desfolhantes, o produto laranja - sem piada para os presentes mas porque era assim que, na altura, se chamava o produto, uma vez que tinha a cor laranja -, o qual também levantou problemas gravíssimos acerca da fronteira entre a investigação científica, entre a chamada ciência pura e a ciência aplicada, nomeadamente porque, por exemplo, a Bayer, passo a publicidade, com uma investigação científica de base, permitia aumentar as colheitas de maneira espectacular e matar a fome a milhões de pessoas e, exactamente com a mesma investigação, sem nenhum tipo de alteração, produzia os agentes laranja e permitia os bombardeamentos anti-humanitários, para não dizer mais, verdadeiramente catastróficos do Vietname, cujos resultados ainda hoje o Vietname está a sofrer.
Estas questões não permitem, de modo nenhum, peço desculpa, particularmente no texto constitucional, que é um texto extremamente englobante e não pode deixar de o ser, como é óbvio, colocar à margem da ciência as questões que acabou de referir.
Percebo, como é evidente, não tenho dúvidas, e concordará comigo naquilo que acabei de dizer, que, ao dizer o que disse, o que o Sr. Deputado Marques Guedes, no fundo, pretende dizer é que, no plano prático, no plano do quotidiano imediato, provavelmente, as questões não se colocam. Essas questões não se colocam a nível da investigação científica com a mesma acuidade directa com que se colocam, eventualmente, a nível da educação ou do ensino. Mas, se calhar, não é tanto assim quanto parece à primeira vista. Basta que chamemos à colação questões como aquelas que acabei agora de referir.
Daí ter grande dificuldade em subscrever essa tese e retirar daí, para o texto constitucional, as ilações que, eventualmente, se possam tirar.
O Sr. Presidente: - Muito obrigado, Sr. Deputado José Calçada. Vamos ver se reciclamos os termos do debate.
Srs. Deputados, as questões da promoção da compreensão mútua e da tolerância estão actualmente inscritas no artigo constitucional que se reporta ao ensino. Actualmente, elas nem sequer estão relacionadas com as funções da ciência.
Portanto, a questão teria eventual razão de ser se estivéssemos a apreciar qualquer amputação quanto às finalidades ou quanto ao ambiente, em termos de pressupostos orientadores, em que deveria decorrer a ciência e a investigação científica em Portugal. Não é efectivamente o caso, à luz, designadamente, do actual artigo 73.º.
Por outro lado, Srs. Deputados, quero colocar à vossa consideração o seguinte: os objectivos da revisão constitucional visam, parece-me a mim, contribuir para, na medida do possível, superar ou melhorar o texto constitucional, com vista à melhoria geral da ordem jurídica. Ora, não vi, até ao momento, nestes esforços de reestruturação, quais são os objectivos de alcance efectivo que não sejam uma pura intenção de reestruturar ou de reescrever a Constituição. Talvez seja preciso, pois, fazer alguma fundamentação desses aspectos, porque, entretanto, corremos o risco de não sairmos daqui, Srs. Deputados. Estamos à volta das redacções mas temos de ver o alcance final dos objectivos de transformação que estão a ser propostos.
Tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Coelho.
O Sr. Carlos Coelho (PSD): - Sr. Presidente, peço desculpa a todos mas isto resulta, provavelmente, do facto de termos feito esta discussão em dias separados. Começámos a apreciar esta matéria na quinta-feira, depois, no meio, tivemos a temática do ambiente e, agora, regressámos à educação.
Se, dessa dúvida, alguma responsabilidade me cabe, como Deputado que fundamentou a proposta, peço desculpa por não ter sido suficientemente claro perante a Comissão.
Aquilo que tentei provar, perante a Comissão, na quinta-feira à noite, em termos sucintos e resumidos, para não repetir tudo aquilo que disse na altura e que consta das actas, foi o seguinte: o ensino é a parte essencial do processo educativo, embora não esgote todas as preocupações da educação, e durante muito tempo foi o essencial, para não dizer quase o exclusivo, da responsabilidade do Estado na área da educação. Isso já não é assim! Hoje, há um conjunto de intervenções que resultam quer da acção do Estado, quer da acção de entidades do sector social e cooperativo, quer da acção de entidades do sector privado e que reforçam a intervenção no processo educativo em áreas que não são de ensino. Dei o exemplo mais claro da educação pré-escolar, que não é ensino mas é educação e cuja generalização resulta de uma lei recentemente aprovada na Assembleia.
Há um conjunto de objectivos, de valores, de guide-lines - diria o Deputado José Magalhães, utilizando um anglicismo - que estão na actual Lei Fundamental e que estavam limitados ao sector do ensino. Recordo a igualdade de oportunidades, a sensibilidade para a compreensão mútua, a tolerância e o espírito de solidariedade, a motivação dos cidadãos para a participação democrática numa sociedade livre.
A questão que se coloca é a seguinte: são princípios que o legislador constituinte quer limitar exclusivamente ao ensino? São ou não princípios que devem ter projecção na educação pré-escolar, por exemplo, ou seja, na área da educação que não se confina ao sistema de ensino, que não é educação escolar, que não é ensino mas é transmissão de saberes?
A nossa convicção é a de que é aí que eles se colocam cada vez mais. O princípio que o legislador ordinário quis contemplar, em sede de Lei-Quadro da Educação Pré-Escolar, foi não o princípio da obrigatoriedade mas o princípio da universalidade. Ou seja, não obrigamos as crianças entre os 3 e os 6 anos a estarem na educação pré-escolar mas vamos, por força da acção do Estado e por força do apoio do Estado à iniciativa privada, social e cooperativa, criar condições para que todas as crianças, se as respectivas famílias o desejarem, possam recorrer à educação pré-escolar.
Faz ou não sentido, neste quadro de universalização, que estes princípios, que estão no actual texto da Lei Fundamental exclusivamente circunscritos ao ensino, passem a ser promovidos para a educação? Aqui, trata-se de uma questão de conteúdo e não apenas de rearrumação, Sr. Presidente, embora, como o Sr. Presidente sabe, melhor do que eu, a questão da rearrumação também tenha um significado político e um significado claro no texto da Lei Fundamental. Se nós promovermos o ensino como parte essencial do processo educativo para o primeiro artigo deste capítulo dos "Direitos e deveres culturais", estamos a promover a atenção que a Constituição dá à área do ensino como parte essencial e fundamental do processo educativo.
Portanto, importa ter em atenção estas duas questões: não limitar princípios que o actual texto da Lei Fundamental acautela e que nós mantemos na íntegra, não os limitar