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28 DE NOVEMBRO DE 1988 1841

contraste com o totalitarismo que, edificando-se sob o signo da criação (da sociedade sem classes, do homem novo, etc..), se opõe a essa indeterminação, que distingue as sociedades plenamente democráticas das sociedades predeterminadas, das sociedades cujo desenvolvimento inelutável desemboca nos "amanhãs que cantam" que todos infelizmente conhecemos. Aquela característica - a indeterminaçâo, o respeito pela evolução livre das sociedades pela vontade popular, pela vontade das novas gerações - é, para nós, característica essencial da democracia. É evidente que isto não é totalmente novo. Tocqueville foi o primeiro a pressenti-lo há já um século e meio. Gostaria ainda de citar Edgar Morin, que, como outros, apenas admite que as sociedades do nosso tempo sejam, quando muito, multideterminadas. Isto é, que no seu seio haja determinações diferentes da qual, evidentemente, haverá uma resultante que é a vontade maioritária em cada momento, mas que, por essência, a sociedade democrática é uma sociedade multideterminada, em que, obviamente, haverá, se quiser, elementos mais ou menos socializantes, mais ou menos de mercado, mais ou menos de acordo com certas teorias que defendem a justiça social, a justiça comutativa, a justiça distributiva, etc. Parece-me que este ponto é, efectivamente, essencial.

Diria, a concluir, que tudo o resto é do domínio da mitologia. Continuar hoje a insistir na referida fraseologia que até poderia ser compreensível, apesar do nosso voto contrário em 1975-76 (e nós compreendemos a posição do PS e do CDS na altura), é mitificá-la! Passados tantos anos, é cristalizar mitos: o mito do caminho (ou do regresso) para a idade do ouro, o mito do regresso à unidade de objectivos entre todos. Ora, esta unidade de objectivos é, pura e simplesmente, impossível e insustentável numa sociedade aberta e democrática. É a altura, portanto, uma vez que a sociedade mudou muito e vai mudar ainda mais de acordo com a vontade popular, de fazer com que também a Constituição mude, para que não cristalize em concepções fixistas, acabando por se transformar num empecilho ultrapassado e dogmático, logo prejudicial. Congratulo-me, em conclusão que ela vá mudar, porque a maioria qualificada para tanto já existe.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Nogueira de Brito, além de intervir, como pediu, fará o favor de justificar a proposta do seu partido.

O Sr. Nogueira de Brito (CDS): - Efectivamente o CDS votou, em 1976, o artigo 1.° tal como se encontra redigido. Acaba de ser dito - e eu acredito que seja verdade- que o PSD não votou o artigo 1.°

Uma voz: - Votou contra!

O Sr. Nogueira de Brito (CDS): - Bom, votou contra.

No entanto, depois das referências que foram feitas ao voto do CDS e ao do PSD, sinto alguma necessidade de justificar a mudança do sentido do voto, embora, o Sr. Deputado Pedro Roseta (com cuja intervenção me congratulo) tenha justificado abundantemente a mudança em si própria. A certa altura da sua intervenção, pensei até que o Sr. Deputado Pedro Roseta estava a justificar de mais a mudança e que havia aí algum pensamento reservado nessa matéria, alguma tentativa de justificação. Depois o Sr. Deputado Pedro Roseta desembocou em teses personalistas, que me são caras, e afirmou que a sua ideia de mudança ancorava fundamentalmente nesta outra ideia: a de que o proprietário do seu destino não é outro se não o próprio homem - é o homem que constrói a História em cada momento. E nessa altura reconciliei-me com a sua intervenção.

Apesar de o Sr. Deputado Roseta ter justificado amplamente a mudança diria o seguinte: o voto do CDS sobre o artigo 1.°, com o empenho na transformação da sociedade portuguesa numa sociedade sem classes, foi na altura justificado e, obviamente, não foi determinado pelas mesmas razões que levaram as bancadas socialistas a dar o seu voto favorável a esta formulação, a qual ancorou na mesma ideia personalista que constitui a matriz do pensamento do nosso partido, que valoriza a ideia de solidariedade de forma tal que fez apostar o partido na ultrapassagem de uma sociedade dividida por uma sociedade unida pelos vínculos da solidariedade. E daí a transformação numa sociedade sem as divisões de classe determinadas pela titularidade ou detenção dos meios de produção. O que veio a revelar-se, no contexto de todos os artigos que foram votados e do próprio preâmbulo da Constituição, é que não era esse o sentido que efectivamente os constituintes atribuíram ao artigo 1.° Era um sentido marxista muito marcado que era atribuído a esta formulação. E por isso o Sr. Deputado José Magalhães revela agora um espanto que certamente é irónico.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Não tem ironia nenhuma, Sr. Deputado. Era apenas constatar que o CDS não estava de reserva mental, segundo a descrição do Sr. Deputado Nogueira de Brito - encontrou foi a luz na estrada de Damasco, o que pode acontecer a muito boa gente.

O Sr. Nogueira de Brito (CDS): - O que é muito próprio do CDS, como pode calcular.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Exacto, é próprio, embora tenha ainda um outro picante significado.

O Sr. Nogueira de Brito (CDS): - Verificamos, hoje em dia, que é o início da carga programático-ideológica da Constituição que está vertida no artigo 1.° e, em nosso entender, no próprio preâmbulo. Daí termos proposto a eliminação do preâmbulo, que deixaria de ter algo a ver com uma Constituição que seja expurgada desta carga. Mas não é só o expurgo da carga ideológica, neste sentido, da Constituição datada, da Constituição que reflecte apenas a visão de alguns, que nos leva a propor, concretamente, a eliminação da expressão "transformação numa sociedade sem classes". Entendemos que a Constituição, neste pórtico constituído pelos primeiros artigos, deve fundamentalmente traduzir o que é a sociedade portuguesa. Foi por isso que há pouco, a propósito disso, pensei, Sr. Deputado Pedro Roseta, que estava a ir longe de mais na sua justificação da mudança do sentido de voto. É que para nós há valores que permanecem, designadamente os que caracterizam a democracia, comum a todos nós, e são