SESSÃO NOCTURNA N.º 45 DE 1 DE ABRIL DE 1902 7
Quem tiver curiosidade e quiser saber, que vá consultar as actas da Camara Municipal de Lisboa ahi pelo anno de 1892 e talvez fique sabendo o que deseja.
Mas isto não é serio.
É preciso que a Camara saiba o que vota.
Augmenta-se a despesa, mas onde está a receita? Fica á consignação do deficit, que só serviu de papão para os amanuenses, como continuarei a demonstrar, soccorrendo-me a outra emenda do Sr. Relator Geral, que a commissão acceitou, e que merece serios reparos, sendo esta tambem assignada e votada por o professor e Deputado Sr. Alipio Camello.
Essa emenda refere-se á inscripção no orçamento do Ministerio do Reino, da gratificação de exercicio para os professores dos lyceus e que essa gratificação se divida por decimos, isto é, que seja paga em 10 meses.
O decreto de 22 de dezembro de 1894, que regula os vencimentos dos professores é clarissimo e divide o mesmo vencimento em categoria e exercicio, ou melhor, designa a gratificação que os professores poderão ter pelo exercicio.
É incontestavel que ha dois meses no anno, pelo menos, em que os professores não exercem o ensino, e a repartição de contabilidade nesses dois meses apenas lhe contava o vencimento de categoria, e parece-me que muito bem.
A emenda do Sr. Relator Geral quer que aos professores se conte a gratificação como se a vencessem em todos os meses, mas a somma d'estes divide-se e paga-se por 10 meses ou melhor, paga-se em decimos.
É o proprio Sr. Relator Geral, e o Deputado, professor, que assigna a proposta, a confessarem a correcção da repartição de contabilidade, quando considerava e contava 2 meses como não havendo exercicio.
A lei era clara, e a emenda representa um favor e não uma legalidade ou justiça.
Mas então porque é que se concede a uns o que se nega a outros? (Apoiados).
Os amanuenses não merecem esses favores?
Creio que não, e a prova é que o Sr. Ministro do Reino em dezembro ultimo fez a reforma da secretaria do Hospital de S. José, que é uma dependencia da Direcção Geral de Saude e Beneficencia do Ministerio do Reino, e por essa reforma os amanuenses da secretaria do hospital ficaram com o vencimento de 360$000?
Quer dizer os amanuenses da repartição inferior teem o vencimento de 360$000 réis emquanto que os da direcção geral superior apenas ganham 240$000 réis.
Será porque os amanuenses do Hospital de S. José tenham maiores exigencias de estomago do que os das Secretarias do Estado?
Não será uma iniquidade revoltante pagarem a empregados inferiores vencimentos mais elevados, do que os que recebem os de graduação superior? (Apoiados).
Continuemos ainda com a analyse do procedimento da commissão com relação a emendas.
Com respeito ao capitulo 10.°, artigo 25.°, secção 6.ª, ha uma emenda do Sr. Deputado Sarsfield, propondo que a verba para subsidios a viuvas e orphãos de officiaes do exercito seja no orçamento do Ministerio da Guerra elevada a 10:440$000 réis.
A commissão approva a emenda, porque representa apenas um augmento de despesa de 360$000 réis e é uma gota de agua lançada nesse mar de requerimentos de tantas pobres familias vivendo em desesperadas condições financeiras.
Oh senhores, que caridade enormissima desenvolveu a commissão para beneficiar 10 familias!
Ha só uma diferença, é que as beneficia contra a lei, porque contra lei já era a inscripção de 10:000$000 réis no Orçamento.
A commissão para justificar a verba, invoca lei de 28 de junho de 1880, que dispunha:
(Leu).
Então se a auctorização da lei de 1880 só permittia a concessão de subsidios até 3:000$000 réis, como é que essa verba se elevou a mais de 10:000$000 réis e ainda se propõe e acceita novo augmento?
Não será tudo uma completa illegalidade para proteger em muitos casos uma imprevidencia?
A lei era expressa em determinar que a quantia auctorizada somente podia ser destinada a subsidios ás actuaes viuvas e orphãos de officiaes do exercito, que não recebem pensão do Montepio Official por algum de tres motivos:
1.° Porque os paes ou maridos fallecessem antes da criação do montepio;
2.° Por não ter decorrido depois da fundação do montepio, o tempo preciso para adquirir direito a pensão;
3.° Por não ter sido permittido ao official o ingresso nessa associação.
É certo que a lei era só para as viuvas que em 1880, fossem taes, porque se refere ás actuaes. Não era para outras e o numero d'ellas deve ter diminuido muito.
Orphãos não os pode haver, porque os filhos de militares que eram menores em 1880, são inquestionavelmente todos maiores hoje e não se lhes pode já applicar a lei. Portanto, devia diminuir a verba auctorizada em 1880 e não augmentar como augmentou, e d'ella podiam ao menos deduzir 7:000$000 réis para a equiparação dos amanuenses nos seus vencimentos.
Mas não, este país vae sendo só quasi para militares. Até se subsidiam as viuvas e filhos menores que lhes ficam, e nem um real para as viuvas e orphãos dos funccionarios civis, que ás vezes ficam em tristissimas condições.
Ainda não ha muito que reparando na falta de um amanuense na minha repartição, soubemos que se achava doente, e pedimos a um distincto facultactivo que por caridade fosse visitar o infeliz, porque não tinha meios de lhe pagar a visita. O Sr. Dr. Silva Carvalho prestou-se da melhor vontade, e no seu regresso dizia-nos com verdadeira commoção na sua voz e com os olhos marejados de lagrimas, que era sem esperanças o estado do desgraçado, que morria de fome.
Eu não sei se em V. Exa. produzirá os horrores que me causou a affirmação de que morria de fome um funccionario a quem o Estado pede decencia, honestidade e trabalho, e recebendo tudo isso o deixa morrer de fome!
São muito magros os recursos dos empregados publicos mas entre os seus collegas de repartição e outros, tirou-se uma subscripção que sem demora se lhe mandou, mas não a chegou a receber. Fallecia no momento em que o portador ia fazer a entrega. Ao menos obstou a que a viuva e uma filha menor, que era a familia, que deixava, se finassem de fome tambem n'aquelles dias, porque em casa não havia um real, nem valores que empenhar. Havia lagrimas e dores.
Para o enterro e luto mandou o sr. Presidente do Conselho, por pedido nosso, que da verba de beneficencia se dessem 100$000 réis á viuva.
Aqui tem a Camara, para quem recorro da negação de justiça que me fez a commissão do orçamento, qual a abundancia em que vivem e morrem os amanuenses das Secretarias do Estado.
Este era dos que recebiam apenas 240$000 réis.
Como já tive occasião de dizer não pedia esbanjamentos, pedia justiça. Pedia que se fizesse uma distribuição mais equitativa dos dinheiros publicos e por forma que não fosse muito para uns, pouco para outros, e quasi nada para bastantes.
Não pedia para mim, como fizeram alguns, e tambem me considero muito mal pago, mas peores se encontram os amanuenses. Pedi que se desse comprimento a uma lei, e negaram-me o deferimento.