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as 21 horas, sob pena de nulidade. E aqui sem qualquer tipo de excepção.
Pergunto ao Sr. Deputado Narana Coissoró se, de facto, concorda com esta compreensão do Código de Processo Penal que acabei de referir.
Posto isto, e admitindo que seja como eu disse, subsiste o fundamento da questão suscitada pela proposta do CDS-PP, que é, de facto, um problema que nos interpela - tenho de o admitir.
Em primeiro lugar, interpela-nos quanto à compreensão histórica da razão de ser do disposto actualmente na nossa Constituição.
Esta disposição vigora na Constituição Portuguesa desde a sua formação originária, em 1976, e tem um significado histórico muito preciso. A sociedade portuguesa tinha acabado de sair de um período extremamente traumático, em que a violação dos direitos fundamentais era constante e em que a segurança e o espaço de liberdade e de protecção das garantias individuais era frequentemente ameaçado pelo poder discricionário do regime ditatorial. Consequentemente, esta norma teve uma formulação lapidar: a de garantir que, em democracia e em Estado de direito, haveria uma necessária garantia e um necessário respeito pelos direitos fundamentais dos cidadãos, designadamente o direito à privacidade e à inviolabilidade do seu domicílio, bem como da sua correspondência.
Só que, enquanto que em relação à inviolabilidade da correspondência é a própria Constituição que admite as situações excepcionais em que, de acordo com regras garantísticas de cautela processual e de controle jurisdicional, é possível haver acesso à correspondência, no que diz respeito à inviolabilidade do domicílio a Constituição já não previu excepções.
Estamos agora confrontados com esta proposta do CDS-PP e com a questão de saber se, na ponderação de valores e dos interesse penais fundamentais, há uma melhor garantia dos direitos individuais restringindo de maneira absoluta a possibilidade de acesso ao domicílio no período nocturno, ou se, para garantir certos direitos fundamentais, designadamente de ordem pública, de combate à criminalidade, até das vítimas, em certas circunstâncias excepcionais, não deverá admitir-se ou prever-se a possibilidade de acesso ao domicílio nesse período nocturno.
O Sr. Deputado Narana Coissoró, ao apresentar-nos o projecto do CDS-PP, reporta essa possibilidade de excepção exclusivamente à criminalidade relacionada com o tráfico de estupefacientes,…

O Sr. Narana Coissoró (CDS-PP): - Não, não.

O Sr. Jorge Lacão (PS): - Sr. Deputado, fá-lo no que diz respeito à delimitação dessa possibilidade mediante ordem da autoridade judicial - para ser mais preciso.
Evidentemente, a questão que se nos coloca é muito semelhante à que o Sr. Deputado Luís Marques Guedes suscitou há pouco. Sendo evidente que o combate ao tráfico de estupefacientes é uma prioridade absoluta no combate à criminalidade, há que saber se, numa lógica harmonizada dos valores penais e processuais em causa, faz sentido excepcionar neste domínio, eventualmente não tratando de forma semelhante os crimes de terrorismo, a criminalidade violenta e altamente organizada, o tráfico de armas ou alguns crimes desta natureza.
Em segundo lugar, a proposta do CDS-PP interpela-nos também para o problema dos limites: onde estão os exactos limites para circunscrever esta norma de excepção? E penso que esses exactos limites também teriam que ser delimitados com extraordinário rigor.
Colocando uma dúvida interpretativa inicial, levantei uma segunda questão para saber se o CDS-PP admitiria repensar a sua própria proposta no sentido da harmonização daquela tipologia de crimes que, por uma natureza de gravidade semelhante, justificasse igual forma tratamento.
Finalmente, quero dizer aos Deputados do CDS-PP, embora não antecipando o período do debate, que nós também estamos muito interessados em conhecer o ponto de vista de outros eminentes constitucionalistas e personalidades que convidámos para reflectir sobre aspectos da nossa ordem jurídico-constitucional, no sentido em que entendemos que este é um tipo de medida que deve ser tomada em nome de um espectro de largo consenso, e que vale a pena testar a existência desse mesmo consenso.
Para concluir, isto significa que, sem antecipar qualquer posição, designadamente do grupo parlamentar do PS, pela parte que me toca, não deixo para já de ser sensível às preocupações que fundamentaram a proposta do CDS-PP.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, não havendo mais inscrições, tem a palavra o Sr. Deputado Narana Coissoró, para dar os esclarecimentos que bem entender.

O Sr. Narana Coissoró (CDS-PP): - Sr. Presidente, os esclarecimentos a dar são poucos. O que constatamos é que o próprio artigo 34.º da Constituição fixa vários graus para a protecção da inviolabilidade de domicílio e de correspondência. Este artigo prevê o sigilo de correspondência e dos outros meios de comunicação privada, a entrada no domicílio de outra pessoa durante a noite, com ou sem consentimento, e a ingerência das autoridades públicas nas telecomunicações e nos demais meios de comunicação social.
Há uma inviolabilidade que é própria do dia, há outra inviolabilidade que é assegurada de noite. À noite, a autoridade judicial já não pode ordenar a entrada no domicílio de uma pessoa contra a sua vontade, é mesmo necessário o consentimento dessa pessoa. É por essa razão que se coloca o problema de substituir o consentimento pela autorização judicial nos casos em que o proprietário, ou o residente da habitação, promova actividades delituosas graves - têm de ser sempre graves - e, efectivamente, não dê o seu consentimento. É isto que está em causa e é por esta razão que queremos esta cobertura constitucional.
De qualquer modo, estão sempre fora de causa todos aqueles casos em que não haja terrorismo, alta criminalidade, associação de malfeitores, prática de crimes em flagrante delito. Portanto, só em casos muitíssimo excepcionais, presididos pelo juiz, é que terá lugar esta excepção, e também no caso do tráfico de estupefacientes.