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SESSÃO N.° 2 DE 4 DE MAIO DE 1908 5

como um irmão e doer-me-hia na consciencia a pusillanimidade do silencio pelo respeito ás regras de um convencionalismo formal.

Posso e devo dizer d'elle com justiça e verdade, sem offender a modestia, que vivi na intimidade do seu affecto e pude ajuizar o que havia de generoso e bom no seu grande coração; e se procuro inspirar a minha palavra nas lagrimas da minha saudade e se peço á dor da minha angustia que rediviva o morto querido para lhe desenhar o contorno, sinto que lhe, empallideço as formas, sem lhe aumentar a estatura.

O Conde da Ribeira era um bom, d'esta bondade que se sente, se admira e de que se goza. Não tinha um inimigo, nem deixou uma malquerença, porque cerrava a sua boca ás fezes do murmurio e abria a sua bolsa ás bençãos da esmola. Ouvi-o rir e chorar, rir os raros jubilos da sua alegria calma, chorar os muitos soluços da sua amargura dolorosa, pacientemente gemidos, longamente chorados, e era sempre o mesmo homem bom, de olhar affectuoso e meigo, que nem a. dor mais funda velava de sombra.

Um dia, na maior das suas angustias, quando a alma se lhe esfacelava e o coração .lhe ia em pedaços envolvido no mesmo sudario onde se amortalhava o maior affecto da sua vida, o Conde da Ribeira teve palavras de consolação para a dor de um estranho, que padecia pena igual; e elle, o mal consolado, tão ferido no que havia de mais sensivel na ternura do seu amor, póde não só dominar os soluços da sua magua pelo respeito da magua alheia, mas até desentranhar da amargura das suas lagrimas palavras de conforto e frases de piedade.

Este traço de per si pode bem definir a grandeza de uma alma.

Era um amigo leal e dedicado do Rei, mas era tambem um cidadão zeloso dos seus direitos e dos seus deveres. Herdara dos seus maiores o amor da liberdade, que elles tinham aprendido a venerar nos fortes da Junqueira e nas perseguições do despotismo. Assim o vimos nós exercer a sua augusta funcção de legislador com a mais nobre independencia, sempre leal á fé politica que professara.

Na impeccavel gentileza das suas maneiras e na aprimorada correcção do seu porte lia-se o lustre da sua nobreza, que a todos se impunha sem supervias nem orgulhos, mas o que sobretudo reçumava da sua pessoa, do seu olhar franco, do seu riso leal, da sua palavra affectuosa, era aquella bondade infinita do seu coração, capaz das mais heroicas generosidades.

E a bondade vale como o talento para as glorificações da apotheose, porque ella é tambem capaz de caracterizar uma vida.

Essa formosa feição do seu espirito, que todos lhe reconheciam e ninguem lhe contestava, ficará como o traço dominante da sua physionomia moral.

D'elle se pode dizer que tinha o Evangelho bem escrito no coração; e, se no desconforto do tumulo podem as lagrimas dos vivos aguentar ainda os regelos dos mortos, este teria a aconchegá-lo a caricia d'essa ternura, pelo muito que o choraram aquelles que tanto lhe quiseram.

Perdoe me a sua memoria a pobreza d'esta homenagem; e á Camara, que me ouviu, peço desculpa do meu desabafo. (Vozes: — Muito bem, muito bem).

(S. Exa. não reviu este discurso).

O Sr. Pimentel Pinto: — Sr. Presidente: ouvidas as vozes mais eloquentes da Camara, ouvidos os nossos mais brilhantes oradores, aquelles que, como João Arrojo, constituem as mais lidimas glorias do Parlamento Português, imperdoavel seria que depois d'elles eu tomasse a palavra, se essa não fosse a minha obrigação.

E, porem, no cumprimento de um dever, que venho prestar a homenagem do meu mais profundo respeito á memoria dos Dignos Pares fallecidos no intervallo das sessões parlamentares.

