SESSÃO DE 27 DE JANEIRO DE 1886 229
Se à camara não fosse tão benevola, não tinhamos este documento, porque naturalmente ficava nas gavetas das secretarias, sem que fosse possivel trazel-o á luz publica, como succede com tantos outros.
N'este documento diz-se, e mais de uma vez, que ha necessidades urgentissimas a satisfazer com respeito á instrucção publica.
Tendo-se creado o conselho superior de instrucção publica, tendo funccionado no anno findo pela primeira vez, e tendo-se publicado o relatório em que se apontam necessidades na instrucção que é urgentissimo remediar, mal parece que o governo e principalmente o sr. ministro do reino se esquecesse do seu conselho e das providencias por elle indicadas, esquecendo-se assim da instrucção publica que tantos cuidados e desvelos deve merecer a todos.
A camara ha de notar que já em outras occasiões se tem chamado a attenção dos srs. ministros para o estado da instrucção em geral, e principalmente para o estado da instrucção secundaria.
Diz se n'este relatorio que a reorganisação da instrucção secundaria é urgentissimamente requerida, e comtudo o sr. ministro do reino nem sequer nos annuncia a apresentação de alguma proposta concernente ao assumpto.
Se nós estivéssemos em duvida a respeito da solicitude do sr. ministro do reino para com a instrucção publica, teriamos um facil desengano ao ler o Diario do governo de ante-hontem. Ahi vem uma prova concludentissiraa da solicitude e do cuidado com que s. exa. trata dos assumptos de instrucção publica. Refiro-me ao Diario do governo de 25 d'este mez, onde vem publicado um decreto, cautelosamente datado de 30 de dezembro, regulando de um modo diverso o que estava estatuido no regulamento da lei de 2 de maio de 1878, com respeito às commissões inspectoras das escolas normaes, porque, pela nova lei relativa ao municipio de Lisboa, a junta geral do districto deixou de ter a seu cargo um certo numero de despezas com as escolas normaes, que passaram para o estado.
Mas o estado descansou com respeito á execução deste artigo déste, porque só em 25 de janeiro, só tardiamente, o sr. ministro do reino publicou o decreto a que me referi, decreto que, apesar de datado de 30 de dezembro ultimo, só póde ter execução, creio eu, depois de publicado no Diario do governo.
Isto mostra a solicitude especial com que o sr. ministro do reino se occupa das questões de interesse publico.
Não ha prova mais cabal da sua solicitude.
Basta que tomemos de cima d'aquelle fogão o Diario do governo, que lá está, para se ver como o sr. ministro do reino se esqueceu durante vinte e cinco dias da publicação de um decreto, de que já se tinha esquecido não sei quantos mezes de fazel-o assignar e referendar, porque se tratava de uma medida que devia começar a executar-se no mez de janeiro d'este anno.
Mas ha outros pontos que são igualmente esquecidos no documento.
Todos nós sabemos que de ha um certo tempo para cá se falla no mau estado da nossa agricultura.
Todos nós sabemos que ha annos começaram os trabalhos de um inquerito agricola, e esses trabalhos foram postos de lado, ao que parece, porque nunca mais se ouviu fallar n'elles.
Mas se agora chegou á occasião de cuidar das cousas de administração e de finanças, pondo completamente de parte a politica, parece-me que deviamos tratar do que póde desenvolver a riqueza publica, occupando-nos do que póde contribuir para augmental-a, porque, por mais medidas que se tomem com respeito a finanças, se não houver matéria collcctavel, essas medidas para nada servem. O sr. ministro das obras publicas nada nos diz a respeito da agricultura.
Parecia que o sr. ministro das obras publicas, que entrou de novo para o governo, nos podia trazer alguma cousa, fructo dos seus estudos durante os ocios da governação; estava naturalmente indicado que s. exa. lembrasse alguma providencia com respeito ao estado agricola do paiz, com respeito á questão que tantas vezes tem chamado a attenção, não só dos agricultores, mas dos consumidores, e de todos; pois é notável que nem um só palavra se diga neste documento com respeito a quaesquer providencias relativas ao fomento agricola, e digo fomento, porque não basta empregar esta palavra apenas sob o ponto de vista de certos melhoramentos materiaes, como tem feito o sr. presidente do conselho.
Mas não são só estas medidas que esqueceram. Ha algumas que podiam escapar, porque os srs. ministros não voltam sempre as suas attenções para ellas, mas ha outras que deviam estar tanto na sua mente que não as podiam esquecer.
Por exemplo, uma que esqueceu ao sr. ministro do reino.
S. exa. que está á testa da administração civil, parece que devia sentir por isso mais á necessidade d'esta medida, a necessidade do registo civil.
O sr. ministro do reino, quando foi ministro da justiça, conheceu a necessidade do registo civil.
Já lá vão sete ou oito annos; nestes sete ou oito annos s. exa. passou da pasta da justiça para a do reino, pasta onde devia sentir mais a necessidade do registo civil, d'aquelle registo civil de que nos fallava ha sete ou oito annos como uma medida inadiável; pois nem sequer se lembra d'elle, está completamente esquecido de tal assumpto.
O que se me afigura é que de ha um tempo para cá s. exa. anda apostado, empenhado, em deitar fora todas as apparencias e exterioridades de liberalismo com que se enfeitou durante muito tempo!
Não, posso achar a rasão porque seja isto. Só se fosse com receio do illustre presidente do conselho; mas em verdade o illustre presidente do conselho é sempre, como aqui se tem dito tantas vezes, de uma cortezia inexcedivel, que de certo não é por causa de s. exa. que isto acontece; mesmo por outro motivo, porque quando o sr. ministro do reino julgou, que está medida era inadiavel, tinha por companheiro no governo o illustre presidente do conselho. Por consequência s. exa. não é, não póde ser quem embaraça esta medida; o embaraço vem de outra parte e não sei a quem o attribua.
Sr. presidente, se acaso me fosse licito, talvez dissesse, que o sr. ministro do reino está com um certo receio do seu collega da fazenda, porque em verdade aqui ha una dias o sr. ministro da fazenda nesta camara tomou uns taes ademanes, uma tal posição, uns taes ares de
Sic volo; sic jubeo; sit pro ratione voluntas.
Que bem parecia s. exa. andar menos empenhado em organisar a guarda fiscal, do que em formar uma guarda pretoriana; verdadeiramente pretoriana, e com que cuidados s. exa. tratava de vestir, agaloar e graduar essa guarda de modo que ficasse, como auctoridade, bem pintada e sarapintada! (Risos.)
Mas não receava que a taes auctoridades se applicasse o que dizia o grande orador francez: "L'autorité, entre les mains d'un parvenu, le rend insolent..."
E é a isso que de ordinário fica reduzida sempre a auctoridade, quando não é conquistada justa e devidamente, mas é simples e unicamente distribuida pelas graças e favoritismos do poder, a este ou áquelle parvenu!
A hora está muito adiantada e eu não queria deixar de concluir hoje, mas em verdade, da parte de que mais desejava occupar-me, nem sequer comecei a fallar.
O sr. Ministro da Fazenda (Hintze Ribeiro): - O illustre deputado é sempre tão cordato nas suas observações, que não duvidará explicar, se a sua citação franceza é dirigida a mim; o logar que occupo conquistei-o pelo meu trabalho no parlamento.