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1910 II SÉRIE - NÚMERO 61-RC

dos adequados meios de comunicação e dos estímulos à iniciativa privada, o renascimento de certas zonas adormecidas, que têm grandes potencialidades, e evitando, portanto, a continuação da concentração da população e da riqueza em Lisboa e no Porto. Caso contrário, estaremos perante uma dupla "atenização", ou seja, em dois grandes núcleos urbanos, sendo tudo o resto um deserto, quanto muito com umas praias que seriam ocupadas em certas épocas do ano. Aqui, sim, o Estado tem um papel muito importante a desenvolver e como, em geral, vejo que alguns dos meus colegas nesta Comissão gostam de alargar as tarefas do Estado, certamente que aceitarão a consagração constitucional desta.

Finalmente, o PSD propõe algumas alterações à alínea c), propondo substituir a expressão "assegurar a participação organizada do povo" pela expressão "incentivar a participação dos cidadãos". Esta parece-nos uma fórmula mais correcta e mais realista. Deixa de utilizar-se o termo "assegurar", que é uma fórmula demasiado paternalista, apelando-se mais à criatividade dos cidadãos. Parece-nos uma expressão mais positiva e mais exequível e, a não ser que o deputado José Magalhães queira ver aqui alguma coisa de terrivelmente méchant, não me parece que haja uma dupla intenção. A intenção é a de tornar a expressão mais incentivadora e mais participativa, dentro da ideia da democracia participativa, de que, aliás, vamos falar também a seguir a propósito do artigo 10.° Era fundamentalmente isto que queria dizer, mas voltarei com alguns dos meus companheiros à discussão num momento posterior.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado António Vitorino.

O Sr. António Vitorino (PS): - Sr. Presidente, desejo somente pronunciar-me sobre a proposta do PSD e acerca de alguns comentários produzidos pelo Sr. Deputado Pedro Roseta.

De facto, o artigo 9.° é indubitavelmente um preceito onde não será possível encontrar uma fórmula de explanação dos conceitos que nele se devem conter, que seja, na sua totalidade, harmónica ou equilibrada, na medida em que, quando se trata de elencar os fins do Estado, todos temos de reconhecer que provavelmente incorreremos em métodos expositivos que não serão de todo em todo totalmente conseguidos. No fundo, o que são as tarefas fundamentais do Estado senão uma fórmula funcional de exprimir uma dada interpretação dos fins do Estado?

Entretanto, o Sr. Deputado Pedro Roseta identifica no texto actual da Constituição e, por extensão, embora com uma diferença de graduação, no texto do projecto do PS um desequilíbrio relativo na alínea d) do artigo 9.°, na medida em que se introduziria em ambos os casos um critério instrumental in fine, quando o elenco do preceito nas demais alíneas é todo ele construído na óptica de um critério finalístico, ou seja, dos fins a que se destina a actividade do Estado e não dos meios. Em meu entender, não é também totalmente assim.

De facto, a alínea a) do artigo 9.° é também ela já hoje uma alínea que combina uma lógica finalista, traduzida na expressão "a garantia da independência nacional", com uma outra meramente instrumental, consubstanciada na formulação "criação das condições políticas, económicas, sociais e culturais que a promovam". Esta promoção refere-se à finalidade atrás referida.

O Sr. Pedro Roseta (PSD): - Desculpe interrompê-lo, Sr. Deputado, mas na versão actual do texto constitucional, que ataquei muito mais do que a proposta de alteração apresentada pelo PS, vai-se ao ponto de, com o inciso "a socialização dos principais meios de produção", se chegar a medidas de política programática. Portanto, vai-se actualmente muito mais longe do que no que respeita à alínea á) do artigo 9.° É, pois, uma diferença de grau muito sensível.

O Sr. António Vitorino (PS): - Sim, Sr. Deputado. Por isso mesmo propusemos a alteração da alínea d). Acontece somente que a única coisa que por ora adiantaria a este respeito é que é difícil, quando a Constituição contém um determinado conceito, poder-se prescindir absolutamente de qualquer referência, embora equivalente ou meramente aproximativa àquilo que já hoje nela se contém. É essa a nossa dificuldade, que não a do PSD, pois o PSD corre pele texto da Constituição à desfilada com uma espada mais livre do que aquela que, apesar de tudo, está colocada nas mãos dos deputados do PS, embora esta já de si seja para outros um verdadeiro camartelo.

Portanto, não sei se seria banal dizer in médio virtus est, ou seja, que aqui nos quedamos até este ponto, e mais além não vamos.

Quanto às propostas apresentadas pelo PSD, devo dizer que acolhemos com simpatia o aditamento na alínea é) da referência ao ordenamento do território, que nos parece perfeitamente justificável. Preferimos a redacção da alínea d) do nosso projecto à do PSD. No respeitante à alínea c), verifica-se que o PSD teve a preocupação de afastar do texto constitucional as referências ao povo, substituindo-as por referências aos cidadãos. Mas é uma tarefa que não nos parece particularmente salutar; bem pelo contrário, até há vantagens, em certas circunstâncias, em que a Constituição se refira com uma certa polissemia a estas duas realidades, povo e cidadãos, para que também não sejamos obrigados, às vezes, a fazer interpretações em que o excesso de rigor poderia sacrificar algumas realidades abrangidas pelo texto constitucional. Ou então, como diria o Sr. Deputado Almeida Santos, pelo menos uma consequência da proposta do PS quanto à alínea c) seria a de impedir as crianças de participar na defesa da democracia política, uma vez que essas não são cidadãos!... Enfim, é uma blague!...

Pensamos, apesar de tudo, que no artigo 9.°, cuja epígrafe é "Tarefas fundamentais do Estado", se deve manter o povo como um dos elementos constitutivos do Estado, por tributo à velha trilogia "povo, território e poder político".

Relativamente à questão entre igualdade real e real igualdade de oportunidades, que daria decerto ocasião a um debate interessantíssimo sobre o sentido político e até filosófico subjacente a esta proposta de alteração, que poderia começar em Tomás Moro mas acabaria provavelmente em John Rawls, pela nossa parte entendemos que não surgiram até ao momento dificuldades de interpretação da alínea d) do artigo 9.° da Constituição pela referência a este conceito de igualdade real quê justifiquem ou até imponham a sua substituição.