SESSÃO N.° 2 DE 4 DE MAIO DE 1908 7
mais tarde possa illuminar a personalidade politica d'esse grande estadista.
Para mim, o Hintze Ribeiro de 1900, foi muito superior ao de 1890.
Quando na primeira d'aquellas datas voltei a ser companheiro de Hintze Ribeiro nos Conselhos da Corôa comprehendi que um tal estadista difficilmente seria igualado em qualquer país europeu, tão lato era o conhecimento que elle tinha dos seus deveres de homem de Estado, e tão completo o seu estudo de todos os problemas administrativos, mas principalmente das questões economicas e. financeiras, que Hintze Ribeiro aprofundava no exame minucioso dos seus antecedentes e da sua acção social. Hintze Ribeiro podia então ser definido como um estadista para quem não havia primeiros nem segundos planos, para quem não havia acontecimentos primarios nem secundarios, talento para o qual nenhum facto prescrevia, mas onde a perfeição era sempre a mesma, quer se tratasse de conhecer os homens ou os mais simples incidentes.
Considerando Hintze Ribeiro como parlamentar direi, no momento em que, graças a uma propaganda vilmente feita, se está espalhando, pelos países europeus, que Portugal não tem antecedentes, parlamentares, que melhor cousa não havia a fazer do que arrojar á face d'esses maldizentes a figura de Hintze Ribeiro, tão grande, que maiores as não ha na oratoria parlamentar mundial.
Portugal não tem antecedentes parlamentares?!
Pinheiro Chagas dizia que Fontes parecia um espirito á espera de raciocinios, e que a eloquencia de José Estevão lembrava um carga de couraceiros em Waterloo.-
Oradores parlamentares temo-los ainda hoje e condignos de comparação com esses que a morte já levou.
O Sr. Antonio Candido lembra-me a mim uma correctissima figura hellenica, arrancada á belleza dos tempos athenicos e lançada na hodierna esthetica europeia, admiravelmente adaptada á funcção de traduzir a ideia mais bella por uma frase, e o Sr. Alpoim apparece-me como um maravilhoso cavalleiro de soberana galhardia, destro e intangivel.
Mas, voltando a Hintze Ribeiro: elle era na tribuna parlamentar o domador de todos os assuntos. Não que procurasse a victoria ladeando o assunto, produzindo apenas uma impressão secundaria que não descesse ao amago da materia.
Hintze considerava o assunto como um inimigo que tivesse de vencer; entrava dentro d'elle; descarnava-o, dissecava-o, tornava-o absolutamente simples, e quando acabava uma das suas
esplendidas orações, tinhamos a impressão de que triunfara um grande philosopho, de que a sciencia alcançara uma valiosa conquista.
O assunto morrera, e apenas ficava para a scena parlamentar a grandeza do orador, a sua belleza, vistas em plena luz.
E por isso que Hintze Ribeiro fica na historia parlamentar como um homem deante de quem o assunto tinha de curvar-se, de subjugar-se, porque elle atacava-o, dominava-o? amordaçava-o, reduzia o ao seu elemento substancial, de tal sorte que, no fim, não que via senão uma ruina através de uma esplendida claridade!
Mas é tempo de passar ao que se me offerece dizer acêrca da ultima phase da vida de Hintze Ribeiro.
Não irei, Sr. Presidente, neste momento, criticar o reinado que findou: impus voluntariamente á minha palavra, nesta sessão parlamentar, o fim exclusivo de falar de Hintze Ribeiro, e de mais nada.
As considerações que vou ainda fazer não revestem o aproveitamento do instante para falar de alguem; revestem, sim, o cuidado maximo que eu proprio impus á minha palavra para, neste momento de uma celebração funeraria, nada mais fazer do que a apotheose do illustre morto.
Foi depois de um banquete na Sala do Risco que Hintze Ribeiro, conversando commigo, e, se não me engana, com o illustre chefe do partido progressista, teve o primeiro rebate da doença que mais tarde o devia prostrar.
Repentinamente, no decorrer da conversação, Hintze Ribeiro fita-me, o charuto cae-lhe dos labios, empallidece, curva-se, e eu tenho de ampará-lo nos braços. Ainda assim, decorridos alguns instantes, Hintze Ribeiro quis voltar á sala. Era a primeira crise cardiaca.
Durante a sessão parlamentar d'essa epoca vi pari passu que as forças de Hintze iam diminuindo. Aconselhei-o a que fosse tratar-se numa casa de saude estrangeira.
Foi nessa sessão parlamentar que para a discussão fiquei eu, creio que tambem o Sr. Luciano Monteiro e mais alguns dos illustres Deputados regeneradores de então.
Tempos volveram. Um dia, desintelligencias politicas separaram-nos e confesso ter pensado não voltar mais á arena parlamentar.
Não pude manter o meu proposito; e voltei ao Parlamento. Hintze Ribeiro continuava a não ter a consciencia plena da sua doença.
Quaesquer que fossem as razões que me levaram a afastar-me politicamente de Hintze Ribeiro, ao vê-lo lançado fora do poder em maio de 1906, sem que para isso houvesse um motivo sufficiente, formei a tenção de mostrar a madade d'aquelle procedimento.
Para isso, obriguei Hintze Ribeiro a trazer a esta Camara o documento que o afastara do poder e que mais e mais o levantava, tanta era a insufficiencia das razões allegadas como determinantes d'aquelle acto. Esta foi a minha vingança.
Depois seguiram-se os soffrimentos, é aggravamento progressivo da doença, a morte.
No seu funeral faltou talvez alguma figura principesca; mas não faltei eu e que tambem me não esqueci de pedir licença á viuva de Hintze Ribeiro para respeitosamente lhe beijar a mão como homenagem do meu sentimento.
Devo acrescentar que o pobre Hintze Ribeiro, atacado pelo soffrimento moral, atacado, como todos os homens publicos portugueses, nos predicados moraes da sua conducta politica, ha de ser arrancado por mim, dos escombros da tragedia de 1 de fevereiro e trazido a plena luz nesta scena, como o prototypo do estadista, do patriota e do parlamentar. Hintze Ribeiro fazia o Parlamento na sala das sessões e não nos corredores: encarava acima de tudo a sua obrigação parlamentar; por isso só deixou de falar quando a morte lhe fechou os- labios.
A minha homenagem é, pois, sincera, como sincero foi o apoio que em vida concedi a Hintze Ribeiro. (Vozes: — Muito bem, muito bem).
(O Digno Par não reviu).
O Sr. Sebastião Baracho: —- Formulou o Digno Par o Sr. Arroyo a pretenção de que todos nos unissemos na ara da Patria, para engrandecimento do Pais. Não passa de uma chimera semelhante aspiração. De longa data se pede e se fazem protestos de vida nova, para se aggravarem, se é possivel ainda, os achaques da vida velha. Se não, vejamos. Faz hoje precisamente dois annos, no ,4 de maio, que se deram os tumultos do Rocio, após a chegada a Lisboa do cidadão Bernardino Machado. A policia, militar e civil, exorbitou e delinquiu; e, todavia, a sua impunidade ainda se mantem. No dia 1 de dezembro de 1906, no Porto, novos tumultos se dão, de que resultou a morte de um operario honesto, estranho á contenda que se ferira.
A policia militar e civil, que não soube manter a ordem dentro dos limites da lei, e que praticou as violencias de todos conhecidas, ainda tambem não foi punida pelos seus desmandos e crimes.
Com respeito, tanto ao 4 de maio, como ao 1 de dezembro, eu, nesta Casa, neste1 mesmo logar, pedi estrie-tas contas ao Governo, que tortuosa-