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Portugal não é obrigado a aceitar a execução da pena, isto é, qualquer país pode ou não aceitar a execução da pena no seu país - o artigo 103.º dá completa liberdade para tal. Em todo o caso, seria de considerar que podia ser interessante que algumas pessoas, já que são portuguesas e talvez tenham familiares cá, ou por outras razões, pudessem cumprir a pena em Portugal.
Julgo que estes três pontos poderiam constar de uma eventual declaração.

O Sr. Presidente: - Sr.ª Professora, agradeço a sua exposição muito interessante, que nos introduziu alguns temas que não tinham sido até agora discutidos nem sequer referidos.
Segue-se agora uma fase de questões, pelo que tem a palavra o Sr. Deputado Alberto Costa.

O Sr. Alberto Costa (PS): - Sr. Presidente, gostaria de começar por cumprimentar a Prof.ª Paula Escarameia e agradecer a sua exposição.
Queria colocar algumas questões e fazer alguns comentários.
Em primeiro lugar, devo dizer que estou de acordo com o seu comentário crítico acerca da reprodução simples da fórmula constante da Constituição francesa. Dado que a Constituição Portuguesa, ao lidar com temática semelhante no quadro da instituição da União Europeia, utilizou uma fórmula diferente, pergunto-me e pergunto à Sr.ª Professora se não seria mais adequado, em relação ao Tribunal, adoptar-se pelo menos um enfoque paralelo e, portanto, conceber Portugal como um país que convenciona a instituição deste Tribunal.
Tal fórmula teria a vantagem de não multiplicar as construções e de dar até mais dignidade à presença portuguesa no acto da instituição deste Tribunal, em vez de se recorrer à lacónica maneira francesa: "nós reconhecemos esse tribunal, independentemente da origem", como já fizemos, por exemplo, em relação aos tribunais ad hoc, de que não somos parte instituinte mas que reconhecemos, já que isso corresponde aos nossos deveres à luz do Direito Internacional.
Portanto, a primeira questão é a de saber se não admite como vantajosas "obras" que pudessem dar uma nova feição, quer dogmática quer literária, ao enlace entre a Constituição e a instituição do Tribunal.
A segunda questão tem a ver com o princípio da complementaridade. Embora já se tenha referido a este aspecto, gostaria de obter o seu comentário um pouco mais desenvolvido sobre a vantagem de consagrar na Constituição este princípio.
Raciocino, fundamentalmente, com base na consagração constitucional que fizemos de maneira quase original (não inteiramente original) do princípio da subsidiariedade, o qual passou simultaneamente a constar do Direito Comunitário e do nosso Direito Constitucional. Com vantagem? É duvidoso, porque os comentadores constitucionalistas alegam que ele tem um determinado valor e uma determinada eficácia enquanto que os comentadores comunitaristas defendem o oposto. Isto é, nem sempre a captura de um princípio no texto constitucional, sobretudo quando ele deriva de outra esfera jurídica, é a melhor técnica para evitar a proliferação de problemas. Portanto, gostava de saber qual é a sua sensibilidade acerca deste problema da complementaridade.
A terceira questão prende-se com o seguinte: tem-se defendido a vantagem de Portugal formular uma declaração através da qual declarasse pretender julgar nos seus tribunais domésticos a totalidade dos crimes que viessem a ter algum elemento de conexão, nomeadamente pela presença de pessoas, nacionais ou estrangeiras, no território nacional.
A pergunta que quero fazer é esta: será que uma tal declaração é compatível com o sistema do Tribunal e com a visão que o próprio Tribunal tem da justiça? Desde logo, no sentido em que o Tribunal admite uma função correctora sobre as justiças, sobre os Estados e, no dia em que admitisse que lhe restava zero do acto pelo qual aquele Estado tinha aderido ao Tribunal, ele estaria a amputar toda essa capacidade que, para si próprio, prevê, entregando uma espécie de procuração irrevogável, ou um seu sucedâneo, àquele Estado! Este jamais poderia ser interferido pelo Tribunal, mesmo que um tribunal - e foi a hipótese que já coloquei aqui - decidisse julgar, sem condições, sem provas, sem testemunhas, etc., um fugitivo do Ruanda, onde se aplica a pena de morte, que tivesse lá praticado um crime terrível, ou crimes terríveis, sem testemunhas, e que viesse para Portugal. O Estado português diria: "Não extradito, não entrego esse responsável, porque a pena de morte aguarda-o no Ruanda e a pena de prisão perpétua aguarda-o no Tribunal Penal Internacional e, como não quero submetê-lo a esse risco, vou julgá-lo aqui". Mas julgá-lo aqui, poderia, pelo menos a meu ver, representar uma denegação de justiça perante a qual a comunidade internacional não podia ficar indiferente!
Pensando em hipóteses deste tipo, o que pergunto é se seria defensável uma atitude em que o Estado, do seu próprio ponto de vista, procurasse dotar-se de uma competência plena e furtar-se a qualquer espécie de intervenção, mesmo em casos marginais, nos quais a justiça não poderia ser feita, recorrendo àquele inciso "não estar em condições de", isto é, o Estado não estar em condições de aplicar justiça. Naturalmente, o tribunal português pode arvorar-se e pretender julgar um horrendo crime na Samoa Ocidental, desde que apanhe no aeroporto aquele que está indiciado como principal responsável. Mas essa justiça feita em Portugal, em Lisboa, com ou sem intérpretes, mas sem testemunhas, sem corpo de polícia, etc., será justiça do ponto de vista das aspirações da comunidade internacional?
Esta é a minha dúvida, a minha questão um bocado prolixa, mas incidindo sobre a possibilidade, a legitimidade de um Estado se afastar completamente da hipótese de se exercer a complementaridade no seu sentido útil.
A última questão tem a ver com a temática das imunidades. Admitindo que este mecanismo da complementaridade funciona e que os tribunais domésticos julgam determinados actos, por exemplos dos responsáveis políticos que, perante o Tribunal, não beneficiariam em ponto algum da sua qualidade oficial, no caso de esses princípios (que têm de ser em primeiro lugar constitucionais e, depois, ordinários) não terem sido recebidos na ordem interna, não parece à Sr.ª Professora que se criaria um efeito desequilibrador? Isto é, se alguém fosse levado a comparecer diante do Tribunal Penal Internacional não procedia nenhuma das chamadas condições de procedibilidade, como sejam as votações, as dilações, aguardar termos de mandado e tudo o mais que faz o regime especial de efectivação da responsabilidade dos titulares de órgãos de soberania?