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obrigados a colaborar com esses tribunais, porque fazemos parte de uma organização internacional que tem um órgão que instituiu esses tribunais (parece-me que ao abrigo do n.º 3 do artigo 8.º da Constituição Portuguesa), e isso não é debatido. No entanto, este sistema já existe.
Por isso, toda a questão levantada a propósito da pena de prisão perpétua surpreendeu-me bastante, porque já existia um precedente até muito mais dramático em que não opera a complementaridade e em que não há quaisquer garantias de revisão da pena. Ou melhor, tem, hoje em dia, garantias, que foram criadas pelos juízes posteriormente, porque o Estatuto do Tribunal não diz nada disso, e nós imediatamente tivemos de ser parte (a não ser que decidíssemos sair das Nações Unidas, o que seria algo de extraordinário, pois seríamos os primeiros que sairíamos, voluntária e definitivamente, das Nações Unidas).
Por isso, quanto à complementaridade, não vejo assim uma grande necessidade na sua referência.
Agora, quanto à ideia de que é compatível com o espírito do Estatuto esta ideia de que todos os crimes seriam cá julgados e depois, relacionado com esta ideia, a de se não estaremos nós a contornar o Estatuto, acho que sim. E acho que até politicamente (e não sou política) não era muito aconselhável Portugal enveredar por esse caminho. Reparemos no exemplo da Bélgica: a Bélgica, que tem o sistema de jurisdição universal, já julgou aquele caso das freiras do Ruanda e está agora a braços com o problema do Ariel Sharon. Quer dizer, até que ponto queremos também ter aqui uma situação dessas? É que, na verdade, nós também ratificámos as Convenções de Genebra e podíamos ter - até devíamos ter jurisdição universal para estes crimes. Sob o ponto de vista do Direito Internacional, devíamos ter para o genocídio, para os crimes contra a humanidade e os crimes de guerra das Convenções de Genebra, pelo menos para as violações graves (umas violações especiais da Convenção de Genebra), bem como para a tortura. Só que muitos países não o fizeram por questões políticas - esta é uma decisão um pouco política. Toda esta questão de se devemos ter jurisdição universal - e podemos ter, porque nem é ilegal face ao Direito Internacional, até cumpre o Direito Internacional… Mas usar o Tribunal para isso também não sei se seria muito bom.
Para além disso, há uma questão muito prática, relacionada com o referido pelo Sr. Deputado Matos Correia, que é a seguinte: para podermos, nos nosso tribunais, julgar todas estas pessoas, tínhamos de ter pronta uma série de leis ordinárias e precisamos mesmo de ter. Bem sei que um tratado, uma vez ratificado, tem um valor supra lei ordinária e, por isso, imediatamente, podíamos dizer: os crimes aplicam-se. Mas não se aplica o sistema de penas, porque o sistema de penas é o sistema nacional. O artigo 80.º do Estatuto diz que o sistema de penas que se aplica, sempre que nós julgamos qualquer crime, é o sistema nacional. Em primeiro lugar, não temos todos aqueles crimes previstos no nosso Código Penal e, ainda pior, temos no nosso Código Penal uns crimes com o mesmo nome que não têm o mesmo conteúdo.
Por isso, para começar, seria uma grande confusão, embora julgue que os juízes deviam sempre dar prioridade ao que está no Tratado sobre o que está na lei ordinária. Mas, enfim, era melhor clarificar a situação. Portanto, temos esse problema.
Depois, temos também o problema das penas, porque nós vamos ter que aplicar o nosso sistema penal e, no nosso Código Penal, não temos esses crimes - e os crimes de guerra que constam do Estatuto são muitos e incluem crimes como os de violência contra as mulheres, que nem temos na nossa legislação(aliás, isto é uma inovação do Estatuto, pois não existe noutro documento internacional). Por outro lado, não prevemos penas para esses crimes e tínhamos que arranjá-las. Há ainda a questão da não prescrição destes crimes, o que não está previsto no nosso código
Temos, por isso, de fazer uma revisão profunda da nossa legislação penal - e nem é preciso fazer uma revisão do Código Penal, basta fazer uma lei avulsa que, talvez, copie o que está no Estatuto quanto aos crimes e estabeleça as penas. Depois também há alguns aspectos, já de cooperação judicial e de cooperação com o Tribunal, que teriam de ser cuidados. Porém, nessa parte do Estatuto já não participei, tendo sido acompanhada por um membro da Procuradoria-Geral da República, pelo que não estou muito a par, embora saiba que há aí vários aspectos que teriam de ser tratados. Até por questões práticas, não podemos ratificar o Estatuto, fazendo uma declaração e dizendo que usamos a complementaridade até ao máximo potencial e julgamos todos os acusados sem termos as leis preparadas, porque, depois, se estivermos nessas circunstâncias, não os podemos julgar. E o que iria acontecer é que, se surgisse uma pessoa acusada de um qualquer crime do Estatuto e nós não o tivéssemos sequer tipificado no nosso Código Penal (era aplicado directamente o Estatuto), imediatamente o Tribunal vai chamá-la. Então, perante isto, vamos fazer constar da Constituição que queremos sempre a complementaridade para todos os casos? É um problema.
Quanto à questão das imunidades relacionadas com a complementaridade, é sempre a mesma questão. Na verdade, temos imunidades para o Presidente, para os Deputados, para os membros do Governo, mas as do Presidente talvez sejam as mais difíceis, porque só responde no fim do seu mandato por actos não oficiais. A questão de saber se estes crimes podem ser praticados como actos oficiais ou não, também é uma questão não muito clarificada. No caso Pinochet, a Câmara dos Lordes achou que não eram actos oficiais, porque nenhum dirigente poderia ter como acto oficial torturar as pessoas, promover o desaparecimento delas, etc. Mas a questão é debatida, porque normalmente é usada precisamente essa posição de poder (não é como um indivíduo vulgar que se faz), é usada a estrutura do Estado, para se cometer esses actos. Por isso e na verdade, eles são cometidos por causa da posição oficial.
Quanto a toda esta questão das imunidades, é claro que o Estatuto não admite qualquer excepção. Agora, isto não é nada inovador, porque também já os Estatutos dos Tribunais Penais Internacionais para o Ruanda e para a ex-Jugoslávia não a admitem, a Convenção sobre o Genocídio não a admite, a Convenção sobre a Tortura não a admite. Quer dizer, há uma série de convenções que já não a admitem. E nós, hoje em dia, como já ratificámos essas convenções, já estamos obrigados. Por isso, se o Presidente, um Deputado ou um membro do Governo praticar algum desses actos, tem de ser julgado. Ou seja, já temos esta obrigação, só que, na prática, felizmente, isso não está a passar-se porque nenhuma destas entidades foi acusada da prática destes crimes..

O Sr. Alberto Costa (PS): - (Por não ter falado ao microfone, não foi possível registar as palavras do orador.)