DIARIO DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO 41
do repetir o que disse quando respondi ao digno par o sr. Casal Ribeiro.
O sr. Visconde de Fonte Arcada: -Sr. presidente, só direi poucas palavras sobre a presente discussão, porque me acho bastantemente incommodado.
Entretanto não posso deixar de dizer alguma cousa sobre o presente assumpto, porque fui eu que na sessão, em que se discutiu a resposta ao discurso da coroa, alludi ao prologo escripto pelo sr. ministro da marinha para a traducção da memoria do sr. D. Sinibaldo de Mas, Iberia, e mostrei a contradicção entre as opiniões do sr. ministro da marinha com a doutrina exarada na allocução dirigida por esta camara a Sua Magestade, no dia 29 de abril, e a resposta do mesmo augusto senhor; contradicção esta que não permitte a presença de s. exa. nos conselhos da corôa.
O sr. ministro acaba de desculpar-se com a sua pouca idade, quando escrevera o prologo alludido, e que era mais uma obra philosophica e litteraria do que um folheto para servir de propaganda immediata, e que eram já decorridos dezesete annos depois que a escrevêra.
Mas a obra de s. exa., embora de um mancebo, não é só uma obra litteraria e philosophica para realisar no futuro uma idéa grandiosa. Eu vejo n'este documento um periodo no qual s. exa. diz, depois de outras palavras elegantes, "o que a espada victoriosa do duque de Alba e a do marquez de Santa Cruz, só póde fundar por sessenta annos, a politica pede que o fundemos para sempre."
A vista d'estas palavras não se póde entender senão que a fundemos nós e não os vindouros.
Se s. exa. ainda conserva esta mesma opinião, não sei eu; só sei que, depois da opinião de s. exa. assim manifestada, ainda não vi outro documento, pelo qual eu possa conhecer que s. exa. mudou de opinião.
O sr. Ministro da Marinha: - Não está assignado por mim.
O Orador: - Perdoe v. exa., mas os ministros devem ser chamados ao poder pelas opiniões, que professam e teem manifestado...
O sr. Ministro da Marinha: - Mas em que documento encontra v. exa. a affirmativa?
O Orador: - Encontro a affirmativa no prologo da obra do sr D. Sinibaldo!
O sr. Ministro da Marinha: - Eu não o assignei; mas repito onde é que v. exa. encontra a affirmativa?
O Orador: - Onde encontro a affirmativa? No proprio facto de não ter sido desmentida essa opinião por v. exa.
O sr. Ministro da Marinha: - Mas assim como v. exa. admitte como authentica a opinião exarada n'esse prologo embora anonymo, porque não ha de admittir que eu tenha expendido tambem anonymas as explicações e commentarios d'essa idéa?
O Orador: - Desejarei muito que v. exa. me responda ás observações, mas depois de eu terminar e que me não interrompa.
Proseguindo portanto nas minhas reflexões, e respondendo ás interrupções de s. exa. direi que não sei que o prologo a que me tenho referido esteja assignado e reconhecido pelo tabellião com todas as formalidades prescriptas, mas sei que no proprio livro se diz que a memoria é precedida de um prologo do sr. Latino Coelho.
O sr. Ministro da Marinha: - Mas onde é que isso está?
O Orador: - Ha de permittir-me o sr. ministro que lhe observe que essa coarctada é impropria, e que não devia recorrer a ella uma pessoa de tanto saber e intelligencia como s. exa. Nós, sr. presidente, não temos nada com as opiniões pessoaes; mas quando um homem tem manifestado certas opiniões, e que as tem publicado pela imprensa, e se acha á frente dos negocios publicos, não se póde escandalisar que lhe tomem conta d'essas opiniões. (O sr. Ministro da Marinha: - Não me importa.) S. exa. disse que era uma obra philosophica, mas eu peço licença para repetir o trecho ao prologo da memoria sobre a Iberia, que ha pouco li, e veremos como s. exa. encarou esse systema philosophico. Diz s. exa.: "O que a espada victoriosa do duque de Alba e do marquez de Santa Cruz póde fundar por sessenta annos, a politica pede que o fundemos para sempre."
