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3 DE OUTUBRO DE 1988 1259

O Sr. José Magalhães (PCP): - Creio que este é um dos aspectos em que o PSD não mudou, nem o discurso, nem a estratégia, nem o projecto, depois do congresso realizado há dias.

O PSD sonha com um sistema em que a Assembleia da República não o incomode, ainda que tenha, como ora sucede, uma bojuda maioria absoluta. A existência de um parlamento exercendo as suas competências parece-lhe interessante em teoria, é mesmo apodada de "vital" na boca de alguns dos arautos do PSD. Medidas e pesadas as coisas no concreto, face ao parlamento vivo, ao parlamento exprimindo-se através do exercício das suas competências legislativas e fiscalizadoras, a visão do PSD torna-se totalmente diferente - para não dizer radicalmente diferente. Economicamente, o PSD é neoliberal; politicamente, o PSD revelou-se "parlamenticida".

O que ouvimos da boca do Sr. Deputado Rui Machete é, apesar de tudo, diga-se, nos tempos que correm, invulgar. As declarações de proselitismo parlamentar, de apego ao lugar central do Parlamento na vida política portuguesa, as alusões à necessidade de melhorias da sua eficácia, e tudo o mais que consta da acta - mas apenas da acta, que não da vida e, menos ainda, da prática do Grupo Parlamentar do PSD - é uma forma de aproximação à questão parlamentar, hoje praticamente de último moicano, no PSD. Aquilo que resulta proclamado e é doutrina oficial e é prática oficial (o que é pior ainda) é precisamente o contrário disso! O Primeiro-Ministro vai calmamente à rádio e à televisão dizer o contrário. É histórica a sua declaração de 4 de Março de 1988, nos termos da qual "o nosso povo tem pouco consideração pela Assembleia da República", supostamente porque ela tem deputados activos - não vou agora qualificá-los. O Ministro das Finanças, por exemplo (mas qualquer outro ministro ou secretário de Estado, qualquer apaniguado, não mede palavras, nem vai longe disto), declara calmamente, onde pode - há dias, por exemplo, num almoço com empresários, na Câmara de Comércio e Indústria Luso-Alemã, num hotel da capital, à sobremesa: "já perdemos tempo de mais", diz ele em relação a certas formas legislativas privatizadoras, "é que no nosso país" "a linha de fabrico de uma lei é muito demorada". Este gracioso paralelo entra as linhas de fabrico das salsichas e as linhas de fabrico das leis revela cristalinamente um espírito de salsicheiro, mas seguramente não uma ideia de compreensão das instituições e do Estado, tal é a atitude do PSD em relação ao Parlamento, independentemente das proclamações isoladas deste ou daquele deputado.

É um contencioso fundo o que assim se estabelece e é um contencioso muito preocupante, uma vez que põe em causa a possibilidade de a Assembleia desempenhar as suas competências, constitucionalmente plasmadas. Vide o incrível contencioso em torno do regimento da Assembleia e a tentativa de o desnaturar e criar nele uma série de freios, de limitações e desnaturações; vide o contencioso em relação à própria estruturação da Assembleia, vista como coisa da maioria - isto resulta evidenciado na lei orgânica aqui aprovada; vide os ataques ao livre exercício dos poderes dos deputados, domínio em que o conflito aberto pelo Primeiro-Ministro, com o triste episódio da contestação da liberdade de opinião e expressão dos deputados, a contestação das imunidades, o regresso a um sistema que só teria cobertura na Constituição de 1933, deixou absolutamente, sem margem para qualquer dúvida, clara a visão do PSD sobre a Assembleia e os seus deputados, individualmente tomados.

Os argumentos que aqui foram trazidos não resultam de outra visão. Na verdade, independentemente das declarações de amor ao Parlamento, aquilo que o PSD aqui visa é o prolongamento de uma campanha contra o sistema proporcional - uma campanha velha; neste caso, trata-se de desencadeá-la contra um dos pilares desse sistema.

É óbvio e dispensa demonstração que, se se reduzir o número de deputados, se afecta a própria possibilidade de aplicação do princípio de representação proporcional; e se afectará tanto mais quanto maior for a redução do número de deputados. É também evidente que isso teria consequências extremamente nefastas.

Gostaria de sublinhar a incorrecção, insuficiência e inadequação dos argumentos que o PSD utiliza nesta matéria. Já assinalei que as propostas em debate se inserem numa campanha, abertamente dirigida contra o Parlamento, e extremamente nefasta e perigosa porque mergulha num todo histórico muito velho, muito antigo e bastante perigoso, de desprestígio da instituição como tal. Essa campanha procura identificar a existência de um parlamento livremente eleito, dotado de competências com a perda de tempo, a "verbiagem" ignara, a ociosidade, a alta remuneração e a nula produtividade, o desleixo e o desinteresse em relação aos problemas do povo, a incapacidade de estudar, de ponderar, de discutir, sem deixar de usar, pertinentemente, argumentos com a vivacidade que seja adequada, com a liberdade de criação e de expressão que seja própria de cada deputado e de cada grupo parlamentar, que seja seu timbre, seu cunho próprio.

Essa campanha, que é um eixo fundamental da actividade do PSD, conexiona com essas ideias esta outra: a de que são precisos menos deputados, eventualmente para serem melhores. É um argumento francamente débil, para não dizer nulo, uma vez que não é remédio para a escolha dos deputados e, menos ainda, para a capacidade dos deputados, como a triste maioria do PSD tem evidenciado ao longo desta sessão legislativa; nem uma solução deste tipo alteraria os critérios de escolha.

Não vou entrar na distinção entre aquilo que sejam deputados - "questores", "procuradores", e mesmo "cônsules", e mesmo "pretores" -, para já não dizer mesmo "pachecos", que também há, como se sabe...

Risos.

Parece-me que a discussão não se deve situar nesse terreno. Deve situar-se na apreciação de quais são os critérios de escolha dos deputados, quais os meios necessários para lhes dar mais possibilidades de intervenção, melhores condições de intervenção, melhores condições de instalação, mais apoio, mais conhecimento dos problemas; e depois, mais capacidade de ligação aos problemas do povo, mais capacidade de não-ensinamento, não-fechamento, abertura aos cidadãos que se lhes dirigem, cumprimento das suas obrigações, responsabilização face aos seus compromissos, tal qual os assumiram perante o povo na altura em que se candidataram, mais capacidade de ligação às estruturas dos seus partidos, que lhes permitam compreender e dis-