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6 ANNAES DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO

blicações lho abriram logo as portas da Academia Real das Sciencias: que logo no seu primeiro discurso na Camara dos Senhores Deputados marcou para si na tribuna parlamentar um logar primacial, que ninguem depois ousou disputar-lhe; que nos seus primeiros actos como Ministro conquistou, logo, entre as figuras mais elevadas da nossa politica, prestigio tão grande que desde então nunca mais houve questão grave de Estado, assunto importante da administração publica em que a sua opinião não fosse ouvida.

Em toda a parte e sempre, em todas as manifestações do seu talento, do seu saber e do seu caracter, Hintze Ribeiro revelou-se sempre um homem superior, um d'esses poucos homens que parecem fadados por Deus para guiarem e conduzirem os outros, impondo-se, pela sua acção e pela influencia que nelles exercem, ao seu respeito, á sua admiração e á sua estima.

Mas de nada d'isto, Sr. Presidente, quero falar, tudo está recordado e enaltecido por vozes bem mais autorizadas do que a minha.

Quem eu desejo aqui recovar, com a mais sentida e profunda saudade, é o Presidente do Conselho ideal — nunca o houve mais completo e insinuante — é o homem que, no conjunto das suas qualidades de espirito, de coração e de caracter, foi a individualidade de Governo mais perfeita que eu tenho conhecido e venerado.

O modo por que em Conselho de Ministros elle sabia ouvir as opiniões diversas, tirar d'ellas o melhor conceito, conciliá-las, harmonizá-las e determinar-lhes a resultante; a clareza com que expunha as questões, ainda as mais difficeis, limando-lhes desde logo as arestas mais vivas; a habilidade com que evitava ou attenuava attritos, aproveitava e valorizava todas as opiniões uteis, todos os impulsos bons, tudo isto representava manifestações de talento e de bom criterio tão completas e tão perfeitas que d'ellas só podem fazer ideia exacta aquelles que tiveram a fortuna de ser Ministros com Hintze Ribeiro.

Do homem, onde ha palavras com que bem se possa definir o que nelle havia de nobre, de elevado, de superior, de primoroso? Quem conheceu caracter mais leal, coração mais dedicado, alma mais bella? Quem viu amigo mais fiel aos seus amigos? Marido que o igualasse no affecto, na ternura, na, veneração que elle tinha pela virtuosa senhora que foi sua companheira na vida ? Quem viu chefe de partido mais firme e que mais querido fosse dos seus correligionarios? Quem viu servidor das instituições que mais devotado fosse por ellas? Por nosso mal foi esse o homem que desappareceu de entre nós, deixando no Parlamento, no seu partido e no país um logar que dificilmente se prencherá e legando a sua familia e aos eus amigos a saudade mais pungente. Eu fui um d'estes:, Sr. Presidente; eu fui seu amigo dedicado, amigo que tanto lhe devia, e que portanto deveras grato á sua memoria, não podia deixar de individualmente me associar ao voto de sentimento proposto pelo Sr. Presidente. Não quis deixar de manifestar publicamente o meu sincero e profundo pesar pela morte do grande homem que foi Hintze Ribeiro.

Que morreu de uma syncope cardiaca, diz a sciencia e creio que diz bem. Foi o coração que o matou, mas quem sabe? Morreu talvez quando, para seu bem, devia morrer: seis meses, contados dia a dia, antes d'esse terrivel acontecimento que, enlutando a patria portuguesa, nos encheu a todos de horror; seis meses antes d'esse infame attentado que lhe esmagaria a alma e o coração, se elle ainda vivesse.

Hoje o seu nome pertence á Historia; ella dirá o que Portugal perdeu perdendo Hintze Ribeiro.

Sr. Presidente: se queremos prestar o culto devido á sua memoria, não devemos limitar nos a approvar as propostas do Sr. Presidente e ainda a que fez o Digno Par Sr. Julio de Vilhena, para que se cubra de luto a cadeira do grande orador; devemos apprová-las, sim, mas devemos fazer mais alguma cousa; devemos unir-nos todos no sagrado empenho de tornar a sua falta o menos sensivel que puder ser ao torrão onde todos nascemos e que elle tanto amou. Se onde hoje elle está, Hintze Ribeiro se interessa ainda pelas cousas da nossa terra, nenhuma homenagem lhe poderá ser mais agradavel áquelle sublime espirito do que essa.

Tenho dito. (Vozes: — Muito bem, muito bem).

(O Digno Par não reviu este discurso}.

O Sr. José de Azevedo Castello Branco: — Requeiro ao Sr. Presidente se digne consultar a Camara sobre se permitte que a sessão seja prorograda até se esgotar a inscrição.

Consultada a Camara resolveu affirmativamente.

O Sr. João Arroyo: — Se dos Dignos Pares presentes na sessão de hoje a alguem competia o dever de tomar parte nesta manifestação solemne, esse alguem era eu.

Escusado será dizer á Camara que é com profundo respeito e sentida admiração que me inclino perante as figuras de todos esses illustres mortos, cuja verdadeira apotheose foi eloquentemente prestada pelo Sr. Presidente,

é secundada pelos oradores que já usaram da palavra.

Não posso deixar de fazer o elogio sentido e sincero do grande homem que foi um illustre cathedratico e que se chamou José Dias Ferreira, mas seja-me permittido referir-me de preferencia á memoria de Hintze Ribeiro, d'aquelle de quem fui amigo politico durante um largo espaço de tempo, e de quem, por desintelligencias e successos politicos de momento, tive dê me afastar nos ultimos quatro annos da sua existencia, sem que, mesmo durante esse periodo, em que combatemos parlamentarmente, eu houvesse vez alguma faltado á profunda veneração que me impunha a personalidade de Hintze Ribeiro.

Confesso que, voltando os olhos para o passado e lembrando-me da transformação que se tem operado nó Parlamento português nestes ultimos vinte e quatro annos, sinto uma impressão que não é só de admiração: ao traçar essa chronica singela de uma vida publica de apenas um quarto de seculo, parece-me caminhar através de um grande cemiterio politico, onde successivamente tem desapparecido uma serie enorme de intellectuaes e de patriotas de grande valor. E Andrade Corvo, é Sampaio, é Lopo Vaz, é Chagas, é Lobo de Avila, é Marianno de Carvalho, é Emygdio Navarro, é Oliveira Martins, é Dias Ferreira, é Barbosa du Bocage, é finalmente Hintze Ribeiro.

É uma sensação, mixto de frio e de saudade, per amigos, camaradas e companheiros de todo esse tempo, e que tão alto levantaram o prestigio dos seus nomes.

Neste momento solemne, aquillo que eu. considero uma verdadeira apotheose parlamentar é fazer no seio de meu espirito e do meu coração o parallelo entre o tributo da grande homenagem que a Hintze Ribeiro prestei emquanto vivo, e áquelle que lhe presto agora, depois da sua morte.

Não irei analysar pormenorizadamente a vicia politica de Hintze Ribeiro, porque está isso feito no discurso brilhante do Digno Par Sr. Julio de Vilhena.

Nem quereria fazê-lo numa sessão publica já tão adeantada, antes de narrar e exprimir á Camara o que ha de verdadeiramente pungente na morte de Hintze Ribeiro e de deixar bem esculpida a primacial figura de estadista e de parlamentar que elle foi.

Do academico não falarei, porque, encarando Hintze Ribeiro sob essa feição, já desenvolvidamente a elle se referiu nos mais alevantados termos o Sr. Julio de Vilhena; mas quero que nos annaes da nossa historia parlamentar fique ao menos uma esteira de luz que