Quando se fala em recurso, mantém-se o sistema do conhecimento a título incidental e, das duas uma, ou se cria uma nova instância de recurso para além daquela que já existe ou se amplia o âmbito do recurso já existente. Julgo que esta última é a solução preferível, razão pela qual, sistematicamente, a minha proposta está inserida no artigo 280.º, e julgo que não vale a pena, a este nível, falar de outra coisa que não sejam aqueles actos de natureza processual que hoje não são passíveis de recurso para o Tribunal Constitucional mas que são, por si só, susceptíveis de violar direitos, liberdades e garantias, com particular incidência naqueles de natureza processual.
O Sr. Presidente: -Srs. Deputados, para a discussão, estão inscritos, além de mim, os Srs. Deputados Vital Moreira, Jorge Ferreira e Luís Sá. Por ordem de inscrição, começo eu por usar da palavra.
A minha relação com o recurso de amparo é, em geral, conflituosa. Desde 1982 que me tenho manifestado contra o recurso de amparo e já tive oportunidade de o dizer claramente nos últimos meses - recordo, desde logo, a sessão pública de comemoração do 10º aniversário o Tribunal Constitucional.
O meu entendimento é que, entre nós, no estado actual do nosso desenvolvimento jurídico, o recurso de amparo bom é aquele que não existe e que tudo aquilo que exista nesta matéria é, em princípio, contraproducente e mau. Vou explicar porquê.
O recurso de amparo tal como está previsto, sobretudo na versão amplíssima do PSD, significaria que praticamente todos os processos que tivessem a ver directamente com direitos, liberdades e garantias acabariam no Tribunal Constitucional. Ou seja, não haveria uma decisão penal, disciplinar, sancionatória, expropriatória, de despejo, de despedimento e de tudo o mais que tivesse a ver com direitos constitucionalmente protegidos que não pudesse acabar no Tribunal Constitucional, mediante a evocação de que o juiz, ao aplicar uma pena, uma sanção, ao decidir a expropriação ou a medida indemnizatória, ao decretar o despedimento ou o despejo, independentemente da constitucionalidade ou não da norma aplicada, violou autonomamente a Constituição, abrindo assim o direito a recorrer ao Tribunal Constitucional.
No primeiro ano haveria 500 processos; no segundo ano haveria 1000; no terceiro ano haveria 5000; no quarto ano haveria 10 000 processos no Tribunal Constitucional!
Mesmo que se estabeleçam mecanismos de filtragem através da rejeição liminar, a experiência que temos (mesmo lá fora, em ambientes culturais de self-restrain judicial e da prática da advocacia) é que isso não funciona, mesmo na Alemanha ou em Espanha. Na verdade, rapidamente teríamos o Tribunal Constitucional inundado com processos e, para além disso, todas as causas a demorarem mais um ano, dois ou três para óbvia satisfação dos advogados e para desespero dos interessados, da comunidade jurídica e da justiça em geral.
O recurso de amparo ou o recurso constitucional de defesa, tal como está, o que é que significa? Significa que, para além do que já temos, que é o recurso de constitucionalidade da chamada fiscalização concreta, em que qualquer parte, numa causa, pode impugnar a constitucionalidade da normas aplicáveis ou o próprio juiz pode fazê-lo oficiosamente, daí abrindo o recurso para o Tribunal Constitucional para a decisão do caso concreto sobre a constitucionalidade da norma, passaríamos a ter um recurso quanto à própria decisão judicial, naquilo que cabe na discricionariedade da decisão judicial, como seja a medida da indemnização, a forma de decretar o divórcio, a aplicação de uma medida de coacção em matéria penal, prisão preventiva, ou prisão domiciliária, ou outra medida cautelar. Tudo aquilo que hoje faz parte da discrição judicial, passaria a ser objecto de cassação em matéria constitucional por atentado autónomo a um direito, liberdade e garantia.
Eu poderia impugnar toda e qualquer pena, arguindo que é uma pena excessiva. Por exemplo, poderia dizer que o juiz, ao aplicar-me 10 anos de prisão em vez de 4 anos, violou o meu direito à liberdade; que ao aplicar-me uma medida cautelar de prisão preventiva em vez de fixação domiciliária violou o meu direito à liberdade; que decretando o despejo em certos termos violou o direito à habitação, e assim por diante. Esse seria o resultado.
Por que é que me parece que o recurso de amparo não deve ser consagrado? Por três razões fundamentais.
Em primeiro lugar, por uma questão dogmática. Nenhum país com recurso de amparo tem recurso de constitucionalidade concreta como nós temos; isto é, estaríamos a importar uma figura que é, em grande parte, um sucedâneo do nosso recurso constitucional concreto.
Por outro lado, essa figura nasceu no México, nos países Ibero-americanos ou na Alemanha do pós-guerra para responder à deficiência da justiça administrativa e ordinária normal ou à desconfiança em relação à justiça administrativa normal e, portanto, para dar um suplemento de protecção de direitos fundamentais.
Em nenhum desses países existe fiscalização concreta da constitucionalidade, sistema americano que nós adoptámos desde 1911 e que continuamos a ter, isto é, a possibilidade de impugnar junto dos tribunais a aplicabilidade, por inconstitucionalidade, das normas que são aplicadas ao caso.
Portanto, teríamos uma duplicação de figuras cuja articulação dogmática é tudo menos pacífica. Já imagino as "guerras" concretas em cada processo para apurar a utilização cumulativa das duas medidas: um recurso concreto de constitucionalidade e um recurso de amparo para os dois casos, escolhendo as duas ou uma qualquer, de acordo com os interesses da estratégia do advogado na causa.
Portanto, a articulação dogmática desta figura com aquela que já temos parece-nos, sobretudo, questionável e conduz-nos a uma situação perfeitamente exótica em Direito Comparado. Somar a um recurso de constitucionalidade o recurso de amparo é algo que, sinceramente, não vejo como é que se articula em termos dogmáticos e teóricos.
A segunda razão é que tal iria, pura e simplesmente, liquidar o Tribunal Constitucional ou transformá-lo numa organização "elefantíaca", como são hoje o Supremo Tribunal de Justiça e o Supremo Tribunal Administrativo.
O Tribunal Constitucional, tal como está hoje, já não pode dar conta do recado: com as tarefas de tem, não pode, não dá e não está em condições de o fazer! Se lhe fôssemos somar o recurso de amparo, esse Tribunal Constitucional colapsaria ao fim de dois anos, ou ao fim de meio ano, se quiser ser pessimista.
Para responder de algum modo, a tentação seria constituir secções e mais secções, multiplicar juízos, fazendo do Tribunal Constitucional aquilo que fizemos do Supremo Tribunal Administrativo e do Supremo Tribunal de Justiça, isto é, um "elefante" de tal modo enorme que, às tantas, não seria capaz de gerir a sua própria organização, com