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SESSÃO NOCTURNA N.° 45 DE l DE ABRIL DE 1902 9

Não o pode contestar; não é, porem, tão indifferente ás questões do Ministerio da Guerra como a alguns poderá parecer. Já por mais de uma, vez tem discutido estes assumptos no Parlamento com homens como Moraes Sarmento, Ferreira do Amaral, Dantas Baracho, Avellar Machado e outros; e, todavia, nunca nenhum d'elles o achou incompetente para entrar em taes questões, nem lhe respondeu nunca com anedoctas.

A este proposito, lê o orador á Camara alguns trechos de discursos que pronunciou, na sessão de 16 de abril de 1898, quando se discutia o orçamento do Ministerio da Guerra, em justificação de varias propostas que então apresentou.

O Sr. Presidente: - Adverte o orador de que deu a hora.

O Orador: - Haverá numero na sala?

(Pausa).

O Sr. Presidente: - Ha numero sufficiente.

O Sr. Raposo Botelho: - Sr. Presidente: entro neste debate em condições bem desfavoraveis para mim, porque, sendo um dos taes anonymos a que se referiu o Sr. Oliveira Mattos, tenho que me medir com um orador de temperamento essencialmente parlamentar, de palavra fluente e elegante, e que, para mais, trabalha e estuda. (Apoiados).

É de justiça prestar homenagem a quem se esforça por corresponder tão galhardamente ao logar que occupa.

Foi, porem, S. Exa., como quasi sempre, excessivamente apaixonado nas suas apreciações; e, embora tomasse, por vezes, a attitude grave e irada de Jupiter Olympico, procurou desanuviar as severidades de Tacito com o espirito satyrico de Juvenal, sem se esquecer de entremear tambem a sua phrase latina, que fica sempre bem como nota de erudição.

Não me permitte a estreiteza do tempo acompanhar S. Exa. na longa viagem que fez através de todas as provincias da publica administração, sem se esquecer de passar pela sua dilecta Arganil; mas julgo-me feliz, Sr. Presidente, por poder começar concordando com S. Exa. num ponto, que é: a utilidade resultante dos illustres Deputados da opposição cooperarem com o seu trabalho e estudo, qualquer que seja o assumpto, para que as leia saiam d'esta casa, por forma a honrar o Parlamento Português.

E, se S. Exa. houvesse assistido á sessão, da Camara, a que vem de referir-se, teria ouvido que foi feita a devida justiça ao estudo, que revelara, quando tomou parte na discussão do orçamento da Guerra, accentuando-se tambem, por essa occasião, o judicioso principio de que, para entrar em qualquer debate parlamentar, não é preciso ser-se profissional do assumpto a versar; basta ter talento e estudar. (Apoiados).

As questões que se referem á organica militar são complexas, como todos os problemas de sociologia; mas, ainda assim, perfeitamente accessiveis, a quem tenha o espirito orientado no estudo de assumptos de caracter social.

Para as applicações praticas da sciencia da guerra, Sr. Presidente, é que se torna necessario o saber profissional, porque só a pratica de lidar com as tropas e de resolver no terreno os problemas tacticos é que pode dar a aptidão technica dos chefes militares.

Mas, a tanto não vão, certamente, as pretenções do illustre Deputado, a que me é dada a honra de responder, não obstante o Sr. Mendes Leal, pela insistencia com que S. Exa. discute os projectos militares, lhe haver já conferido a elevada graduação de brigadeiro.

O Sr. Oliveira Mattos: - Acompanharei o exercito com alma e coração, quando seja preciso defender a patria.

Creia V. Exa. que não hei de ficar para trás.

O Orador: - Faço inteira justiça aos acrisolados sentimentos de brio e patriotismo de V. Exa.

Proseguindo, Sr. Presidente, na mesma ordem de idéas em que vinha falando, citarei um exemplo frisante de como, nos Parlamentos, são, por vezes, esclarecidos com toda a proficiencia por civis os assumptos militares.

