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10 DE FEVEREIRO DE 1989 2211

nar, associar à canga de uma visão "fossilizada", "retrógada", "completamente cega", todos os que digam não ao acordo, é um mau argumento! Suponho que ião impressionará ninguém e sobretudo não nos inibirá minimamente de reflectir acerca das consequências nefastas tanto do acordo como do texto, cuja aprovarão está indiciada, e até deste debate.

O Sr. António Vitorino (PS): - Também não era essa a intenção.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Quanto às consequências gostaria, neste momento, de considerar unicamente três aspectos.

Primeiro o modelo e a realidade, coisa que poderia ser o título, parafraseando um bocadinho Huxley, "Sem olhos no Lumiar". Realmente, realmente fazendo o balanço da aplicação do modelo dos áudio-visuais em Portugal, é evidente que ela se deparou com fortes resistências. Desde logo daqueles que queriam apoderar-se desse precioso instrumento através daquelas famosas cadeias que iam directamente dos gabinetes dos ministros até lá dentro aos gabinetes dos chefes da RTP, depois aos subchefes, depois aos subsubchefes e depois aos serventuários dos diferentes graus até chegarem manipuladas aos olhos do espectador sob forma de mensagem áudio-visual. Isso não tem nada a ver com o modelo constitucional, nunca teve nada a ver com o modelo constitucional!

Por outro lado, em relação aos meios de garantia e de defesa desse modelo, tudo, a começar pelo próprio Conselho de Comunicação Social, sofreu limitações. Não por acaso o presidente do Conselho de Comunicação Social pôde sublinhar que, se o Conselho procurou fazer o máximo que lhe foi possível, do ponto de vista do Conselho a própria lei ordinária "é coxa", ou como disse o Dr. Artur Portela: "Há um ilogismo, evado ao absurdo, entre o que a Constituição manda fazer a este órgão e aquilo que a lei lhe permite efectivamente fazer. A Constituição vai até um certo ponto e a lei fica cinco ou seis passos atrás. A Assembleia da República não teve coragem, visão, vontade política, capacidade, possibilidade, maioria para fazer uma lei que correspondesse àquelas atribuições." Houve, de facto, um fosso entre os objectivos e os meios e houve também, como é óbvio, uma acção concertada tendente a esvaziar o modelo e impedir o cumprimento das regras sobre o pluralismo, isenção, imparcialidade e objectividade do produto televisivo (coisa que também ocorreu, aliás, na rádio). Houve e há, evidentemente, concepções distintas em relação aos modelos a adoptar no domínio dos áudio-visuais. Verdade se diga que há também responsabilidades na situação que se gerou (contrária aos princípios e concepções por alguns proclamadas), incluindo responsabilidades do PS. Em relação às questões de princípio, nós respondemos, durante a primeira leitura, às acusações formuladas pelo PS. A nossa preocupação tem a ver, precisamente, com a modernidade, tem a ver com a situação que possa decorrer de uma solução de privatização descontrolada como aquela para que aponta o texto, que agora está em debate. Se o PS assume que será o PSD a conduzir essa privatização, discordando o PS das soluções que no concreto vão ser adoptadas, defenderá apenas piamente o seu modelo abstracto, mas corroborando e viabilizando, à partida, a implementação do PSD. Todos nós temos que tirar daí as ilações políticas correspondentes! O PS será co-responsável por esse resultado. O modelo que viabiliza será, pois, afinal, verdadeiramente o seu, numa determinada quota-parte, ao menos na razão da responsabilidade da sua génese originária.

Creio que isto é da mais extrema gravidade, sobretudo porque essa privatização -não somos cegos ao futuro, não somos cegos à realidade - se faz no contexto em que Portugal está integrado nas Comunidades Europeias e em que há, em movimento, vários processos de internacionalização, de associação entre o capital nacional e o capital estrangeiro, vários processos de penetração do capital estrangeiro na economia nacional. Nesse quadro, o sector dos áudio-visuais é também disputado, apetecível e está sujeito à gula de grupos económicos nacionais e estrangeiros, que buscam uma profunda alteração e reestruturação das unidades empresariais existentes. Esse processo turbulento vai ter consequências, do ponto de vista da liberdade de informação, do ponto de vista da possibilidade de acesso dos cidadãos à informação. Obviamente, os grupos económicos não terão a caridade de fazer informação ou injectar no mercado outros produtos audiovisuais que não tenham o escopo de servir as suas finalidades.

Não podemos ser alheios a essa consequência ou a essa característica desta privatização que noutros países tem originado não maior qualidade mas falta de qualidade; não elevação dos níveis, mas debilitação dos mesmos; não reforço da vertente cultural, mas a veiculação de modelos estereotipados assentes no consumismo, na veiculação de todas as formas de bastardia cultural, de massificação de produtos de enésima qualidade. É o modelo berlusconiano da televisão do music-hall, da lantejoula sexual e dos detritos culturais.

Pergunta-me o Sr. Deputado Guilherme da Silva: "mas querem dizer que no futuro terá que ser sempre assim? Querem dizer que o governo do PSD é eterno?" Não, não queremos dizer isso, mas sim que aqueles que aceitem fazer esta viabilização não alargam, não facilitam, não ampliam as condições de resistência a essa eternização no poder sonhada pelo PSD, mas provavelmente facilitam-na! Obviamente isso não nos leva a sentarmo-nos calmamente, cachimbando desânimos. Isso leva-nos apenas a criticar quem tal faça e a encontrar novos meios de intervenção e acção, porque a nossa Estrela Polar é a mesma: garantir o pluralismo, a liberdade de informação, a democracia na comunicação social.

Em relação ao futuro gostaria de dizer ainda que é chocante, para nós, que se diga que "a selecção não é entre o público e o privado, mas sim entre a qualidade e a falta dela". Há aqui uma mistificação grave. É que a falta de qualidade de certos produtos oferecidos por certos órgãos de comunicação social do sector público não é desligável da forma como são geridos; não é desligável do famoso espírito PSD em relação à gestão dos meios de comunicação social; não é desligável da manipulação desenfreada; não é desligável da acção governativa ingerente; não é desligável dos homens de mão colocados; não é desligável de uma política que não só não decorre da Constituição como está completamente ao arrepio da Constituição. A falta de qualidade é, onde existe, o produto disto e não de um mal profundo e congénito que brote do público