O Sr. Barbosa de Melo (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Todos os textos deste tipo comportam, eventualmente, melhorias para cobrir aspectos que não estão directamente explicitados na fórmula acolhida. Em todo o caso, julgo que esta fórmula apresentada não corresponde bem à lógica matricial deste artigo 8.º. Há aqui uma questão de fundo importante, que é a atitude da ordem jurídica interna portuguesa relativamente àquele direito internacional que faz parte, digamos assim, do fundus da cultura jurídica universal. É um direito que vincula, numa certa óptica, que levou tempo a progredir no terreno, os estados, quer estes queiram quer não. Faz parte da civilização jurídica da humanidade deste tempo que há uns tantos princípios - cogentes ou dispositivos, mas não é essa a questão de que se trata aqui - que estão identificados com a civilização jurídica.
É isto o que vem dizer o n.º 1, quando refere que "as normas e os princípios de direito internacional geral (...)" - e depois discutiu-se muito na Constituinte e optou-se por colocar também este adjectivo 'comum' para deixar isto em aberto - "(...) e comum fazem parte integrante do direito português". Portugal vai a par e passo com a civilização universal, quer o Estado participe na formação dessas normas, quer não. É esta a ideia que está aqui acolhida no n.º 1 do artigo 8.º.
Penso que a vossa fórmula é uma regressão relativamente a esta posição que conseguimos estabilizar em 1976.
Claro que, se se arranjar uma fórmula... O costume local, como sabem, tem geralmente natureza pactícia, não é considerado uma fonte objectiva de direito internacional, e o costume regional tem um relevo mínimo, porque, normalmente, os Estados fazem convenções regionais.
Recordo aqui a base histórica, para pensarmos nisto. Com certeza que ninguém se lembrará directamente dos julgamentos de Nuremberga - eu serei talvez o único que se pode lembrar disso -, mas todos têm notícia deles. O que aí veio ao de cima foi que o direito interno do Estado, cujos representantes foram julgados, cobria, obviamente os seus actos, mas foi-lhes contra-argumentado que o Estado, quer quisesse quer não, estava sujeito a princípios determinantes, que fazem parte desse fundus cultural comum da humanidade e que, por isso mesmo, são vinculantes.
Este n.º 1 do artigo 8.º destina-se a dar acolhimento na ordem interna portuguesa e a dizer que esses princípios prevalecem sobre quaisquer determinações ocasionais do poder. Foi com esse objectivo que se redigiu assim o n.º 1 do artigo 8.º.
A fórmula apresentada pelo Partido Socialista, além de conter uma certa petição de princípio "(...) vinculativos do Estado Português, e, enquanto o forem, vigoram na ordem interna (...)" - de outro modo não faria sentido -, não é feliz. A fórmula vigente, se calhar, também precisa de obras, mas, em todo o caso, não serão estas, decerto, as que é preciso fazer.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Luís Sá.
O Sr. Luís Sá (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Naturalmente que estamos abertos ao exame das questões técnicas colocadas por esta disposição.
Devo, no entanto, dizer que o artigo 8.º tinha uma determinada lógica: no n.º 1 era recebido o direito internacional geral e comum, com o sentido que acaba de ser referido pelo Sr. Deputado Barbosa de Melo, incluindo, naturalmente, o costume; no n.º 2 era recebido o direito convencional; e no n.º 3 era recebido o direito comunitário.
Creio que o problema que aqui se coloca é um pouco o de que, quando se afirma que "as normas e os princípios de direito internacional vinculativos do Estado português", passa-se ao lado de uma questão que é exactamente a de responder em que medida é que são vinculativas do Estado português. Isto é, mal ou bem, actualmente, afirma-se que as normas e princípios de direito internacional geral e comum vinculam o Estado português e, agora, vem dizer-se que as normas e os princípios que vincularem o Estado português vigoram na ordem interna, sendo aplicadas de harmonia com o seu conteúdo, desde que vinculem o Estado português.
Há, portanto, aqui uma regressão efectiva, independentemente das intenções de melhoria técnica que são sempre louváveis e que, naturalmente, nos sensibilizam.
Se o costume local e regional fosse tão relevante que implicasse alterações nesta matéria, creio que, então, era preferível encontrar a forma adequada de receber este tipo de costume local e regional e não propriamente alterar uma norma que, creio, teve um sentido histórico bastante relevante, mais ainda quando estamos face à Constituição de um regime que se sucede a outro, que era o regime do "orgulhosamente sós", um regime que negava exactamente este tipo de vinculação internacional do Estado português, designadamente em matéria de direitos, liberdades e garantias, que devem vincular todos os estados democráticos.
Portanto, a nossa posição é esta: toda a abertura em relação à consideração dos problemas técnicos que estão colocados por estas disposições, toda a abertura em relação a melhorias técnicas que aqui se colocam e alguma reserva, inclusive de apreensão, em relação às virtudes que poderiam resultar desta alteração proposta.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Luís Marques Guedes.
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Penso que o essencial já foi dito de uma forma muito clara, quer pelo Sr. Professor Barbosa de Melo, quer pelo Sr. Deputado Luís Sá, e eu acrescentava apenas uma questão, um pouco também à laia de pedido de esclarecimento ao Partido Socialista, que é a seguinte: de facto, aquilo que resulta, na prática, do texto que nos é apresentado - pode não ter sido essa a intenção dos proponentes, e quero crer que não foi - vai no sentido de reduzir o conjunto de normas que, como disse o Sr. Professor Barbosa de Melo, fazem parte de todo um património civilizacional que Portugal acolheu claramente desde 1974, embora, historicamente, sempre tenha participado activamente, como todos sabemos, até na própria formatação do direito internacional desde os séc. XIV e XV.
Portanto, não conseguimos de deixar de ler no texto que nos é apresentado uma redução da abertura da ordem jurídica interna portuguesa a todo esse património jurídico.
Ora, se não é essa a intenção - e quero crer, como referi no início, que não -, que o Partido Socialista o diga claramente e, depois, então, tentemos, em conjunto, não retirando nada da aceitação do património jurídico que resulta da actual redacção, colmatar as tais eventuais lacunas, se chegarmos à conclusão de que elas, de facto, existem e merecem acolhimento. Porque, para nós, Partido Social Democrata, não faz qualquer sentido reduzir aquilo que resulta do actual texto nem queremos que isso aconteça.
Mas se a intenção é exactamente a oposta, pois, então, que isso fique claro, desde já, nesta primeira leitura e tentaremos, depois, encontrar uma redacção que possa atingir esse objectivo.