Como V. Exa. e a Camara muito bem sabem, desde alguns annos, e sobretudo desde 1900, que no Parlamento Francês está em uso aproveitar a discussão do orçamento da Guerra para versar os mais graves problemas da organização do exercito, e os relatorios da respectiva commissão constituem, por isso, como que desenvolvidos tratados de organica militar e da arte da guerra.

Pois, Sr. Presidente, o auctor do relatorio de 1900 foi um civil, M. Camille Pelletan, e o do relatorio d'este anno, que conta 600 paginas em grande formato e tem dado assumpto para as mais largas discussões nos jornaes technicos, não é tambem militar de carreira, mas sim, segundo creio, um empregado de commercio e apenas official do exercito territorial, M. Berteaux.

Mas não preciso ir buscar exemplos de fora, porque os temos, e bem honrosos, de casa.

Quando no nosso Parlamento foi discutida a lei de recrutamento de 1887, este grave assumpto, que constituo como que a lei constitucional do exercito, foi debatido por muitos illustres Deputados civis com a maior elevação e proficiencia, e o Sr. Conselheiro Alpoim pronunciou então um discurso tão recheado de salutares principios, de judiciosas apreciações e de eruditas elucidações historicas, que, por mais de uma vez, a esse discurso recorri, quando professor, para illustrar as minhas lições.

O Sr. Oliveira Mattos: - Não me chegou o tempo. Eu tambem tinha os meus apontamentos da lei de recrutamento. Tem muitos erros. Tem muitissimos erros.

O Orador: - Se esse importante diploma vier á tela da discussão e me for permittido usar da palavra, espero mostrar a V. Exa. e á Camara que não é bem assim.

Creio, pois, Sr. Presidente, estar bem radicada em toda a Camara a conveniencia da discussão de qualquer assumpto não ficar circunscripto ao grupo dos profissionaes.

O illustre Deputado Sr. - Oliveira Mattos, no seu longo discurso, referiu-se ás enormes despesas, que no nosso país teem sido feitas desde meados do seculo findo, e disse não saber para onde tinha ido tanto dinheiro.

Oh, Sr. Presidente, é realmente não querer comparar o estado do pais hoje com o que era antes do celebre movimento revolucionario da Regeneração.

As estradas, os caminhos de ferro, os telegraphos, os pharoes, os portos artificiaes, as escolas, tudo isto fez se de graça? (Apoiados).

O illustre Deputado bem sabe que os progressos operados no seculo XIX foram de tal ordem, que se volveram em realidades muitos dos mythos que a antiguidade hellenica attribuia aos seus heroes, de natureza semi-divina.

Assim, Lesseps realiza a lenda das colúmnas de Hercules e une dois mares; as officinas do Creuzot e de Krupp, onde se fabricam esses possantes canhões, que semeiam a devastação e a morte, fazem lembrar as officinas cyclopicas, onde Vulcano forjava o raio; e não tardará que um Santos Dumond ou um coronel Renard se libre nos ares, como outr'ora Icaro, sem o perigo de que Phebo lhe derreta as asas.

Mas todo este progresso custa dinheiro e muito dinheiro. (Apoiados).

Não posso seguir todos os pontos do discurso do illustre Deputado, porque o tempo me vae escasseando; mas não quero deixar de referir-me aos immerecidos reparos feitos a um acto de justiça praticado para com os professores de ensino secundario. Ora S. Exa. que sempre se tem mostrado tão dedicado amigo da instrucção...

O Sr. Oliveira Mattos: - Eu não combati o acto de justiça, o que combati foi a inopportunidade do acto; e protestei que haja uma classe privilegiada, e que ás ouras, como a dos amanuenses, dos escripturarios, dos professores de instrucção primaria, não se faça justiça.

O Orador: - Mas para esses casos, embora muito dignos de consideração, é preciso promulgar leis, que façam a devida justiça, ao passo que para os professores dos ins-