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1616 II SÉRIE - NÚMERO 51-RC

pública sem que se dê lugar à declaração do estado de emergência, que é o que está constitucionalmente previsto para esse efeito. Esse é o segmento útil da nossa proposta,...

O Sr. Presidente: - Nesse ponto estamos de acordo!

O Sr. António Vitorino (PS): -... o que penso que dispensa a pergunta que o Sr. Deputado José Magalhães ia colocar, pelo menos quanto à parte maldosa da mesma.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Sr. Presidente, a pergunta que desejava colocar não diz respeito ao equívoco estabelecido e agora desfeito, mas, sim, à componente nova da proposta do PS. Ela traz alguns problemas, se fizermos uma leitura integrada do conteúdo que a caracteriza e das propostas respeitantes ao artigo 19.° da Constituição.

Percebi a intenção enunciada pelo Sr. Deputado António Vitorino. Entretanto, não sei se o PS terá levado em conta algumas das implicações do que propõe. Notem que estou a partir de um determinado modelo de norma de execução do quadro constitucional em matéria de estado de sítio e de estado de emergência. Estou a ter em conta a distinção, operada na lei ordinária, entre o estado de sítio e o estado de emergência, não só pela tipificação das situações que são cobertas num e noutro caso, mas também pelas implicações quanto ao estatuto das Forças Armadas nesses estados de excepção, sobretudo no seu relacionamento com os órgãos de soberania e a Administração Pública, nas suas diversas vertentes. É essa a questão fulcral e, neste caso, é o segundo aspecto que é relevante e não tanto o primeiro.

De facto, a lei distingue os dois estados com recurso a um critério simbiótico misto. Cremos que neste caso a Constituição deveria ser precisada, densificada e clarificada. Não há, porém, uma opção final nesta matéria. O saldo do debate do artigo 19.° ficou por fazer e os apuramentos, em termos de redacção aperfeiçoada, ficaram também por fazer, ficou mesmo a dúvida sobre se seriam feitos, uma vez que o PSD não teve uma posição inteiramente clara quanto à sua disponibilidade para avançar nesse ponto.

Qualquer que seja, porém, o grau de avanço nesse domínio, uma coisa será certa: a redacção proposta pelo PS teria uma implicação clarificadora, com um nível estabilizador supremo, decorrente do facto de essa norma ser inserida na Constituição. Que implicação clarificadora seria essa?

Hoje, é possível que as forças armadas sejam chamadas à colaboração obrigatória - por força da lei, claro - mas actuando ao abrigo de uma autorização constitucional, em casos de calamidade pública. São mesmo os casos de calamidade pública que legitimam, nos termos da lei vigente, a declaração do estado de emergência. Essa declaração não provoca uma alteração da cadeia normal de relacionamento entre as forças armadas, os órgãos de poder político e a administração pública em geral. Mas o que caracteriza o estado de emergência é o facto de - além de ser justificado

por circunstâncias de menor gravidade e por ter implicações menos relevantes neste ponto orgânico, organizativo - só poder ser declarado e mantido por conjugação de esforços de uma pluralidade de órgãos de soberania.

A proposta do PS vem legitimar a utilização das Forças Armadas para este efeito de calamidade pública, sem intervenção de qualquer outro órgão que não seja o Governo. Legitima-se que, sem intervenção do Presidente da República e da Assembleia da República, as Forças Armadas sejam chamadas a dar resposta, através da iniciativa do órgão de soberania directamente competente (ou seja, o executivo), a situações que o Governo qualifique "de calamidade pública". A única restrição será que essas situações de calamidade não sejam tão calamitosas que devam justificar ou legitimar, pela sua gravidade, o recurso à figura do estado de emergência. É isto que, creio, em saudável hermenêutica, se extrai da proposta do PS.

Só que, verdadeiramente, o PS recorre a um elemento definitório que pode ser um tanto perturbador, contido neste segmento final da norma: "situações de calamidade pública que não determinem a suspensão do exercício de direitos." A declaração do estado de emergência pode até, no limite, não implicar, se for de "pequena emergência", a suspensão do exercício de qualquer direito - até porque, neste domínio, o legislador e os órgãos de soberania devem reger-se por um princípio de economia, de proporcionalidade: as compressões devem limitar-se ao estritamente necessário, não se deve ir além daquilo que seja o indispensável para obter um determinado efeito, tem de primar a aspiração suprema do regresso à normalidade.

Portanto, o critério definitório, utilizado pelo PS, pode nem sequer se verificar no estado de emergência: podem ser necessários estados de emergência, sem que se torne necessária suspensão de direitos, para enfrentar calamidades. O vosso critério, Srs. Deputados do PS, é falível, se bem o percebo. Mas, pior ainda, pode ser um tanto governamentalizador e originador de uma espécie de cláusula de autorização ao Governo para usar as Forças Armadas, sob invocação de calamidade pública, em casos em que ele bem podia não se justificar, risco tanto maior quanto o estado de emergência, como bem se sabe, pode ser circunscrito a uma determinada parcela do território nacional. Esta proposta pode, pois, ser uma cláusula que imunize o Governo da actual necessidade de fazer intervir outros órgãos de soberania, para conseguir o efeito de recurso às Forças Armadas, designadamente para debelar calamidades regionais (em relação às quais pode gerar-se a ideia de que não são essenciais, antes "banais"). E isso já não me parece tão brilhante, embora a intenção possa ser a mais excelsa. Porque as calamidades, Srs. Deputados, como diria certo lente, são coisa complicada e sempre calamitosa...

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado António Vitorino.

O Sr. António Vitorino (PS): - Creio que percebi a questão que o Sr. Deputado José Magalhães tentou colocar, mas vamos lá a ver: faz ou não faz sentido que o especial regime jurídico que a Constituição e a lei constróem, em matéria de estado de emergência,