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1260 II SÉRIE - NÚMERO 40-RC

cutir as questões que sejam relevantes para o exercício adequado do mandato, maior articulação entre a liberdade de criação e a responsabilidade que resulta de cada deputado estar integrado num partido com um estatuto que variará consoante o partido em que tenha assento. Tudo isto tem cabimento no quadro da actual representação nacional, tudo isto tem cabimento no quadro de uma Assembleia livremente eleita, com poderes e com deputados capazes de exercer esses poderes. É este o primeiro aspecto a evidenciar: qualidade e eficácia não é igual a restrição do número de deputados, pelo contrário.

Percebemos naturalmente que isso cause embaraços ao PSD neste momento, que, esbarrondando de deputados, saindo-lhe deputados pelo tecto das salas do grupo parlamentar, não dá resposta a problemas elementares, tanto do funcionamento da Assembleia da República como do funcionamento da instituição, no que diz respeito ao exercício das competências individuais dos deputados. É evidente que volta, meia volta, cada dirigente, ou cada candidato a dirigente, ou cada ex-dirigente do PSD, se pronuncia em tem, por vezes lamechento, sobre as dificuldades da direcção do grupo parlamentar respectivo, sobre as dificuldades decorrentes da actuação dos partidos da oposição que existem. É verdade - é um aborrecimento para o PSD -, a décalage brutal entre aquilo que é o volume e aquilo que é a qualidade no Grupo Parlamentar do PSD. No entanto, tudo isso são circunstâncias episódicas e quase pessoais do PSD, que ele resolverá ou não e o eleitorado julgará adequadamente em su tiempo. E não mais do que isso...

O segundo conjunto de razões que o PSD usa para sustentar que a sua solução malthusiana seria remédio, diz respeito i própria qualidade dos trabalhos legislativos, o que é, no fundo, ainda um desdobramento do primeiro argumento da eficácia, cuja menos-valia já abordei.

Creio que, neste ponto, se aflora um outro vício concepcional do PSD, traduzido numa certa leitura elitista e restritiva da democracia, sumarizável naquela máxima pernóstica: "muitos é um aborrecimento, mais vale pouquitos mas bons"! E mais são os bons? Surge aqui um conceito sui generis do que seja a bondade, aferida a mais das vezes pela fidelidade ao chefe, bem como a ideia de que isto da política é uma coisa que deve ser vista com conta, peso e medida (porque verdadeiramente "quem domina as engrenagens e percebe o real é o chefe", na sua mística e ligação ao povo e na sua percepção por linha directa daquilo que ele sente, ainda que os índices de popularidade decaiam). A ideia de haver muitos deputados por via da qual cada deputado é uma cabeça, cada cabeça sua sentença e cada sentença um óbice ao chefe é, de facto, desagradável, facto que, aliás, se percebe. Porém, é uma regra eminentemente democrática, e o PSD pretende torneá-la através de uma solução restritiva, o que não abona o seu conceito de democracia.

Em terceiro lugar, temos as questões relacionadas com os argumentos supostamente técnicos. Neste aspecto como nos outros a argumentação não tem ponta onde se lhe pegue. Gostaria, aliás, que o PSD não usasse o argumento da singularidade portuguesa apenas quando está a discutir o artigo 124.° e a reflectir sobre a "diáspora" e as suas imensas e ínclitas facturas. O PSD podia aplicar o argumento da singularidade portuguesa a Portugal e ao número de deputados da Assembleia da República. Desde logo, porque se operou em 1975-1976 com a Constituição da República Portuguesa um corte radical com a noção que presidiu durante anos às falsas câmaras existentes, com a ideia de uma Assembleia Nacional que realmente era pequenina (além de não representativa!) e que encontrava no carácter diminuto dos seus deputados "uma das suas virtualidades imensas": poucos deputados, absolutamente escolhidos a dedo, pendurados no ar, com uma Assembleia Nacional sem serviços e estruturas e sem poderes, logo dependente do Governo. Eis uma coisa que obviamente não voltará! E o PSD também não propõe formalmente tal coisa! A questão está em saber se pelo caminho que propõe não poderíamos, em termos de resultados, reaproximarmo-nos alguma vez de aspectos típicos desse sistema, que foi extremamente nefasto e pesou muito na imagem que ainda existe da própria Assembleia da República. Esse corte com o desprestígio e o passado de ausência de poderes não foi feito na profundidade e dimensão suficientes. E a nova Assembleia da República, com a estrutura e os poderes que tem no nosso sistema democrático, não logrou ainda libertar-se do lastro pesado decorrente desse passado que macula a instituição parlamentar e a experiência das nossas instituições e que nos persegue em condições que o PSD com este sistema se arriscaria a agravar. Os argumentos técnicos oriundos do direito comparado, que é uma área em que o Primeiro-Ministro claramente navega mal, são fracos. O Sr. Deputado António Vitorino já pôde adiantar algumas das implicações e demonstrações pertinentes nessa matéria.

A análise severa e rigorosa dos quocientes não deixa dúvidas quanto à injustificação das propostas do PSD. É evidente que quanto menor for o número de deputados menos fiel será o mapa popular ou a projecção do povo nas instituições e mais distorcida será a força real dos partidos. É claro que os maiores partidos são sempre favorecidos com a redução do leque de deputados. O PSD aplica neste ponto uma gula de maior partido, estando preocupado e apostado em operações de engenharia eleitoral para se precaver contra evoluções do eleitorado e quedas de popularidade.

Ora a proporção existente em diversos países não aconselha a redução do número de deputados em Portugal. Temos, por exemplo, na índia um deputado por 1 milhão de habitantes, nos Estados Unidos um deputado por 500 mil habitantes, na União Soviética um deputado por 250 mil habitantes, na França, Itália e RFA um deputado por 70 a 100 mil habitantes, na Bélgica um deputado por 50 mil habitantes, na Suécia e Suíça um deputado por 25 mil habitantes e na Irlanda e Noruega um deputado por 20 mil habitantes. Acontece que a população portuguesa é aquela que se sabe, bem como o número de eleitores, pelo que a ratio existente não é francamente excessiva. E isto ainda resulta mais claro se tivermos em conta que em alguns desses países que referi não há uma mas duas câmaras, enquanto em Portugal existe apenas uma.

Em suma: esta questão do "excesso de deputados" é uma componente demagógica e uma peça instrumentalizadora, através da qual o PSD, tal como procura delibitar o exercício das competências do Tribunal Constitucional para ter mãos livres em aspectos fulcrais, tenta lançar contra a Assembleia da República mais um