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4 DE AGOSTO DE 1988 973

O Sr. José Magalhães (PCP): - Duvida? Não vejo...

O Sr. Presidente: - Mas vejo eu!...

Em segundo lugar, devo dizer-lhe que, nesta matéria, estamos obviamente no campo da interpretação da Constituição, da compreensão da Constituição, porque a interpretação da Constituição significa a sua compreensão. Diz-me V. Exa.: vamos admitir, por hipótese, que o tal princípio socialista marxista deixa de existir. Devo dizer-lhe, Sr. Deputado, que, na minha perspectiva, ele só deixa de existir pelo desuso ou pela revogação expressa que for feita por normas que o consubstanciem de uma maneira inequívoca. Mas, como princípio, não é susceptível de ser revogado apenas pelo facto de um ou outro dos seus afloramentos desaparecerem. Todavia, poderá acontecer que a revisão da Constituição leve a poder concluir-se com segurança, o que não aconteceu em 1982...

O Sr. José Magalhães (PCP): - E esperemos que não aconteça agora...

O Sr. Presidente: - Naturalmente o Sr. Deputado José Magalhães formula esses votos de que não aconteça agora; eu formulo votos contrários...

Mas poderá acontecer que o princípio desapareça. E então aquilo que subsistir tem uma outra interpretação. Evidentemente, se subsistisse uma norma falando em latifúndio e em que não houvesse por detrás, como fundamentação, esse princípio, teria uma outra interpretação. Neste momento, as coisas apresentam-se com uma conexão articulada de sentido e, se não for destruído, a minha interpretação mantém-se. Portanto V. Exa. não pode vir dizer: "Mas se fosse?... Se fosse, veríamos como é... Mas, neste momento não é assim; e, como não é assim, o carácter vinculativo resulta dessa articulação e de ser a concretização, um dos afloramentos mais importantes desse princípio. Aliás, a razão por que entendo que a Revisão de 1982, em matéria desse princípio socialista colectivista, não foi grande, residiu justamente no facto de, hábil e inteligentemente, ter havido por parte dos propugnadores da tese socialista marxista-leninista o cuidado de preservar o artigo 290.°, que é um preceito-chave dentro da tese que VV. Exas. perfilham.

Compreendo isso e é por essa razão que as podas, com alguma importância, com algum significado, que foram feitas não destruíram todavia esse princípio.

A minha resposta é: para mim, existe neste momento uma conexão de sentido que leva a estender naturalmente a caducidade a todos os aspectos. Se houver um outro contexto que permita uma interpretação diversa, será preciso que se realizem as mutações, e então veremos. Como é evidente, não as posso excluir, porque seria absurdo, mas neste momento elas não existem e, portanto, não vivem por si. O que não é possível é dizer-se "logo, porque talvez isso aconteça, ergo já neste momento pode ser uma interpretação diferente". Não é exacto. Na minha perspectiva, neste momento, não pode ser diferente e por isso estendo a caducidade a esse aspecto. Admito que possa haver justificações e, inclusivamente, a própria explicação da nossa proposta assenta numa ideia de que não somos a favor do latifúndio pelo latifúndio: se o latifúndio não se justificar, porque a terra não é cultivada, porque há meios muito mais eficazes de a aproveitar, existem políticas, desde políticas fiscais a políticas de crédito, a políticas sucessórias, em muitos outros aspectos que podem permitir encontrar soluções adequadas. Não somos a favor do latifúndio pelo latifúndio, nem contra o latifúndio pela circunstância de se chamar latifúndio. Atendemos a outro tipo de valores, muito diversos daquele a que VV. Exas. dão a prevalência. Tem a palavra o Sr. Deputado Lino de Carvalho.

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, para além da interpretação técnico-jurídica constitucional de que não sou especialista, gostaria de me pronunciar sobre esta matéria a partir de duas questões colocadas, uma pelo Sr. Deputado Rui Machete e outra pelo Sr. Deputado António Vitorino.

O Sr. Deputado Rui Machete põe a questão de que aquilo que está em causa em relação à organização da posse da terra é, para além de pressupostos de ordem ideológica, a necessidade de maior produção e de maior produtividade.

O Sr. Presidente: - É um dos aspectos...

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - É um dos aspectos em que vincou a sua intervenção. E entende naturalmente o Sr. Presidente que as propostas de Revisão Constitucional apresentadas pelo PSD, bem como a sua prática política, levarão a esse objectivo, a esse desiderato.

Por sua vez, o Sr. Deputado António Vitorino perguntou se as propostas de alteração do PS nesta matéria podem ou não vir a constitucionalizar aquilo que hoje é inquestionavelmente inconstitucional, que é a proposta de lei actual. Penso que para respondermos a estas questões é necessário fazer uma rápida viagem na História, em relação às transformações ocorridas a partir de um tecido fundiário que existia naquela vasta região, tecido esse com origem em bens expropriados à Igreja, às Ordens militar-religiosas, etc., durante a Revolução liberal e que deu lugar às grandes propriedades latifundiárias. É necessário saber qual a malha fundiária, que tipo de relações sociais aí existiam durante o regime fascista, quais as transformações que se deram, que tiveram que dar-se para libertar as forças produtivas e portanto para permitir estimular a produção e a produtividade da terra, bem assim como quais os riscos que se corre com propostas de Revisão Constitucional e subsequentes práticas políticas que possam levar - se é que levam, o objectivo é demonstrar se sim, se não - à reconstituição da situação anterior. Isto para dizer que nesta vasta zona não se deu um mero reordenamento fundiário de ordem técnica. De facto, foi-se mais além, na medida em que para um mero reordenamento fundiário - no fundo é aquilo que pode estar subjacente às próprias propostas de alteração do PS, quando retira e expurga as vertentes sociais do artigo 97.° e outros - não seria talvez necessário fazer a reforma agrária.

Recordo - e isto não é ofensivo para ninguém - que, já em 1952, Salazar escrevia o seguinte: "não dispomos ainda de um sistema corrector da extrema irregularidade com que a terra se distribui no País. É mais do que duvidoso que seja qual for o nosso respeito, e mesmo o nosso carinho, pela propriedade privada da terra, possa o fenómeno indefinidamente continuar entregue a si próprio sem orientação. Está longe do meu pensamento a reforma agrária, tão em moda em