Quanto à redacção em concreto, escutei atentamente as prudentes considerações do Sr. Deputado Jorge Lacão mas devo apenas deixar-lhe uma nota.
Concordo consigo, Sr. Deputado, em defesa da sua proposta no sentido de uma redacção mais enxuta relativamente à adesão ao TPI. Concordo, pois, consigo quando diz que na Constituição da República se deve evitar tomar posições definitivas relativamente a determinados modelos. Obviamente, estou de acordo com esta sua apreciação. Só que, Sr. Deputado, não podemos é confundir a tomada de posições relativamente a modelos com a assunção de pressupostos e de princípios que devem basilar, no caso concreto, a adesão de Portugal a uma determinada lógica internacional. Essa é uma confusão que não pode perpassar os nossos trabalhos.
Quando o PSD propõe a norma de permissão ao legislador ordinário para adesão a um modelo como é o Tribunal Penal Internacional, o legislador constituinte não deve indicar que a adesão é ao tribunal A, B ou C, deve é dizer que Portugal pode aderir em nome de determinados princípios e registados que estejam determinados pressupostos. Se assim não for, estaremos a abrir uma porta que fica escancarada para sabe-se lá o quê. Obviamente, isso iria contra o próprio espírito programático que a nossa Constituição assumidamente tem desde 1975.
Portanto, para nós, uma coisa é não tomar posições definitivas sobre um determinado modelo - quanto a isso, estamos de acordo -, outra coisa é evitarmos ou deixarmos de registar princípios e pressupostos à luz dos quais Portugal pode ou não aderir a uma determinada lógica transnacional.
De resto, como o Sr. Deputado bem sabe, é precisamente isso que já acontece na nossa Constituição, no próprio artigo 7.º, quando se fez a revisão extraordinária, em 1992, a propósito da constituição da União Europeia. Naquela altura, o legislador constituinte poderia ter dito que Portugal aceitava aderir à União Europeia, só que, do ponto de vista desse legislador, tal seria um erro e não ficou expresso na Constituição. Ora, do ponto de vista do PSD, devo dizer que continuamos a entender que teria sido um erro crasso se tivesse sido escrito que se aceitava a União Europeia, leia-se toda e qualquer união europeia até, por absurdo, eventuais uniões europeias em cujos princípios fundamentais Portugal não se revisse.
O que se fez, em 1992, foi dizer que Portugal pode integrar a União Europeia em condições de reciprocidade - e toda a gente sabe que a CEE assentava numa lógica de reciprocidade, mas nem por isso o legislador considerou repetitivo colocar isso na Constituição. O que estava em causa não era tomar posições sobre o modelo concreto de Maastricht ou outro, tanto que o modelo está em evolução e continuará a evoluir, o que é sinal de que a Europa não estagnou. Coisa diferente é dizermos que aceitamos uma lógica internacional, neste caso o Tribunal Penal Internacional, à luz de determinados princípios e desde que estejam salvaguardadas determinadas regras, determinados pressupostos. É isso que propomos no nosso texto.
O Sr. Deputado dirá que, quando o PSD diz que "Portugal aceita, em condições de complementaridade face à jurisdição nacional", o princípio da complementaridade já está nos Estatutos de Roma e nós diremos que sim, que está, mas que, como está, amanhã poderá não estar! Da mesma forma que foi colocado no Tratado, amanhã, numa revisão do Tratado, pode deixar de estar! O Sr. Deputado dirá: "Isso é um absurdo!". Não sei se é absurdo ou não, o que é certo para mim é que aquilo que leva o PSD e aquilo que deve levar o Estado português a aceitar, na sua Lei Fundamental, uma eventual adesão a esse Tribunal Penal Internacional são princípios. Nós temos de nos reger por princípios! Então, digamos aqui, como se faz já no artigo 7.º, a propósito, nomeadamente, da União Europeia, e a outros propósitos, como, por exemplo, das relações de amizade com outros povos, que aceitamos essas relações internacionais, desde que registados determinados pressupostos, ou seja, deixando aqui, claramente, de forma indirecta, o aviso de que, no dia em que, eventualmente, o Tribunal possa - e, desejavelmente, é bom que esse dia nunca chegue - evoluir para formas que não respeitem estes princípios, Portugal terá, com certeza, de se retirar ou terá de ponderar muito seriamente a sua posição dentro do Tribunal, por um imperativo constitucional. E todos os Srs. Deputados sabem perfeitamente a diferença que isto encerra!
Uma coisa é, de hoje para amanhã, ter de se ponderar a ratificação ou não dos Estatutos do Tribunal, ratificação essa que é feita por uma maioria simples na Assembleia da República, outra coisa será a apreciação de uma alteração dos Estatutos do Tribunal, no plano dos princípios fundamentais que o enformam, e se essa apreciação tiver de ser feita por uma alteração constitucional, porque aí exige-se um consenso qualificado dos representantes do povo português, mais alargado do que a maioria simples, de uma maioria qualificada de 2/3, o que dá garantias de estabilidade e garantias acrescidas aos portugueses relativamente à verificação e ao cumprimento de princípios que, neste momento - não ouvi ninguém contestá-lo e, evidentemente, ninguém o contesta -, são aqueles que nos levam a aderir ao TPI. Mas, se de hoje a amanhã deixarem de ser os princípios que enformam o TPI, com certeza, do ponto de vista do PSD, Portugal não deve lá continuar.
É essa a nossa posição neste momento e, portanto, a abertura constitucional para a adesão não deve ser… Mas também é verdade que não deve tomar posição no sentido, que nos parece errado, de se referir a um modelo concreto, como sucede, com toda a franqueza, com a proposta do Partido Socialista - eventualmente, apenas por comodidade, porque já foi assim, por exemplo, na República francesa, na alteração da Constituição francesa -, tomando uma posição relativamente ao Estatuto do Tribunal assinado em Roma, no dia 17 de Julho de 1998, porque, de hoje a amanhã, há uma alteração dos Estatutos que terá, necessariamente, uma data diferente, porventura, a data de 18 de Julho de 2005, uma vez que existe um período mínimo de 7 anos para a revisão, e teremos de ir a correr rever a Constituição, ainda que essa alteração possa ser uma alteração minimalista, irrelevante, em termos meramente procedimentais.
O Sr. Osvaldo Castro (PS): - Não insista nisso, porque já retirámos a referência à data!
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Portanto, Sr. Deputado, há aqui distinções a fazer relativamente àquilo que é a tomada de posições quanto a um modelo concreto e aquilo que é a assunção de pressupostos e de princípios que devem sempre enformar a adesão do Estado português a determinado tipo de organismos internacionais, ainda por cima com a relevância deste, do Tribunal Penal, a qual tem, obviamente, implicações directas e gravosas nos direitos