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declarar os crimes contra a humanidade? Deverá ser uma instância, através de uma autorização da Assembleia da República? Portanto, deve ser matéria reservada, ainda que de reserva relativa, autorizar que alguns crimes sejam declarados como crimes contra a humanidade e que só relativamente a esses, declarados como crimes contra a humanidade, é que poderá haver extradição, ao abrigo deste n.º 6 do artigo 7.º?
Pensamos que esta remissão apenas para a jurisdição do Tribunal Penal Internacional é uma porta excessivamente aberta, pouco restritiva, pouco minuciosa, pouco cirúrgica, para permitir aquilo que eu penso que é a vontade da Assembleia da República, que abrange só aqueles quatro crimes que estão previstos no Estatuto; ou melhor, aqueles três crimes, porque o quatro ainda não está sequer legislado internacionalmente. Refiro-me ao problema das guerras agressivas ou da guerra de invasão, que não está ainda…

O Sr. Presidente (Guilherme Silva): - Esta referência "conforme estabelecido no Estatuto de Roma" não o tranquiliza nesse aspecto? É a versão actual do Estatuto de Roma que conta.

O Sr. Prof. Doutor Pinto Ribeiro: - Sr. Presidente, é a actual, mas não sei se será a de amanhã! Eu não gostaria que deixasse de estar na mão dos constituintes portugueses, isto é, da Assembleia da República Portuguesa, o controle dessa abertura. Gostaria que quando abrissem… Vamos admitir que as coisas evoluem e que, amanhã, se entende que os crimes contra a humanidade não são aqueles quatro mas seis, ou cinco. Então, é preciso alterar o tipo criminal que está previsto porque se verificou que era insuficiente para alguns casos. Posso perceber que tal ocorra mas, nessa altura, a Assembleia da República tem o poder para fazer essa abertura.
Pronunciando-me agora sobre aspectos que são técnicos e técnico-jurídicos, do ponto de vista do Direito Constitucional e do Direito Internacional Público, devo dizer que prefiro soluções que sejam exaustivas, rigorosas, minuciosas e que não desapropriem a Assembleia da República do poder de que ela foi, por nós, investida e apropriada. Sem prejuízo de a Assembleia da República usar esse poder nos termos que, constitucionalmente, lhe são atribuídos e, portanto, fazer normas remissivas, normas atributivas de competência deste tipo ou outras. Mas que o faça sempre com peso, conta e medida e sempre sem abrir portas que, mais tarde, não se conseguem nem se conseguirão fechar.
Pegando noutro aspecto desta mesma questão, não tenho a certeza de que este n.º 6 que é proposto seja suficiente. Em todo o caso, este n.º 6 do artigo 7.º, relativo às relações internacionais, que visaria permitir a extradição para o Tribunal Penal Internacional, há-de ser verificado pelo Tribunal Constitucional português, ou há-de ser verificado pelo tribunal comum português, se não chegar ao Tribunal Constitucional. Diria que mesmo que, no rigor dos rigores, esta norma não fosse suficiente, pessoalmente não vejo os tribunais portugueses a desatenderem isto e a dizerem que não é suficiente - nem os tribunais portugueses comuns nem, muito menos, o Tribunal Constitucional.
Nessa medida, não penso que - falando agora de um risco que não é um técnico-jurídico mas, sim, jurídico-político - o Tribunal Constitucional emitisse um acórdão no sentido de que esta norma do n.º 6 não é suficiente para aquele que foi o objectivo, isto é, para permitir a extradição efectiva de pessoas para o Tribunal Penal Internacional. Não creio! Mas, como disse, abstenho-me dos aspectos pura e simplesmente técnico-jurídicos de minúcia, porque essa não é a minha área de competência. Sou mais do Direito Privado ou, como diria o outro, "eu sou mais dos bolos…". Portanto, não sou capaz de pronunciar-me com rigor ou com autoridade científica sobre essa matéria. O mesmo diria relativamente ao artigo 298.º-A, quanto à justiça internacional e quanto ao problema da jurisdição do Tribunal Penal Internacional.
Quanto à extradição, penso que temos um problema complicado com a União Europeia. Pessoalmente - já fiz esta confissão pública, pelo que não estou a dizer nada de novo -, sou federalista, sou europeísta, acredito na construção da União Europeia enquanto Estado federal; não acredito muito na maneira como essa construção europeia tem vindo a ser feita enquanto Estado federal porque, como digo, só acredito na criação de uma Constituição europeia que me dê poderes; acredito que posso ter mais poder enquanto cidadão europeu do que tenho enquanto cidadão português, desde que a Administração Pública portuguesa, as autoridades portuguesas, os tribunais portugueses, os tribunais federais sejam obrigados a aplicar direito, a aplicar procedimentos, a aplicar processos que sejam de fasquia mais elevada e de maior qualidade do que aqueles que aplicam agora!
Prefiro ter - peço desculpa de o dizer, sendo português - face a mim o fisco inglês do que o fisco português; prefiro ter os tribunais fiscais ingleses do que os tribunais fiscais portugueses; prefiro ter uma fasquia mais elevada de tutela dos meus interesses e dos meus direitos, mesmo que tal seja assegurado por via da União Europeia, do que uma tutela menor; prefiro ter direito da concorrência europeu do que direito da concorrência português - o direito da concorrência português não existe, não existem autoridades capazes de o aplicar e, portanto, prefiro ter o direito europeu da concorrência.
Isto é, entre uma coisa que me desapropria de direitos - a ordem jurídica portuguesa - e uma coisa que me atribui direitos, prefiro uma coisa que me atribua direitos, mesmo que eu seja português e que a atribuição dos direitos seja feita por esta via enviesada, que não deveria ser necessária, mas que é!
Nessa medida, o problema que se coloca é o seguinte: deveremos nós ter regras limitativas de extradição entre os Estados que pertencem à União Europeia ou regras eventualmente diferentes? Devemos nós ter crimes federais? Deveremos ter extradição para crimes federais, e apenas para esses, ou extradição entre acordos? Para tanto, basta pegar na lógica americana: o sistema americano tem extradição para crimes federais, não tem extradição, senão através de acordos de reciprocidade, entre os Estados federados para os crimes internos, por exemplo. Uma decisão de não extradição ou uma decisão de julgamento relativamente a um crime num Estado faz com que a pessoa não possa ser julgada noutro Estado federado pelo mesmo crime. Por exemplo, a regra do non bis in idem existe dentro de todo aquele espaço e, portanto, penso que podemos aprender com esse sistema muitas coisas.