O que s. exa. diz agora, é que a sua idéa quando escreveu aquelle prologo, era que a união de Portugal com a Hespanha só se realisasse para o futuro; mas então o que querem dizer as palavras a politica pede que o fundemos para sempre? Ou eu não entendo as palavras e phrases portuguezas, ou esta phrase quer dizer desde já; quanto mais depressa melhor. Como é então que o systema de s. exa. é só para se realisar para o futuro?
Alem d'isto diz s. exa. mais abaixo: "Portugal precisa que lhe injectem sangue novo. No seu solo cresceu, enramou tão vivaz, tão luxuriante, a arvore da heroicidade, que o torrão esterilisado só póde brotar hervas inuteis e damninhas, etc."
Será tambem um systema philosophico depreciar com um traço de penna todas aquellas pessoas que nasceram em Portugal, que o estão ennobrecendo pela sua intelligencia, pelos seus serviços e mesmo pelas suas virtudes?
Ora, sr. presidente, só com muita pouca idade é que se podia escrever similhante cousa; mas depois do homem feito, é necessario que pelos seus escriptos se mostre arrependido do que disse, e que faça justiça aos seus concidadãos; mas quando o não tenha feito, e for chamado para occupar logares tão eminentes como aquelle que actualmente s. exa. occupa, cumpre que se lhe peçam contas das suas opiniões. É preciso ter muita paciencia para poder ler as palavras que ultimamente referi. S. exa. lente da escola polytechnica, e rodeado de mancebos illustrados e talentosos, entende que elles tão bem são hervas inuteis e damninhas, só porque nasceram portuguezes!! S. exa. não póde escandalisar-se que lhe avaliem as suas opiniões, quando ainda não deu provas de as ter mudado; agora porem diz, quanto ao prologo, que é um trabalho litterario e philosophico, para mostrar as vantagens da união de dois povos, sem que seja para se realisar immediatamente!
Concluirei dizendo que me permitta o sr. ministro que eu lhe diga que as suas explicações me não satisfizeram.
O sr. Presidente: - Está quasi a dar a hora, e portanto parecia-me que o melhor e mais conveniente seria, havendo varios dignos pares inscriptos, continuar o assumpto na sessão seguinte.
O sr. Visconde de Chancelleiros (para um requerimento}: - Pedia a v. exa. para informação propria, porque não tenho assistido ás sessões passadas, que me dissesse o que é que está em discussão. Se é a questão da iberia, requeria a v. exa. que se d'esse por terminado este assumpto, visto que sobre ella não póde recaír votação alguma.
O sr. Presidente: - O que está em discussão é a interpellação do digno par, o sr. Casal Ribeiro. Tem a palavra s. exa. visto ser o primeiro que se acha inscripto.
O sr. Casal Ribeiro: - Declarou que o seu fim na presente interpellação não fôra levantar uma questão politica, e menos suscitar questão academica, philosophica ou historica, nem relembrar responsabilidades antigas. Não se arrependia de ter trazido o assumpto á téla da discussão, porque consideraria o governo do nosso paiz altamente criminoso se não tomasse conhecimento d'esta questão; que os factos desdizem a declaração do sr. marquez de Sá sobre o assumpto, e declarava que com ella se não dava por satisfeito, contando todavia por terminada a sua missão; mas fazendo o sr. ministro da marinha degenerar o debate, trazendo para a discussão actos pessoaes em referencia a elle orador, não podia ficar silencioso, e por isso passava a fazer varias considerações.
Entrando n'estas não as póde concluir por ter dado a hora, ficando com a palavra reservada para a seguinte sessão.
(O discurso de s. exa. será publicado quando devolver revistas as notas tachygraphicas.)