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Há pouco, tanto quanto pude perceber, o Sr. Deputado Alberto Costa referiu-se justamente a esta questão, chamando a atenção para o facto de não ter sentido, por exemplo, alterar de tal forma elementos de conexão da lei penal portuguesa que permitam que um crime que nada tem a ver com Portugal e cometido por pessoas que nada têm a ver com Portugal, pessoas que, por exemplo, vieram a Portugal assistir a um jogo de futebol da sua selecção, sejam julgadas por esse crime.
Isso, evidentemente, coloca aqui importantes questões, que se prendem com condições objectivas de punibilidade. Como é que se vai punir alguém, quando não há a mínima capacidade de investigar, de facto, aquilo que ela fez?
Por isso mesmo, quero deixar-lhe aqui uma pergunta, abusando um pouco da sua paciência, sobre a avaliação que a Sr.ª Professora faz das alterações que têm de ser feitas na legislação portuguesa, quer do ponto de vista da sua necessidade quer do ponto de vista da sua utilidade, sobretudo, como é óbvio, no que diz respeito ao Código Penal português.

O Sr. Presidente: - Não havendo mais inscrições, dou agora a palavra à Sr.ª Prof.ª Doutora Paula Escarameia para responder.

A Sr.ª Prof.ª Doutora Paula Escarameia: - Sr. Presidente, Srs. Deputados Alberto Costa e José Matos Correia, agradeço-lhes as questões que me colocaram, que são muitíssimo substantivas e interessantes. Vou tentar responder satisfatoriamente a algumas delas mas, em relação a outras, julgo que precisava de mais tempo para o fazer como devia.
De qualquer modo, começando por responder ao Sr. Deputado Alberto Costa, quanto à questão da complementaridade, porque muitas das suas perguntas giraram em torno da ideia do princípio da complementaridade no Estatuto, na verdade, devo dizer que, no Estatuto, tirando em sede de admissibilidade, nunca ficou muito clara esta questão da complementaridade. E percebo que, por vezes, haja necessidade de clarificar alguns pontos.
O princípio da complementaridade não foi pensado para que o Tribunal ficasse vazio de competências, nem foi sequer pensado para que o Tribunal tivesse de, sempre que não gostasse da maneira como os assuntos estavam a ser resolvidos, ir buscá-los. O Tribunal foi pensado para funcionar porque foi pensado que muitos Estados não quereriam, eles próprios, julgar as questões por variadíssimas razões. Enfim, estes são crimes tão graves… Por exemplo, pode ter havido mudanças de regimes e o novo regime não gostar de aparecer como um vingador do anterior, ou pode tratar-se de um acusado estrangeiro que esteja ocasionalmente no país em causa, o que pode tornar mais difíceis as relações diplomáticas entre os Estados. Por isso, pensou-se que, muitas vezes, os Estados, até por sua própria iniciativa, gostariam que a pessoa fosse entregue ao Tribunal para ser julgada pelo Tribunal e não pelos próprios Estados.
E julgo que o princípio da complementaridade foi sobretudo pensado para nacionais, para quando um Estado acha que deve ser ele, primeiro que tudo, a julgar aquelas pessoas, por todas as razões referidas (há muitas provas, o crime passou-se lá, etc.). Quer dizer, a situação normal seria esta: um crime que ocorreu no território, praticado por um nacional, seria julgado por este Estado. E o Tribunal só iria julgar se ficasse insatisfeito com o modo como foi julgado.
Na verdade, se levarmos o princípio da complementaridade tão longe ao ponto de dizermos que praticamente não há nenhum crime que vá ser julgado pelo Tribunal Penal Internacional a não ser que, internamente, as condições sejam de tal modo precárias que o julgamento não ofereça as mínimas garantias de viabilidade, então… Aliás, isto foi tentado: houve vários Estados que tentaram que fossem os tribunais nacionais a decidir se o Tribunal Penal Internacional podia ou não julgar. Imagine-se o que isto seria! Seria fazer com que o Tribunal não tivesse competências nenhumas. Felizmente, depois de uma luta muito grande, a última palavra acabou por ficar no Tribunal Penal Internacional.
Uma das suas perguntas, Sr. Deputado, foi a de se haveria alguma vantagem em constar da Constituição a questão da complementaridade. Por um lado, percebo os argumentos expostos, de que talvez fosse uma cautela a ter em algumas situações. Mesmo assim, ainda não consigo ver uma grande vantagem na ideia de a complementaridade constar da Constituição. É que, se não fôssemos fazer uma revisão constitucional, conseguiria perceber, porque, nesse caso, como tínhamos o problema com a pena de prisão perpétua, aí, com certeza, quereríamos, nos casos em que estivessem cá pessoas que pudessem ser submetidas a penas de prisão perpétua, que a situação ficasse clarificada, porque depois os juízes não entregariam estas pessoas… Estando clarificado na Constituição que as pessoas serão entregues ao Tribunal e que nós temos de colaborar com ele, não vejo muita necessidade em voltar a repetir a complementaridade. Mas também não vejo assim um mal muito grande em constar lá.
A única desvantagem que posso ver nesta questão da complementaridade é que talvez pareça que estamos a insistir muito em que temos que ser nós a julgar e que não estamos a confiar numa justiça internacional que também foi instituída por nós. E isto prende-se também um pouco com a ideia do Sr. Deputado Alberto Costa (se percebi bem) de que, no fim de contas, isto seria uma ordem judicial de que também faríamos parte, este Tribunal Internacional. Na verdade, poder-se-ia entender assim. O problema aí é que todas as argumentações iam no sentido de que, então, neste caso, fazemos parte de uma ordem judicial que, em última instância, admite a pena de prisão perpétua. Isso já seria um pouco problemático, sendo esse o perigo dessa argumentação. Se nós considerarmos que é um Tribunal que foi instituído pela comunidade internacional e que nós estamos obrigados, porque fazemos da comunidade internacional e não queremos alienar-nos dela, então, a situação é um pouco diferente e talvez não seja necessária a construção teórica de que nós fazemos parte desta ordem.
Já agora, voltando aos tribunais ad hoc, gostaria de dizer que, nos tribunais ad hoc, a situação é muito mais dramática, embora ninguém tenha levantado a questão em Portugal. Os tribunais ad hoc têm a pena de prisão perpétua, têm julgado muitas pessoas - e é relativamente possível que uma pessoa, então da Jugoslávia, venha aqui para Portugal (do Ruanda talvez seja um pouco mais difícil, mas da Jugoslávia não é: é até muito fácil). Aliás, se eu fosse um criminoso da Jugoslávia e soubesse que cá em Portugal não se podia entregar pessoas ao Tribunal por causa da prisão perpétua, isso até era um chamariz e viria, todos viriam, para cá - e, no fim de contas, nós estamos