O texto apresentado é obtido de forma automática, não levando em conta elementos gráficos e podendo conter erros. Se encontrar algum erro, por favor informe os serviços através da página de contactos.
Não foi possivel carregar a página pretendida. Reportar Erro

 

Tudo o que aqui está é perfeitamente atribuível e já está atribuído, em grande parte, ao Ministério Público em sede de lei ordinária. E na fórmula hoje contida na Constituição, que é, designadamente no n.º 1, "(…) exercer a acção penal, defender a legalidade democrática e os interesses que a lei determinar", esta expressão "que a lei determinar" é suficiente para, nesse local e nessa sede, podermos pôr estas e outras e as demais atribuições que a evolução da vida social, económica e cultural for entendendo que devem caber ao Ministério Público.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Cláudio Monteiro.

O Sr. Cláudio Monteiro (PS): - Sr. Presidente, mais uma vez falando por mim, sobretudo nestas matérias em que nem tudo é pacífico, julgo que a proposta do PCP é positiva na parte em que propõe a eliminação da função de representação do Estado, se entendermos essa função como a de representação do Estado enquanto pessoa colectiva de direito público, do Estado-administração, portanto, não só nos tribunais administrativos, mas fundamentalmente nesses, e também nos tribunais comuns quando isso sucede.
Julgo que, por um lado, pode haver um conflito resultante da circunstância de o Ministério Público estar, porventura, a defender um interesse da Administração que pode não corresponder - e isso é o que há-de ser apurado em função do resultado do processo - à legalidade objectiva. Mas, sobretudo, julgo que é mais do que isso: é que o Estado-administração, hoje, é de tal forma complexo que a doutrina e mesmo o legislador já vieram reconhecer recentemente que, pese embora a personalidade jurídica una que se lhe deve reconhecer, o facto é que as atribuições estão repartidas, designadamente no que diz respeito à pessoa colectiva Estado, em função dos vários departamentos ministeriais, o que, por um lado, implica uma heterogeneidade de fins a prosseguir e de interesses a tutelar e a defender, tornando difícil, designadamente, que o Ministério Público esteja em condições de abarcar a defesa de todos esses interesses, e, por outro, leva a pensar sobre qual a diferença que existe entre a defesa do Estado ou a defesa do instituto público, sendo certo que este, por ser pessoa colectiva distinta da do Estado, não é representado pelo Ministério Público mas por advogado próprio, o qual, frequentes vezes é o jurista do próprio serviço. E acontece frequentemente movermos uma acção solidariamente contra o Estado e contra um instituto público e vermos o Ministério Público e um advogado, ou um jurista de um serviço, do outro lado, no processo, quando, na prática, o único que está em condições de assegurar a representação daqueles interesses é normalmente o jurista ou o advogado desse instituto público e não o Ministério Público.
Isso, aliás, é o que permite perceber por que é que - e julgo que seria interessante uma estatística e um estudo sociológico sobre essa matéria - o Ministério Público em 95% dos casos de acções que são movidas contra o Estado, designadamente acções de responsabilidade civil, primeiro, pede um prazo excessivamente longo para produzir a defesa - é que está tão distante da matéria de facto em discussão no processo que precisa de um prazo enorme para se inteirar dela - e, segundo, em 80% dos casos, defende por excepção e nunca discute a matéria de fundo, até porque não tem, pura e simplesmente, informação dos serviços ou dos directamente interessados na matéria. O que, normalmente, resulta em prejuízo, por um lado, para a posição do Estado, porque é mal defendido, e, por outro, para os particulares e os administrados, designadamente porque vêem o processo protelado por um tempo inadmissível, pela circunstância de o Ministério Público, primeiro, ter de ir falar com o jurista do serviço para, depois, poder eventualmente produzir uma defesa naquele processo. Portanto, nessa parte, julgo que a proposta é, de facto, positiva.
Na parte restante, julgo que ela é perigosa, designadamente na parte em que alarga, com uma enumeração ainda que meramente exemplificativa, substancialmente os interesses a tutelar pelo Ministério Público, na medida em que se, por um lado, lhe retira a tutela do interesse público, quando esse interesse público é o interesse da pessoa colectiva pública Estado, por outro lado, comete-lhe especificamente a tutela de interesses difusos, o que não sei se é necessariamente a função do Ministério Público.
A acção pública não se confunde, apesar de tudo, com a acção popular - e a acção popular está prevista constitucionalmente e está prevista e regulamentada na lei -, e os titulares desses interesses serão outros que não o Ministério Público, razão pela qual tenho algumas dúvidas que, nestas circunstâncias, faça sentido que haja uma especificação tal como ela é proposta. O que acontecerá é que, quando estes interesses difusos coincidam com a legalidade objectiva, o Ministério Público, enquanto garante da legalidade objectiva, poderá agir recorrendo para tal à acção pública, mas não à acção popular, porque não é sua função tutelar outros interesses que não sejam aqueles que resultam da verificação e da garantia da legalidade objectiva.
Portanto, julgo que é, apesar de tudo, perigosa neste sentido, porque pode permitir designadamente que as funções do Ministério Público possam ser utilizadas para outros fins que não exactamente aqueles para os quais elas estão concebidas actualmente, nomeadamente ganhando protagonismo em matérias sensíveis mediaticamente, como sejam as do ambiente ou do património, as quais só devem estar a cargo do Ministério Público quando esteja em causa um problema de legalidade objectiva e não um problema do interesse difuso da comunidade, uma espécie de representação política indirecta, que, julgo, é perigosa.
Pelas mesmas razões, julgo que é perigosa a proposta do PSD, quando vem especificar esta sua função de participação na execução da política criminal definida pelos órgãos de soberania. Naquilo que a proposta tem de positivo, que é o reconhecer que a política criminal não é definida pelo Ministério Público mas pelos órgãos de soberania, ela é supérflua. Isso parece-me evidente, tendo em conta que o exercício da função política está reservado aos órgãos de soberania, excepto na parte em que ele está "delegado" nos órgãos de governo próprio das regiões autónomas - e faço esta ressalva por simpatia pelo Deputado Guilherme Silva -, o que significa necessariamente que o Ministério Público não participa por natureza na definição do política criminal.
Agora, esta associação do Ministério Público à execução da política criminal, nos termos em que é proposta, parece estabelecer uma relação de confiança directa e imediata entre aqueles que a definem e os magistrados do Ministério Público. É que é essa a relação de confiança que existe, ao nível da Administração Pública, entre um ministro que define a política e os titulares dos órgãos