será que esse processo de transformação do latifúndio tradicional que existiu nos anos 30, 40, 50 não se estava já a operar no momento em que se realizou a reforma agrária, pelo que em parte não foi realizada também em relação a uma transformação da agricultura alentejana que já se verificava no final dos anos 60, princípios dos anos 70? Os Senhores têm uma descrição do Alentejo que é completamente mirífica, que está encravada num determinado período histórico e que já estava a mudar no momento em que se realizou a reforma agrária. Portanto, a discussão sobre o latifúndio é sobre uma realidade e uma descrição ideológica e não sobre uma descrição de uma realidade de facto existente na prática. Temos, pois, que discutir essas coisas também nesses termos, e os Senhores sabem perfeitamente que no princípio da década de 70 havia pleno emprego no Alentejo, havia falta de mão-de-obra, havia subida de salários, havia o aparecimento de empresas agro-industriais, havia investimento no turismo. E, portanto, a descrição que estão a fazer do Alentejo - sei do que estou a falar e depois podemos discutir...

O Sr. Rogério de Brito (PCP): - Já colocou a pergunta?

O Sr. Pacheco Pereira (PSD): - Estou a chamar a atenção para o facto de a descrição que os Senhores fazem do latifúndio ser inteiramente ideológica, porque não só já não existia enquanto realidade dinâmica no momento em que se realizou a reforma agrária como é completamente mirífico pensar que em 1988 se possa reconstituir no Alentejo o modelo latifundiário que existia nos anos 50. O problema é que os Senhores chamam reconstituição do latifúndio à transformação do status que existente depois de 1975, utilizando o termo com um sentido ideológico e não com o sentido de descrição de uma realidade.

O Sr. Presidente: - Gostava de referir que não quereria estar a interromper a vivacidade dos debates mas que vou ter de pôr alguma ordem nos mesmos sob pena de nos confundirmos.

O Sr. Deputado Rogério de Brito usará da palavra porque lha concedi nos pressupostos em que o fiz e faz a pergunta no fim, mas seguidamente retomaremos vigorosamente os termos regimentais para que possamos entender-nos.

O Sr. Rogério de Brito (PCP): - Estava, portanto, na questão de que normalmente se alia a situação de subaproveitamento dos recursos à dimensão da propriedade porque ela própria gera o sistema produtivo deficiente. Mas o problema reside, no facto de a dimensão gerar o sistema produtivo quando a dimensão é apropriada por uma única entidade, ou seja, quando a produtividade da terra, mesmo que extremamente baixa, gera elevados rendimentos pela sua multiplicação em termos de unidade de superfície. É aqui que reside o drama do latifúndio; é a possibilidade de um subaproveitamento que, no entanto, gera riquezas avultadas pela multiplicação de n hectares de terra na posse de um indivíduo ou de uma família.

Mas não é só aqui que está o problema do latifúndio (que, insisto, não é um conceito meramente marxista-leninista, embora pense que ele o assume por inteiro). Basta vermos as análises que têm sido feitas por diversos quadrantes e não apenas aquele em que nos situamos. Ainda ontem citei, e volto a citar, a . Igreja que considera o latifúndio "um factor de repressão sócio-económico sobre as populações, sobre os trabalhadores", considera-o "um factor de domínio do poder económico sobre o poder político", e condena-o por isso mesmo. Certamente, não iremos chamar aos bispos da Igreja Católica de "marxistas-leninistas", e não é porque isso nos causasse particular preocupação.

Risos.

Os Senhores certamente não o dirão e isso quer dizer que a própria concepção, a própria ligação do latifúndio ao poder político, ao poder económico e ao uso que é feito desse mesmo poder não é uma questão despicienda, e é porventura a mais importante no contexto deste debate constitucional. É bom que não nos esqueçamos dele. No entanto, regressarmos ou não ao anterior não é o problema que aqui se debate. Trata-se de debater o problema dos regimes de propriedade da terra passíveis de gerar situações equivalentes mesmo que revestidas de outras formas, diria mesmo, com mais elevadas produtividades, sendo certo que isso não traduz uma mais equilibrada ou justa distribuição do rendimento obtido.

Concluiria dizendo que tivemos reformas agrárias: não devemos esquecer a revolução liberal, embora tenha sido aquilo que foi. E também que não esqueçamos, quando queremos colocar a questão no domínio ético do que é a propriedade e o direito de propriedade, como é que existe hoje a propriedade latifundiária do Alentejo e o que foi a revolução liberal e as suas consequências.

Por diversas vezes na I República se tentaram fazer reformas agrárias e por diversas vezes elas foram aniquiladas pelo poder político. Há que não esquecer que as últimas dessas tentativas deram origem uma à ditadura de Sidónio Pais e a outra à queda da I República. Talvez não tenham sido razões determinantes, mas coincidiram. É bom que também tenhamos isto em conta.

Finalmente, gostaria de colocar a questão de em 1979 a caracterização que fazemos do latifúndio já não existir. Não sei qual é a base de análise do Sr. Deputado Pacheco Pereira para fazer esta afirmação,...

O Sr. Pacheco Pereira (PSD): - Eu não disse que já não existia, disse que estava em transformação.

O Sr. Rogério de Brito (PCP): - .. .mas direi que, com excepção de algumas explorações que se desenvolviam numa perspectiva capitalista, e não eram muitas,