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Relativamente ao primeiro grupo de direitos, tenho sustentado que a Constituição não permite a imposição da regra da reciprocidade ou (como a Professora Isabel Magalhães Colaço preferia, por mais rigoroso) a regra da retaliação e, portanto, são inconstitucionais as normas de lei ordinária que assim o estabeleçam. Refiro-me, concretamente, ao artigo 14.º do Código Civil e a disposições da Lei da Segurança Social e do acesso ao Serviço Nacional de Saúde.
Essa restrição ao princípio da equiparação derivada do seu condicionamento à regra da reciprocidade ou da retaliação seria compreensível numa altura em que se considerava que, pelo facto de um indivíduo ser nacional de um Estado, deveria sofrer todos os inconvenientes dessa ligação, isto é, havia uma responsabilização colectiva de todos os nacionais de um Estado que permitia, por exemplo, em situações de guerra, o internamento dos nacionais de países inimigos em campos de concentração ou o confisco dos seus bens. Porém, no estádio actual do Direito Internacional, a dignidade da pessoa humana e o seu reconhecimento como sujeito de direitos perante a ordem jurídica internacional não consente essa extensão.
O condicionamento do princípio da equiparação à regra da reciprocidade deu origem a situações extremamente absurdas, como algumas decisões do Supremo Tribunal Administrativo que, por exemplo, recusavam (antes das alterações que foram introduzidas na Lei do Apoio Judiciário) a concessão de apoio judiciário a requerentes de asilo com o argumento de que países de onde esses requerentes eram naturais, e contra cujos regimes lutavam, não reconheciam, nesses Estados, esse direito aos cidadãos portugueses. Isto é, um cidadão angolano, um cidadão nigeriano, por lutar contra os regimes dos respectivos países por motivos políticos, requeria asilo em Portugal e via-se penalizado porque o regime político vigente no Estado, contra o qual ele lutava justamente por não ser um regime democrático e respeitador dos direitos humanos, não concedia aos cidadãos portugueses o mesmo direito. Ora, este era um caso chocante e, como é evidente, alterou-se a lei para evitar os absurdos a que pode levar o tal princípio da retaliação - isto relativamente ao que considero ser o grosso dos direitos em relação aos quais é válido o princípio da equiparação
Diversamente, no segundo grupo de direitos, relativamente aos quais, em regra, o princípio da equiparação não procede, embora seja admissível um alargamento a esses direitos, aí, sim, penso que, de facto, o princípio da reciprocidade tem toda a razão de ser, na medida em que vai incrementar que relativamente a esses Estados haja um tratamento mais favorável dos cidadãos portugueses que, eventualmente, lá residam.
Pela comparação que estive a fazer entre os projectos apresentados na anterior revisão constitucional e na presente, a proposta que está agora sobre a mesa recupera a já apresentada por diversos Deputados na revisão anterior. Na altura, as diferenças existentes relativamente a uma segunda proposta apresentada por alguns Deputados do Partido Socialista, consistiam em que, por um lado, esta última alargava a proibição da equiparação a todos os Deputados da Assembleia da República e não apenas ao seu Presidente, a todos os magistrados e não apenas aos Presidentes do Supremo Tribunal de Justiça e do Tribunal Constitucional e ainda aos membros do Conselho de Estado e do Conselho Superior de Defesa Nacional, mas, por outro lado, em sentido contrário, restringia essa proibição aos oficiais das Forças Armadas, enquanto que quer a primeira proposta, genericamente mais generosa, quer o texto constitucional actual, quer a proposta do projecto de revisão do Partido Social Democrata não alteram esse ponto, ou seja, a restrição atinge todos aqueles que se encontrem em serviço nas Forças Armadas, mesmo que não sejam oficiais.
Pessoalmente, pelos contactos que desenvolvi, pude constatar que, actualmente, no Brasil, existe a possibilidade de cidadãos portugueses exercerem cargos de magistratura e não se trata de mera possibilidade pois existem casos concretos, designadamente em São Paulo.
Em minha opinião, quanto ao leque de cargos cujo exercício deverá ser absolutamente proibido a estrangeiros, considero que, eventualmente, haverá razões para também restringir o alargamento à questão dos membros do Conselho de Estado e aos membros do Conselho Superior de Defesa Nacional, por razões equivalentes àquelas que levam à proibição do serviço nas Forças Armadas ou, pelo menos, na qualidade de oficial, mas não veria grande objecção a ir-se um pouco mais longe no que respeita aos magistrados e, eventualmente, aos Deputados à Assembleia da República.
Nesta questão dos magistrados, que, aliás, os projectos não distinguem se são apenas magistrados judiciais ou também magistrados do Ministério público, está subjacente uma questão ainda mal resolvida. De facto, fala-se em titulares de órgãos de soberania e os magistrados, mesmo os judiciais, não são titulares de órgãos de soberania, pelo menos com a mesma natureza que os restantes. Surgem-me, por isso, algumas dúvidas se não se tratará apenas de uma carreira especial da função pública, o que pode ter implicações práticas, nomeadamente na competência do Tribunal Central Administrativo, no sentido de saber se um recurso de um despacho do Ministro da Justiça que não dá um complemento de vencimento por acumulação de funções de um magistrado é ou não um recurso que versa matéria da função pública. Aliás, a prática legislativa da Assembleia da República (embora haja um acórdão do Tribunal Constitucional em sentido contrário) sempre foi a de considerar as leis sobre a magistratura judicial e a organização dos tribunais como inseridas na reserva relativa e não na reserva absoluta de competência legislativa, isto é, na alínea que respeita à organização e competência dos tribunais e ao estatuto dos respectivos magistrados e não na alínea que respeita ao estatuto dos titulares de órgãos de soberania.
Porém, independentemente dessa discussão eventualmente teórica, a minha sensibilidade é a de que não me repugnaria - e a situação, em termos práticos, apenas se põe em relação aos cidadãos brasileiros - que exercessem funções de magistrado, em Portugal, cidadãos brasileiros, com o alargamento da equiparação a esse nível.
No fundo, quase me atreveria a propor que se transpusesse para a Constituição, com algumas adaptações, um pouco do elenco que está na norma da Constituição brasileira, em que, de facto, no que respeita às magistraturas, apenas se reserva aos brasileiros natos o cargo de Ministro (Juiz Conselheiro) do Tribunal Federal.

O Sr. Presidente:- Para pedir esclarecimentos ao Sr. Conselheiro estão inscritos os Srs. Deputados Luís Marques Guedes e Jorge Lacão.
Tem a palavra, Sr. Deputado Luís Marques Guedes.