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7 DE NOVEMBRO DE 1988 1727

cujo carácter integrado deveria ter a virtualidade de produzir esse efeito de abertura. Neste momento e nesta sede, apenas sublinharia que a cláusula apresentada pelo PCP em sede de revisão constitucional não resolverá tudo, apenas será um sinal, um sinal positivo.

Não gostaríamos que tivesse o destino que teve o positivo sinal contido no artigo 267.°, n.° 4, na parte referente ao processamento da actividade administrativa. Impressiona, na verdade, que, tantos anos após a entrada em vigor da Constituição, continue puramente letra morta a imposição constitucional dirigida ao legislador ordinário no sentido da elaboração da respectiva lei de enquadramento. Foi só em 1979 que a Assembleia da República aprovou (aliás por unanimidade nessa circunstância) um projecto do PCP sobre o processo administrativo não contencioso. No entanto, a respectiva aprovação final foi inviabilizada pela ocorrência da dissolução da Assembleia, e a iniciativa, apesar de sucessivamente renovada, nunca deu origem à publicação de uma lei.

Por outro lado, o próprio projecto de código de processo administrativo gracioso, divulgado em 1980 a nível governamental (e que suscitou uma enormíssima polémica que três anos depois conduziu a uma segunda versão, que não foi, de resto, menos questionada) não teve qualquer sequência. Aquilo a que se assiste é, pelo contrário, à proliferação de condutas as mais diversas, à multiplicação de padrões distintos para segmentos que deveriam ter padrões comuns. Mais ainda, com a evolução das autonomias regionais verifica-se uma cesura entre os padrões de comportamento da Administração Pública nas regiões autónomas e os padrões de comportamento da Administração Pública no continente. Pode dizer-se que a Administração Pública, que deve obviamente ter em conta a organização do Estado, sofre neste momento mais do que as desigualdades decorrentes daquilo que é a natural diferenciação entre administrações que têm no topo entidades diferentes: sofre uma diferenciação de estilos e de padrões francamente anormal, ainda que, repito, não sejamos homogeneístas e entendamos que deve haver especificidades. A situação actual parece, contudo, exceder tudo o que são parâmetros razoáveis, estando a Administração Pública em muitos aspectos confinada a ser a administração pública do continente, e isso é insuportável num Estado unitário.

Vinham estas considerações a propósito das disfunções reinantes e da necessidade geral de abertura. Face à ingência da tarefa, a proposta do PCP é verdadeiramente modesta, mas não despicienda. Que se consagre que "a lei garante a todos o acesso aos documentos e arquivos da Administração Pública e assegura a informação regular e objectiva dos cidadãos sobre os actos da Administração", visa potenciar, sublinhar e desenvolver duas vertentes constitucionalmente consagradas: a primeira, a ideia de que o acesso aos documentos e arquivos da Administração Pública não se há-de poder fazer apenas na base do interesse pessoal e directo dos cidadãos, podendo existir outras situações que não apenas as situações de estudo, de carácter científico, que legitimem o acesso aos documentos e arquivos de Administração Pública. Pode ser extremamente positivo (e não será característica portuguesa singular a consagração de uma norma deste tipo), que, como instrumento adicional tendente a potenciar o exercício individual e até colectivo de direitos, se consagre uma nova noção de legitimidade e se aponte para esta abertura com fronteiras mais dilatadas, a que se chama nas experiências internacionais que sobre a matéria podemos conhecer administração aberta. A ideia da open administration, ou na expriência canadiana e francesa de uma administração aberta com limites (uma administração por mais aberta que seja não pode deixar de ter limites em algumas franjas, em algumas áreas, em alguns segmentos), é extremamente enriquecedora do quadro actual.

Gostaria de sublinhar que, como é evidente, a aprovação de uma norma deste tipo exigirá legislação ordinária. A essa legislação ordinária de desenvolvimento caberão muitas das tarefas meritórias a que se dá abertura por esta fórmula. A primeira é a consagração legal da transparência como regra e do segredo como excepção, o que, não representando inovação na nossa ordem jurídica, fará sem dúvida acrescer a garantia legal dos direitos dos administrados e tornará mais clara, desde logo, a revogação das normas de direito ordinário anterior à Constituição que contrariem o modelo não secretista por ela consagrado.

A jurisprudência e a doutrina têm sublinhado (mas tarda a ser entendido e aplicado) que essas normas secretistas que herdámos do passado não podem apenas ser interpretadas de maneira conforme à Constituição, não podem ser salvas quanto à vigência, não é esse o poder que os tribunais têm. É preciso reconhecer que a Constituição derrogou essas normas e instituiu para a situação criada novas normas, normas de abertura, normas assentes no direito fundamental à informação, normas que são directamente aplicáveis por força do artigo 18.° da Constituição e não apenas normas programáticas. Este entendimento será potenciado pela aprovação de uma norma constitucional sobre administração aberta, o que será bastante importante. Ainda há dias recebi em resposta ao meu requerimento n.° 931/V a seguinte informação: "continuam em execução as instruções sobre a segurança das matérias classificadas anexas à Portaria n.° 19 810, de 19 de Abril de 1963" (sic). De acordo com o programa do XI Governo, há intenção de rever tais instruções "no sentido de actualizar as disposições existentes". O n.° 3 do capítulo i do Programa do Governo dá conta dessa intenção ao referir expressamente: "há agora que elaborar e implementar um conjunto de normas nacionais de segurança de matérias classificadas". Tal não ocorreu, porém. Reina o mais completo pandemónio na distinção entre o que sejam normas em vigor e normas superadas... A aprovação de uma cláusula deste tipo tenderá a impulsionar uma redefinição positiva dos próprios critérios de classificação dos documentos da administração, pondo cobro a aberrações como esta de que vos falei.

Por outro lado, esta consagração constitucional, expressa, explícita, directa, da Administração aberta clarificará as regras através das quais a Administração Pública deve facultar o acesso aos seus documentos, acentuando, designadamente, a ideia de que a autorização dos superiores hierárquicos, o poder de autorizar o acesso passou a ser vinculado e perdeu o carácter discricionário que tinha sob o regime anterior, na medida em que o administrado pode opor à Administração um direito constitucional e legalmente estabelecido, direito esse que, no caso da aprovação desta norma (que esperamos), seria largamente reforçado.