Introduzimos também referências a outros aspectos que, do nosso ponto de vista, devem ser considerados, no texto constitucional, como impeditivos de discriminação, como seja o género, a orientação sexual e a deficiência. Poderão levantar-se dúvidas quanto ao género, mas a nossa ideia, no fundo, é esta: o género não corresponde necessariamente ao sexo. Isto é, podíamos dizer que o género de cada um de nós é a forma como cada um de nós assume, se quisermos do ponto de vista externo, a sua relação com o próprio sexo. Assim sendo, por hipótese, uma mulher pode vestir-se de homem, como um homem se pode vestir de mulher. Ou seja, é importante, num quadro em que as escolhas e as afirmações da liberdade pessoal e as afirmações da diferença vão induzindo e introduzindo elementos distintivos mesmo a este nível, que o jovem que tem cabelos compridos, apanhados num rabo-de-cavalo, com brincos e com um "modo estranho" de vestir, não seja discriminado em função do modo como se apresenta externamente e como assume, digamos, a sua pertença a um determinado sexo. Daí a introdução desta palavra "género", que tem justamente esta ideia, a de abranger este tipo de situações.
A orientação sexual resulta com clareza. É evidente que não se deve ser discriminado em função de se ser, ou não, homossexual, heterossexual, ou de se ter outra qualquer característica.
No domínio dos direitos, liberdades e garantias, também nos preocuparam alguns aspectos, que começam, do nosso ponto de vista, a ser consensuais na sociedade portuguesa e que dizem respeito a uma melhor definição e a uma melhor defesa das pessoas envolvidas em processos penais. Desde logo, é absurdo que, em Portugal, não haja ainda um princípio, definido na Constituição, de obrigatoriedade de assistência de advogado a qualquer acto processual a que seja presente o arguido (e, daí, a introdução desse elemento). Por outro lado, vivemos num país em que uma relativa indefinição do artigo 31.º da Constituição tem permitido que o Supremo Tribunal de Justiça, pura e simplesmente, nunca, mas nunca, defira um pedido de habeas corpus. É uma situação verdadeiramente escandalosa aquela que se vive no nosso país, à luz, de acordo e ao abrigo de um texto constitucional e a coberto de um texto legal, que é o Código de Processo Penal, que, aparentemente, permite o recurso ao habeas corpus. Vivem-se situações dramáticas de ilegalidade e, através de recursos e minudências processuais, o Supremo Tribunal de Justiça - e não vou agora explicar como é que costuma funcionar, mas poderei, numa situação de discussão mais aberta, fazê-lo - evita e impede, na prática, o uso deste instrumento. Ora, Srs. Deputados, a questão é, do nosso ponto de vista, muito simples: ou se elimina o habeas corpus da Constituição da República Portuguesa ou mantém-se este instituto, que tem fundadíssima tradição no nosso ordenamento jurídico, mas, então, dota-se o habeas corpus de um conteúdo real, permitindo-se efectivamente que os cidadãos, quando vítimas de violência processual - permitam-me a expressão -, possam recorrer a este instrumento. Daí que nos pareça extremamente importante a abordagem deste tema, na Constituição, de forma diversa.
Por outro lado, ainda no campo do processo penal, preocupa-nos uma situação que se vive todos os dias e que tem a ver com a situação das pessoas que ficam detidas - e chamo a atenção dos Srs. Deputados para este aspecto - para apresentação, por exemplo, ao juiz de instrução criminal pela prática em flagrante delito de crimes a que corresponde uma pena inferior a três anos.
O que é que se verifica na nossa ordem jurídica? A lei constitucional e a lei ordinária proíbem a prisão nestes casos. Contudo, a partir do momento em que o Código de Processo Penal prevê que aquele que é detido, em flagrante delito, pela prática de um crime a que corresponde uma pena - atenção! - inferior a três anos seja presente ao Ministério Público de imediato e que o Ministério Público é que vai decidir se o põe em liberdade ou não, ou se o manda ouvir ao juiz, verifica-se esta anomalia: o novo Código de Processo Penal, o de 1988, introduz uma situação pior do que o Código velho. Ou seja, no Código de 1929, este cidadão era devolvido à liberdade, pura e simplesmente, e era intimado para comparecer, por exemplo, no dia seguinte, para julgamento sumário no Tribunal de Polícia; hoje, não é isso o que acontece, na medida em que são 4, 5 horas da manhã, hora a que, evidentemente, o magistrado do Ministério Público está pacatissimamente a repousar na sua casa e à qual não é contactado, situação que, se calhar, pode, e deve, ser alterada, mas a verdade é que esta pessoa fica detida para ser presente ao tribunal, hoje de pequena instância criminal, concretamente em Lisboa, para ser julgado.
Relativamente às questões eleitorais, muito rapidamente, sugerimos três alterações fundamentais. Primeiro, uma alteração ao nível da capacidade eleitoral, de modo a permitir o sufrágio a partir dos 16 anos. Depois, a possibilidade de se ser eleito para Presidente da República aos 18 anos. É que não nos parece que faça muito sentido que se possa ser Presidente da República com 120 anos e não se possa ser Presidente da República com 19 anos, argumento este que é, desde logo, suficientemente eloquente para permitir uma alteração neste domínio. Finalmente, entendemos que, na Constituição, deve constar uma referência clara ao facto de os Deputados, para além de representarem todo o território nacional, representarem especialmente o círculo pelo qual foram eleitos. Parece-nos que isto trará vantagens claríssimas, no domínio, chamemos-lhe assim, da vinculação do Deputado ao círculo pelo qual foi eleito, com vantagens claras.
No âmbito da organização do poder judicial, propomos três alterações fundamentais, Srs. Deputados. A primeira é a pura e simples eliminação dos tribunais militares, que é uma questão que, gritantemente, a democracia reclama e que, do nosso ponto de vista, torna relativamente estranha a aberração que ainda se vive, em Portugal. Em segundo lugar, uma situação que permitisse, no campo do Tribunal Constitucional, uma situação diferente. Temos alguma sensibilidade para aquilo que pode, a prazo, vir a transformar-se no descrédito do Tribunal Constitucional. Preocupam-nos as discussões com que, muitas vezes, nos deparamos na comunicação social, na medida em que a composição do Tribunal Constitucional naturalmente reflecte uma determinada maioria conjuntural. Significa isto que, tendencialmente, é muito fácil identificar no Tribunal Constitucional alinhamentos político-partidários, o que significa que a credibilidade dos juízes sai posta em causa. Daí que a nossa proposta de composição do Tribunal Constitucional (artigo 224.º), sendo radicalmente diferente, permitiria manter viva, na Constituição, uma ligação dos Deputados à manifestação, ainda que indirecta, da vontade popular, ou seja, haveria uma repercussão ainda da vontade popular, mas não sujeita às oscilações das maiorias