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12 DE DEZEMBRO DE 1988 1925

muito ocorreu - mas a transposição de tais coisas para a Constituição não pode deixar de merecer a nossa atitude de rejeição.

Finalmente, em relação ao conteúdo da proposta apresentada pelo PS, gostaria de fazer uma observação. Como é evidente, entendemos que alguns dos objectivos constantes da proposta do PS são de eminente importância. É evidente que a colocação da consecução de uma igualdade real entre os Portugueses (figurem estes com maiúscula ou com minúscula), como objectivo e tarefa fundamental do Estado é, sem dúvida, um dos combates que valem a pena, e é um combate central na sociedade portuguesa, no qual nos reconhecemos plenamente e pelo qual nos batemos integralmente. Entendemos, aliás, que aquilo que pode acontecer em sociedades como a nossa é uma profunda erosão da democracia, por força de um crescimento avassalador de toda a espécie de desigualdades. De facto vivemos numa Europa incensada como próspera que tem hoje cerca de 44 milhões de cidadãos qualificados como pobres, cada um dos quais tem menos de metade do rendimento individual médio do seu próprio país (e em 1976 esse número era, ao que parece de 30 milhões, o que significa ter havido um crescimento e um agravamento de pobreza na Comunidade Europeia). O quadro em que estamos é dominado pela existência, grave, de gente vivendo abaixo de limiares de subsistência, em particular, gente idosa, em particular, gente isolada, incluindo mães de família celibatárias, sustentando as suas famílias sem apoio adequado do Estado; uma Europa onde há cerca de 16 milhões de desempregados, dos quais muitos aguardam trabalho há mais de dois anos (desempregados de longa duração); um quadro em que Portugal está assim inserido, com os seus próprios e tristes indicadores, justifica plenamente que se exija a igualdade real em grande objectivo.

Vozes.

Estou inteiramente de acordo, só que não estamos a fazer uma Constituição nova, mas, sim a rever a Constituição da República, que, tal qual está redigida, consagra hoje, de forma que plenamente excede o nível de consecução que o PS agora vos propõe, todos esses objectivos. É esse o significado fundo da própria ideia que hoje é contida no preceito, tal qual está redigido. O PS empobrece o preceito e aquilo que deixa dele não pode ser obviamente diminuído. Nesse sentido, recusamos as leituras minimalistas do PSD, recusamos as leituras mais liquidacionistas, recusamos as leituras que vão além da própria medida e da própria vis do PS. Não queremos contribuir para essas interpretações redutoras, Sr. Presidente e Srs. Deputados, nem para atenuar as responsabilidades daqueles que aceitem reduzir o conteúdo da própria Constituição e reformular, empobrecendo, um dos seus vectores e uma das suas directrizes fundamentais.

Gostaria também de sublinhar, de novo, que nos dissociamos profundamente de um estão de argumentação que procuro diluir numa luta escatológica entre quaisquer animais aquilo que é uma discussão gravíssima na família democrática portuguesa e no quadro das forças democráticas portuguesas.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado António Vitorino.

O Sr. António Vitorino (PS): - Sr. Presidente, serei muito sucinto, visto que o que ontem disse está dito e registado. E aquilo que ontem extensamente disse não corresponde, nem de perto, nem de longe, a este resumo, feito com algum complexo de culpa, que o Sr. Deputado José Magalhães nos trouxe hoje aqui. Trouxe-nos um resumo pobrezito, de quem apenas quis trazer à colação a visão daqueles aspectos que lhe convinha trazer e não do conjunto da intervenção que proferi. Compreendo essa posição da parte do Sr. Deputado José Magalhães: é tão velha quanto é velha a arte de argumentação, é velha a táctica de reduzir a argumentação do adversário ao caricato, comparando-a quase a uma fábula de La Fontaine, e por isso o Sr. Deputado Magalhães acabou por dizer que o discurso do PS sobre o artigo 9.° se limitava à relação ambígua entre o galo e o cão dos desenhos animados. É velha a táctica de menosprezar os argumentos do adversário nesses termos caricatos, apenas para não ter que responder, talvez, aos argumentos de maior valia que adiantei, como, por exemplo, os que se referem à relação ambígua que o PCP cultiva entre os efeitos do texto constitucional tal como hoje existe, em alguns aspectos em progressiva semantização, à luz do interesse nacional, e o interesse relativo dessas expressões proclamatórias, cada vez mais destituídas de sentido prático, que relevam apenas para a sobrevivência do discurso ideológico do PCP - este argumento, por exemplo, o Sr. Deputado José Magalhães não o reteve decerto por distracção, só reteve a parte caricata da imagem do galo e do cão. A própria tarefa de desdramatização da operação de descarga ideológica da Constituição foi aqui trazida pelo Sr. Deputado José Magalhães, ao citar declarações dos deputados socialistas na segunda revisão constitucional e ao sublinhar exactamente aquilo que nós hoje vimos a coonestar: que a polissemia dos termos constantes da Constituição nesta alínea d) do artigo 9.° permite retirar, sem empobrecimento da pluralidade de interpretações político-fílosóficas, uma norma de natureza proclamatória, que constitui factor de divisão entre portugueses, substituindo-a por uma expressão que continua a consentir interpretações que, em nosso entender, correspondem ao que há de essencial num preceito como o artigo 9.° sobre as tarefas fundamentais do Estado. Esse argumento, essa desdramatização da própria proposta do PS, foi trazido à colação pelo Sr. Deputado José Magalhães, porque lhe convinha, porque lhe interessava, porque a cinco anos de vista lhe parecia importante que, também nesta revisão, ficasse registado esse ponto, tal como já tinha ficado registado em 1982 o discurso do Sr. Deputado Jaime Gama sobre a não apropriação unilateral do conceito de socialização ou de sociabilidade. Portanto, não se nos afigura que o facto de o conceito, que em si mesmo já é aberto, ser substituído por um conceito igualmente aberto possa considerar-se um "tiro no navio almirante", uma descarga eléctrica no coração ideológico da Constituição...

Não nos parece, pois, legítimo que o Sr. Deputado José Magalhães faça esse extenso rol de acusações ao PS, contrapondo aquilo que, no seu entendimento, é a estratégia coerente do PCP, de defesa do património do 25 de Abril, e ao que seria a estratégia (pois claro, incoerente) de desbaratar do património do 25 de Abril, perpetrada pelo PS.