8 DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS
Apraz-me pois felicitar tambem calorosamente o Sr. Ministro Ribeiro, porque Exa. deu a este projecto tudo o que um estadista que não é technico na materia podia dar-lhe a sua força ministerial a sua protecção governativa. Até que, portanto, o meu incondicional apllauso. (Apoiados.)
Á urdidura technica do projecto não serei completa e accintosamente hostil. Algumas disposições vão todavia merecer a minha critica discordante, critica que farei, o Sr. Presidente, com o desafogo de um profissional convicto, e com a lealdade de um adversario politico, que preza, acima de tudo, a dignidade propria, e respeita a probidade dos outros. (Apoiados).
Sr. Presidente, ainda ha tres annos o nosso país contava algumas lacunas deploraveis em assumptos do capital importancia para as sciencias patrias e para ou mais altos interesses dos cidadãos e do Estado.
Refiro-me, Sr. Presidente, á medicina legal, á medicina militar á medicina colonial, á hygiene publica e á pharmacia. Todos estes valiosissimos ramos dos conhecimentos humanos, que tantos cuidados despertam nos paises de civilização adeantada, se achavam, entre nós, em uma lamentavel e vergonhosa inferioridade. (Apoiados).
No actual momento, a medicina legal e a hygiene publica vão num caminho de prosperidade que nos faz renascer esperanças de um futuro fecundo, brilhante e condigno do nosso seculo e da nossa nacionalidade. (Apoiados).
A medicina colonial já recebeu os primeiros impulsos nas duas casas do Parlamento, e a pharmacia inicia hoje os seus primeiros passos na senda do progresso. E ao falar nestes assumptos, Sr. Presidente, acodem-me aos labios os nomes dos notaveis estadistas que lhes deram curso legal; acodem-me aos labios, Sr. Presidente, os nomes de José Luciano de Castro, João Maria de Alpoim, Hintze Ribeiro e Teixeira de Sousa, para os apontar á consagração da patria e para os indicar á consideração e benemerência do país (Apoiados.)
Resta ainda a medicina militar. E folgo que esteja aditado naquella cadeira, ouvindo-me, o illustre Ministro da Guerra.
Perguntarei a S. Exa.: quando se realizarão as promessas que S. Exa. nos tem feito sobre a reforma dos serviços de saude?
Porventura quererá o illustre Ministro offerecer a classe medica em holocausto unico das economias do Ministerio da Guerra?
Talvez, embora isso seja profundamente injusto e de consequencias desastrosas para o exercito. (Apoiados).
Todavia, se o Sr. Ministro da Guerra não pensa em largas remodelações da medicina castrense e serviços correlativos, não deve abandonar estes importantissimos serviços auxiliares de um modo absoluto; porque, mais uma vez o affirmo, sem bons serviços de saude e de administração militar não ha mobilização possivel de um exercito. (Muitos apoiados).
S. Exa. sabe o que succedeu com a França em 1870. E como a Allemanha triumphou. (Apoiados).
Mesmo nos pequenos exercicios de campo que temos tido, sobretudo ao ultimo, as causas da pouca perfectibidas manobras derivaram principalmente da deficiencia d'estes serviços. Mas, sem ir de encontro ás economias do Thesouro, ha um ponto que entendo levar á ponderação de S. Exa. É a questão do concurso para medicos militares, relativamente á forma e á materia d'esse concurso.
Sr. Presidente: foi o Sr. Moraes Sarmento, antigo Ministro da Guerra, que estabeleceu o concurso para o ingresso no quadro dos medicos militares.
Teve este estadista em mira levantar o prestigio da classe medico castrense, pondo em pratica o processo de selecção mais genuino e mais geralmente adoptado e preconizado, especialmente nas lutas da intelligencia. O intento, Sr. Presidente, era pois digno de applauso, e eu merecidamente o applaudi.
Mas, nessa mesma opportunidade, publiquei, num jornal de medicina militar, do que era director, uma serie de artigos, discutindo e condemnando o modo por que se pretendia realizar o levantado principio do concurso. Concluia eu esse estudo por affirmar que, com tal systema de concurso, dentro em pouco os concursos ficariam desertos, ou cairiam na brandura dos nossos costumes, abrindo-se largas malhas por onde passariam todos os candidatos, ainda os menos proficientes.
A prophecia, Sr. Presidente, que aliás não exigia grande agudeza de engenho, realizou-se em toda a extensão. A principio, e durante um anno, não foi possivel apurar um medico militar. Depois fez-se a reacção da brandura e hoje é rara uma exclusão.
Sr. Presidente: não ha nação alguma da Europa, nem sei que a haja em outra qualquer parte do mundo, que inscreva na sua legislação militar provas do concurso iguaes ás nossas. Nem uma referencia, nem, ao menos, como a Hespanha, uma só lição de hygiene militar foi integrada no programam do concurso!! (Apoiados).
O regulamento dos actuaes concursos foi moldado pelo que vigora para o provimento dos facultativos do Banco do Hospital de S. José!
É pois manifesta a impropriedade da forma escolhida para os concursos medico-militares. (Apoiados).
Por isso, Sr. Presidente, não temos, no nosso país, preparação alguma especial, nem pratica posterior regularizada, da medicina militar.
Se o Sr. Ministro da Guerra, ou alguem, pensa que temos medicos militares, engana-se. Ha habilissimos medicos no quadro militar, honro-me de pertencer a essa classe, aonde se contam capacidades scientificas primaciaes; mas são excellentes medicos civis fardados, e não medicos militares. (Apoiados).
E ninguem melhor do que eu pode conhecer a deficiencia da nossa educação medico-castrense.
Sr. Presidente: o concurso estabelecido colloca os jurys, assim como colloca os candidatos, numa situação verdadeiramente embaraçosa para uns, e deprimente para outros. Por mais de uma vez fiz parte do jury de concurso e, Sr. Presidente, recordo-me ainda das difficuldades, das angustias e dos melindres da minha razão e da minha consciencia para resolver casos proprios de um tal concurso.
Pois, Sr. Presidente, como ha de um jury, estranho ao professorado medico, reprovar um candidato que acaba de ser plenamente approvado no seu curso, e ás vezes com distincção, por jurys das escolas superiores, e exactamente sobre as materias d'esse curso?! (Apoiados).
E, por outro lado, Sr. Presidente, não é doloroso, e injusto mesmo, que esses candidatos reprovados, indo exercer a sua clinica, nos partidos, sejam olhados pelo povo, o principalmente por instigação da intriga e da inveja sertaneja, como mediocridades que, num concurso, deram provas da sua insufficiencia?!
Pois não ha infelicidades de momento, que tem feito baquear talentos os mais brilhantes, individuos da mais comprovada sabedoria? (Apoiados).
Certamente.
Por isso, Sr. Presidente, parecia-me racional e justo que os candidatos a medicos militares dessem as suas provas sobre assumptos de medicina castrense, onde cabem problemas interessantissimos e indispensaveis. No caso de mobilização do exercito, necessita o medico militar de ter conhecimento dos principios geraes de tactica, e deve saber compulsar as cartas topographicas das regiões em que a guerra se desenvolve, conhecer e improvisar o material sanitario que pode faltar-lhe, etc., aliás vê-se embaraçado, e até impossibilitado de cumprir com as suas elevadissimas e humanitarias funcções.