SESSÃO N.° 14 DE 5 DE FEVEREIRO DE 1902 9
para mim quasi um culto, uma paixão da minha vida, encheu quasi a minha mocidade, mas, com franqueza, o declaro: esconder-me-hia no escuro retrahimento, onde se somem as mais escuras e amargas illusões.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem.
(O orador foi muito cumprimentado).
(S. Exa. não reviu as notas tachygraphicas).
O Sr. João Arroyo: - Começa por ler a seguinte moção:
«A Camara, satisfeita com as explicações do Governo, passa á ordem do dia. = João Arroyo».
Continuando, diz que mais uma vez endereça ao seu amigo, Sr. José Maria de Alpoim, como a seu irmão, o Sr. Ovidio de Alpoim, as suas mais sinceras condolencias pelo grande golpe que acaba de feri-los.
No discurso que acaba de ouvir, com o agrado com que sempre escuta a palavra do illustre Deputado, houve apenas uma observação que o feriu. Foi quando S. Exa. disse: «O Governo ordenará á sua maioria».
Lembra ao illustre Deputado que as relações que prendem o Sr. Presidente do Conselho á sua maioria, são precisamente as que prendem o Sr. José Luciano de Castro ás maiorias progressistas. De resto nem o Sr. Hintze, pelos primores da sua educação pessoal, seria capaz de exercer uma pressão de tal ordem, nem a maioria, em cujo nome fala, podia sujeitar-se a ella. E como deseja, ao usar da palavra, limpar o horizonte de algumas nuvens que sobre elle acastellou o discurso do Sr. Alpoim, vae, tão rapidamente quanto possivel, responder aos pontos capitães que S. Exa. tocou.
Nos ultimos dez minutos da sessão de sabbado, S. Exa. cultivou o genero de eloquencia que melhor vae ás qualidades da sua palavra o levantou-se indignado contra o Sr. Presidente do Conselho, como se nas palavras do Sr. Hintze tivesse havido alguma cousa que não se pudesse dizer, relativamente aos motivos que o levaram a dissolver o Parlamento.
E, entretanto, é de todos os dias trabalhar o Governo com uma Camara adversa, acceitar a sua collaboração, e, a seguir, sem muitas vezes, sequer, lhe dizer obrigado, dissolvê-la. É este um facto corrente no meio constitucional.
No primeiro discurso que proferiu, o Sr. Alpoim, contrariando a sua natural tendencia, entrou em materia de orçamentos, o que dá um duplicado valor ao seu merito.
Hoje apenas apontou um facto pormenorizado: o da despesa com a Escola Normal de Coimbra; mas esqueceu que apenas se trata da applicação de uma lei de 1897, de iniciativa progressista, que estabeleceu o principio de que funccionem quatro escolas normaes, podendo ser criadas em Coimbra mais duas; e equivocou-se ainda quando imaginou que a receita para essa despesa pudesse vir de outra fonte que não fosse o fundo de instrucção.
Sobre empregados contratados, sobre lei de aposentações, sobre todos os assumptos, emfim, de que S. Exa. tratou, apenas com palavras, respondeu o Sr. Presidente do Conselho com factos, e emquanto não vierem outros factos contrapor-se-lhes, é o Sr. Presidente do Conselho quem tem razão.
Quanto á accusação de que os decretos conteem dentro em si novas auctorizações, dirá que é costume vulgar estabelecerem-se nos documentos que regulam quaesquer serviços de administração, principios geraes dentro dos quaes se ha de localizar a receita; e se ella não chega, o dever do Governo é respeitar a insufficiencia d'essa receita, porque só o Parlamento pode preenchê-la.
Uma outra accusação de S. Exa. versou sobre o ponto capital de se saber, se a despesa tinha sido ou não aggravada pelo Governo.
Onde ha despesa nova, a consequencia fatal é que ella tem de ser compensada, e o Governo, estabelecendo fontes de receita, não fez mais do que regular leis existentes da responsabilidade do partido a que pertence o Sr. Alpoim.
S. Exa. reservou para o fim a surpresa maior, o tiro mais certeiro e citou o procedimento d'elle, orador, em 1894, quando em sessão de 20 de outubro, tendo como hoje tem, a honra de dirigir a maioria, apresentou uma proposta semelhante á que S. Exa. agora apresentou.
Mas, em 1894, o gabinete regenerador succedia a um gabinete presidido pelo Sr. Dias Ferreira e, vindo á Camara, encontrara medidas dictatoriaes do anno anterior e medidas dictatoriaes dos annos de 1891 e 1892.
Propôs, portanto, elle, orador, que se nomeassem duas commissões para apreciarem esses diplomas e essas commissões foram nomeadas.
Como se vê, isto nada tem com o que S. Exa. pede agora á Camara; as circumstancias eram então diversas, e desde que o simile não existe, elle, orador, rejeitando a proposta do Sr. Alpoim, procede hoje tão correctamente, como procedeu em 1894.
Alem d'isso a commissão de 1894 nunca chegou a funccionar e se o Sr. Alpoim, Ministro de Estado honorario, tiver duvidas a esse respeito, pode pedir informação ao Sr. Deputado José Maria da Alpoim de Cerqueira Borges Cabral.
Terminou S. Exa. por affirmar a unidade partidaria entre os seus correligionarios, a sua disciplina partidaria, e a deliberação tomada pelo partido progressista de executar, até ao seu ultimo esforço, as declarações feitas nesta casa do Parlamento pelo Sr. Beirão.
É sempre livre ás opposições a escolha do momento para discutir os actos politicos do Governo; mas tambem é livre ao Governo acceitar, ou não, essa discussão, na opportunidade e pela forma por que a opposição a tiver apresentado.
Ha, porem, uma affirmação, saida dos representantes do partido progressista, quer na Camara, quer na imprensa, e até mesmo nas conversas particulares contra a qual elle, orador, protesta; é que a orientação d'esse partido é um caso interior, intimo, da sua consciencia, e mais nada.
Protesta contra isto, porque a attitude de um grande partido monarchico é um facto de grande influencia e alcance sobre a politica da nação.
S. Exas., individualmente, pertencem ás suas famílias, aos seus amigos; mas, nas suas deliberações e responsabilidades partidarias, pertencem ao seu partido; e, como membros de um partido monarchico, pertencem a uma das fracções em que se divide a familia monarchica portuguesa; S. Exas. são da nação, são um - proprio nacional! (Risos).
No dia em que se declarou aberta a sessão parlamentar, a attitude do partido progressista chegou a causar, não receio, mas surpresa; era a de um silencio modelado, calculado, desde os seus soldados mais destemidos, até aos seus chefes. Nesse dia estavam presentes quatro marechaes d'esse partido; e elle, orador, fitando as suas physionomias, parecia-lhe que estava imminente terrivel tempestade, da qual surgiria grande catastrophe politica. Via o Sr. José de Alpoim, colerico; o Sr. Augusto José da Cunha, curvado, sobre a sua poltrona, com ares de conspirador; o Sr. Beirão agitando os braços, e o Sr. Villaça deixando cair, sobre o seu rosto suavíssimo, uma lagrima sentida, como que a chorar a queda da Babylonia. Estava, naturalmente, nesse momento, pensando no sou jornal, em que toda a gente entra, manda, dirige e escreve, menos S. Exa.! (Risos).
Depois, viu elle, orador, que S. Exas. sairam da sala; mas mais tarde, notando que mudavam de attitude, e se mostravam irrequietos, impacientes, concluiu que o caso não era com a maioria, era com S. Exas. proprios! (Risos).