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28 DE NOVEMBRO DE 1988 1845

exige algumas precisões) passa por transformações e não pela manutenção do real. E não passa pela manutenção do real porque este é, desde logo, caracterizado por toda uma série de pechas, de chagas e mesmo de flagelos, que constitucionalmente se quer alterar, se quer combater, se quer enfrentar. A Constituição assume-se como Constituição combatente, como Constituição não acomodada, como Constituição que enfrenta o real. Essa ideia que, no fundo, está subjacente a todo o articulado constitucional e que lhe confere uma luz própria e uma feição própria, pode ser alterada, pode ser desfigurada.

Como é evidente, ela pode ser alterada: os limites materiais de revisão não o proíbem. Não deve, porém, ser desfigurada. Gostaria de estabelecer uma diferença entre a alteração e a desfiguração e a disfiguração muito grande e a menos relevante. Isso é fundamental para situar, desde logo, as diferenças entre os diversos tipos de propostas que existem, a diferença entre a proposta do CDS e do PSD, a diferença entre a proposta do PS e a do PSD.

O Partido Socialista foi muito pouco específico. Creio que valeria a pena que esse aspecto fosse aprofundado. O Sr. Deputado Almeida Santos a certa altura disse: "não, aquilo que nós propomos é uma mera equivalência. O PS quer uma sociedade soberana, baseada na dignidade da pessoa humana, na vontade popular, na igualdade, na solidariedade, no trabalho, enfim a constituição de uma sociedade livre, justa e fraterna. "Ora, todos este conceitos são eminentes, já com sede e com arrimo constitucional, com projecção relevante. Uma sociedade não pode ser livre se contiver em si mesma elementos de opressão. Uma sociedade não será seguramente justa se for assente na perpetuação das desigualdades, na invasão e na perpetuação do poder dos monopólios, na reconstituição do poder dos grupos económicos, na proliferação das injustiças sociais, no fenecimento dos direitos dos trabalhadores, no estabelecimento de poderes e prerrogativas patronais esmagadoras da liberdade do universo empresarial, na firmação de um dogmatismo ou na incrustação nos aparelhos de poder de um partido que quer dominar plenipotenciariamente o sistema político, etc.. Tudo isso seria incompatível com uma sociedade livre, justa, com uma sociedade fraterna. Isto é evidente. Mas então a proposta do PS é um eufemismo, tendente a suprimir o verbo, mas não o conceito, a palavra, mas não a ideia, a veste, mas não a carne constitucional? É essa a ideia do Partido Socialista? Aquilo que o PS vem sugerindo publicamente é que socialismo "já foi", "já deu". Uma Constituição - e nesse sentido o PS até se reclama de uma certa "nobreza", "generosidade", "largueza de vistas" e "sentido de Estado" - deveria dissociar-se da fixação do socialismo, palavra maldita ou tornada maldita. Por enquanto, o PS tem-na no próprio nome, portanto aí tem de a carregar. Transpô-la para a Constituição é que não. Eis o argumento que é utilizado. Seguramente, o poderemos ouvir, mais lubrificadamente, da boca dos próprios.

Em todo o caso, o que nos perturba nesta sede e neste momento é o preço que o PS pretende pagar por isso e as implicações disso. É que esta proposta aparece aparelhada na lógica do projecto do Partido Socialista com outras alterações da Constituição, designadamente as que dizem respeito ao projecto transformador e aos mecanismos da transformação. Seria bem pouco uma Constituição finalista se desprovida de elementos que garantam a prossecução da finalidade que proclama como eminente. Pelos vistos, o Partido Socialista actua ou quer actuar nos dois domínios. Por um lado, esbatendo a definição dos fins e, por outro lado, suprimindo meios, métodos e garantias. Como dizia, no mês de Novembro do 87, um deputado do Partido Socialista no jornal oficial do PS, que as pessoas podem realmente interrogar-se é se compete aos socialistas tal objectivo.

É evidente que não posso pronunciar-me senão na minha qualidade de deputado do PCP. É evidente que não me cabe tomar opções que só ao Partido Socialista dizem respeito. Em todo o caso, não posso deixar de emitir um juízo de incomodidade, de não aceitação fácil, de rejeição, de crítica frontal enquanto partido do mesmo campo em relação a essa postura, que julga obter um alargamento de espaço no momento em que apenas faz uma cedência.

Esse Sr. Deputado que citei dizia, a certa altura, isto: "a Constituição não é um regulamento militar, é sim a norma dos direitos e dos deveres do cidadão e o objectivo a atingir pela sociedade portuguesa. O nosso objectivo é o socialismo; não deve ser com o nosso voto, nem sem o nosso protesto que o ideal da sociedade portuguesa deve ser encurtado, feito descer em relação àquilo que era em 1976; a sociedade que encurta o seu horizonte desceu o seu ideal, trouxe-a para a terra a terra, perdeu a fé em si mesma. Continuemos socialistas!" É uma citação do Sr. Deputado Raul Rego.

Devo dizer, Sr. Presidente e Srs. Deputados, que, pela nossa parte, não deixaremos de sustentar que a opção não é correcta, que a tentativa ou de dulcificação sem desnaturação do conteúdo ou de desnaturação do conteúdo com dulcificação não é objectivo no qual nos possamos reconhecer. Gostaria também de sublinhar, de novo, que aquilo que o PSD quer não é apenas aquilo que inculca esta norma. O PSD quer tudo, e aquilo que pretende é o que decorre de todo o seu projecto de revisão constitucional e de tudo aquilo que desse projecto conseguiu transpor para o acordo celebrado em 14 de Outubro com o PS. Não somos capazes de deixar de ler a proposta do PSD senão tendo em conta estes elementos. De facto, se fosse lida com outros olhos, a proposta poderia ser até considerada largamente subscritível.

O Sr. Pedro Roseta (PSD): - Milagre! Subscreva-a!

O Sr. José Magalhães (PCP): - Na verdade, quem é que pode pensar que Portugal não há-de ser uma república fundada na solidariedade?! O grande problema é saber em que é que consiste o conceito de solidariedade, porque, se este consiste na zurrapa ideológica que o Sr. Deputado Pedro Roseta verteu há pouco para a acta, será então um conceito muito sui generis! Mau será se consiste em afirmar que a "complexificação social" vai de par com o "desligamento entre a propriedade e o poder" (suponho que é, mais uma vez, a alusão à revolução dos managers, às ideias velhas e revelhas dos anos 40 e 50 do poder "managerial"). Mau será se a ideia que se pretende transpor para a Constituição é a de que os detentores do poder já não são