Se todos, pelas qualidades primorosas por que se distinguiram, honraram a Camara, a que pertenceram, pelos altos e relevantes serviços que tiveram a boa fortuna de prestar ao seu país, com razão e justiça se pode dizer que bem mereceram da patria.

Contando o numero de cadeiras vagas na Camara, recordando as virtudes e merecimentos d'aquelles que as occupavam e lembrando-se de que todos elles nos foram arrebatados pela morte no curto prazo de um anno, eu, Sr. Presidente, mais uma vez penso que o anno de 1907, qualquer que seja o ponto de vista, por que o queiramos considerar, em tudo foi para nós um anno que só por desgraças se assinalou ; foi um anno maldito.

São sete as cadeiras que estão vagas.

É a de Telles de Vasconcellos, o velho e honrado fidalgo beirão que, pela sua constante bonhomia e pela gentileza do seu trato, a todos captava.

É a do Marquez da Praia (Duarte), esse excellente rapaz tão bondoso, na força da vida, a quem ella tanto concedera e tanto promettia ainda, victimado em pouco tempo por uma doença atroz que d'elle fez um verdadeiro marty;

É a do Conde de Casal Ribeiro, bella intelligencia, caracter formoso, modelo de correcção na familia, no Parlamento, no desempenho de todos os cargos publicos que exerceu, em tudo emfim, até na morte, pela coragem extraordinaria com que da vida se despediu.

É a do Conde da Ribeira Grande, meu velho amigo e antigo condiscipulo, e que já então, aos dezoito ou dezanove annos, era o que sempre foi, um coração de ouro, sempre pronto a fazer o bem, incapaz absolutamente de pensar ou de praticar o mal.

Se ha santos na terra, o Conde da Ribeira foi um d'elles.

É a cadeira de Dias Ferreira, Presidente de Conselho em 1892, o grande lutador, o ardente patriota, o liberal convicto, o jurisconsulto eminente.

É a cadeira de Barbosa du Bocage, o venerando estadista a quem coube a espinhosa missão de negociar com a Inglaterra o tratado de 1891, o sabio naturalista de renome europeu, o academico que debutou na vida publica envergando a farda de soldado para combater em prol da liberdade.

É, finalmente, Sr. Presidente, a de Hintze Ribeiro, o meu saudoso chefe, o mais querido dos meus amigos.

É d'elle que venho hoje falar.

Não me proponho fazer a sua apologia; está ella feita, eloquentemente feita pelos oradores que me precederam; está feita por todos nós, quando, falando d'esse anno nefasto que com mão tão prodiga semeou desgraças no nosso país, nos lembramos — e sempre nos lembraremos — do golpe fatal que nos feriu no primeiro de agosto; está feita na pungente saudade e no côro unanime de louvores com que hoje se pronuncia sempre o seu nome; está feita até pelos seus adversarios mais intransigentes, e que hoje todos lamentam, como nós, a perda de Hintze Ribeiro, reconhecendo e confessando a falta enorme, irreparavel que elle faz na vida politica da patria portuguesa.

Não venho recordar os seus triunfos nos bancos da Universidade, onde na defesa das theses finaes tão brilhantemente affirmou o seu talento privilegiado.

Não venho lembrar os seus triunfos no Parlamento, seu campo de batalha predilecto, onde se alguns, raros, o teem igualado, ninguem ainda o excedeu no estudo profundo das questões, na estructura admiravel do discurso, na subtileza e lógica da argumentação, na replica pronta, na gentileza e na cortesia para os adversarios, que nenhum lhe ficava querendo mal, embora tantos e por tantas vezes sentissem entrar-lhes bem fundo no peito a fina lamina da sua espada sempre leal e nunca vencida.

Não venho pôr em relevo todas as superioridades que o distinguiam, como estadista, como jurisconsulto, como economista e como financeiro; tantas e tão grandes, que as suas primeiras pu-