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DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS
não só a minha, mas tambem a opinião do nobre presidente do conselho, que me está ouvindo.
De modo, que o sr. ministro da marinha julgando que fazia uma censura á pergunta do sr. Mariano de Carvalho, de feito só fez uma censura ao chefe do gabinete (Apoiados.) o ás idéas por este expostas em documentos publicos e officiaes, documentos que o sr. Thomás Ribeiro devia conhecer.
E essas idéas e essa opinião estão expostas no relatorio que precede o decreto de 31 de dezembro de 1852, onde se diz o seguinte:
«E necessario tentar todos os meios para chegar a este conhecimento (geológico do nosso solo); e por isso se adoptou o do dar, por meio do concurso, privilegio, por tempo e extensão limitada a companhias que emprehendam estes trabalhos de investigação de minas, que mal e muito incompletamente poderiam ser feitos por conta de particulares.» 1
Esses trabalhos preparatorios, para que o sr. ministro da marinha olhou com tanto desdém, chegando a imaginar que não havia sociedade alguma que só por amor da arte requeresse a faculdade de os executar, dizia o sr. Fontes que deviam ser dados a companhias e que deviam ser dados por concurso.
Portanto, a pergunta do sr. Mariano de Carvalho não é tão descabida, nem tão ociosa, nem tão impertinente como á primeira vista se afigurou ao nobre ministro da marinha.
Mas, continuemos a ver qual é a lei, ou se ha lei que permitta a concessão.
Eu já demonstrei que esta concessão é illegal, quer se refira ás pesquizas, quer se refira á exploração, quer se refira á lavra.
Mas, ha mais. O governo deu ao sr. Paiva de Andrada, e só a elle, todas as minas de oiro dentro de uma certa area, e o privilegio de usar, na sua exploração, machinas aperfeiçoadas.
Ora, este privilegio das machinas aperfeiçoadas acho-o eu verdadeiramente extraordinario.
Não sei que haja legislação que o auctorise; pelo contrario, sei que ha legislação que o prohibe. (Apoiados.)
Em a nossa legislação são reconhecidos dois privilegios: o privilegio de invenção e o privilegio de introducção.
A concessão d'estes privilegios está regulada pelo decreto de 31 de dezembro de 1852, o qual permitte ao governo dar o primeiro aquelle que fizer a descoberta de uma machina nova; e o segundo ao que descobrir um meio novo de fazer uma machina já conhecida.
O primeiro privilegio póde ser concedido por quinze annos, excepto havendo decreto motivado em causa de força maior, porque então esse privilegio póde ser dado por vinte annos; o segundo privilegio, que é o da introducção, só póde ser dado por cinco annos.
Eu comprehendo perfeitamente tanto o primeiro como o segundo privilegio. Ambos elles são o premio dado ao genio inventivo do auctor de uma machina e d'aquelle que a aperfeiçoou; são um galardão dos seus esforços e trabalho, são incentivo para novas tentativas, e são tambem o reconhecimento do direito de propriedade.
Estes privilegios comprehendem-se muito bem, mas o que não comprehendo é o privilegio dado ao sr. Paiva de Andrada, de usar machinas aperfeiçoadas, privilegio que é dado a um cidadão, que não inventou, nem introduziu machina alguma aperfeiçoada!
Sr. presidente, não se entende bem o que seja este privilegio de usar machinas aperfeiçoadas durante vinte annos, e preciso de dar um exemplo á camara para dizer qual a idéa que formo d'este privilegio e d'esta concessão.
Supponhamos que um cidadão qualquer, um proprietario, um lavrador abastado, o sr. Carlos Relvas, por exemplo, que a camara conhece muito bem, cavalheiro muito estimado e a cujos predicados todos nós prestamos homenagem, (Apoiados.) supponhamos que o sr. Carlos Relvas se dirigia ao governo e fazia um requerimento formulado nos seguintes termos:
«Senhor. — Diz o cidadão Carlos Relvas, que pretendendo tirar a industria agricola do abatimento em que está no nosso paiz e especialmente na provincia da Estremadura, precisa se lhe conceda o privilegio do usar de machinas aperfeiçoadas de lavrar, semear e debulhar, por vinte annos; etc..
Por isso pede a Vossa Magestade se digne deferir. — E. R. M.»
Supponhamos que o governo fiel ao seu pensamento, pensamento em que se inspirou quando concedeu ao sr. Paiva de Andrada, na provincia do Moçambique, o privilegio exclusivo do usar de machinas aperfeiçoadas, com o intuito de melhorar ali a industria mineira, supponhamos que o governo responde ao sr. Carlos Relvas, como respondeu ao sr. Paiva de Andrada, e diz no requerimento:
«Passe-se decreto em conformidade do requerido.»
O sr. Carlos Relvas telegraphava immediatamente para os seus correspondentes de París, de Londres e de Nova-York, e mandava vir as machinas melhores que lá encontrasse para os trabalhos agricolas, e começava a fazer uso dellas.
E exactamente a mesma concessão que se fez ao sr. Paiva de Andrada (Apoiados.)
Vejamos agora os resultados d'isto.
Um vizinho do sr. Carlos Relvas queria tambem usar das machinas aperfeiçoadas, porque a observação lhe dizia, porque os seus olhos lhe estavam mostrando todos os dias, que o sr. Carlos Relvas, com as suas machinas aperfeiçoadas, poupava muito trabalho, poupava muitas despezas e tinha productos mais perfeitos e mais baratos. E que fazia?
Fazia uma encommenda tambem igual para Inglaterra, para França e para os Estados Unidos, do machinas aperfeiçoadas, como aquellas que tinham vindo dar tão bom resultado nas terras que o sr. Carlos Relvas amanhava. E quando ellas chegassem tentava fazer uso dellas.
Mas o sr. Carlos Relvas é que não dava licença, e fundado no seu privilegio, vinha logo e dizia — veto, não póde ser, eu só tenho privilegio exclusivo de usar de machinas aperfeiçoadas na industria agricola em toda a provincia da Estremadura, a ninguem mais é permittido usar d'essas machinas.
E se o seu vizinho respondesse: «mas eu tambem sou cidadão portuguez e tenho os mesmos direitos, os mesmas regalias, as mesmas faculdades que têem todos áquelles que vivem n'esta terra, que é governada pela carta constitucional».
O sr. Carlos Relvas encolhia os hombros e laconicamente respondia:
«Tudo isso será verdade, mas o decreto do privilegio está no meu bolso, e se continua, chamo-o aos tribunaes.»
O privilegio dado ao sr. Paiva de Andrada para elle e só elle usar de machinas aperfeiçoadas na exploração de minas de oiro na Zambezia, é perfeitamente identico aquelle que se daria ao sr. Carlos Relvas para que elle e só elle explorasse a industria agricola, usando de machinas aperfeiçoadas.
Debaixo do ponto de vista da legalidade, a differença é absolutamente nenhuma.
Na Zambezia, como na Estremadura, vigora a carta constitucional.
Na Zambezia, como na Estremadura, são prohibidos os privilegios pessoaes, os privilegios que atacam e destroem direitos que a todos pertencem.
O nobre ministro da marinha para mostrar que podia dar este privilegio de explorar qualquer mina de oiro, citou, ou lembrou á camara o § 2.° do artigo 45.° do decreto de 4 de dezembro de 1869.
E eu antes de ir mais longe preciso mostrar que este artigo nada diz para o caso.