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DIARIO DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO 57

que não caiba agora na minha iniciativa propor um voto de louvor por tal resolução. Se pelo contrario, porém, s. exa. acceita a nomeação de par, estranhando o facto, não posso deixar de dizer que sinto que elle se dê.

Ponho ao lado da estranheza que a acceitação provocaria no meu espirito o justo louvor que n'elle determina a resolução contraria.

Foi, pois, sr. presidente, suspenso o decreto, assumindo o novo ministro da guerra a responsabilidade d'esta suspensão. Passado pouco tempo foi depois posto em vigor o mesmo decreto assumindo ainda o novo ministro a responsabilidade d'esta resolução. Tomada ella, começam para explicar todas estas contradicções a brigarem entre si as declarações do sr. ministro do reino e do sr. ministro da guerra com as explicações que sobre o mesmo facto deu o ministro dimissionario.

A gravidade e a importancia d'esta questão foi tal, que os primeiros protestos de indignação, que se levantaram contra ella e com que accordaram a indifferença publica, partiram, creio eu, dos proprios jornaes do Porto affectos á actual situação politica. E já v. exa. vê que este grito de alarme levantado no seio do proprio partido, que todas estas divergencias pronunciadas no seio do proprio gabinete, bem longe de serem um symptoma de força e de vitalidade para o ministerio eram o prenuncio seguro de uma queda fatal. Pois bem, foi esta exactamente a conjunctura que o governo achou mais facil e propria, para propor á corôa a nomeação de novos pares. E isto porque? Porque faltando ao governo rasões de força propria, queria ganhar, como já disse, uma rasão de força artificial.

É esta a rasão da conjunctura que o sr. presidente do conselho não quiz definir nem acceitar e que foi com effeito aquella em que se deu e que provocou, o acto politico que estou apreciando.

A camara comprehende, de certo, o meu pensamento. Eu digo que o governo, sem o apoio da opinião publica, porque o não merecia pelos seus actos, não podendo demittir-se sem comprometter talvez a existencia do seu partido, procurou o apoio da força, que eu chamo artificial, porque não é a resultante dos elementos de ponderação do systema representativo, e que por ella procurou substituir aquella que vivifica o espirito de iniciativa no regimen parlamentar, isto é, a força das maiorias com uma relação de afinidade proxima com o paiz que representa.

Este elemento de apoio valia tanto mais quanto mais difficil fosse o conquistal-o. E se a palavra se recusa ás vezes a traduzir fielmente o pensamento na expressão rapida em que elle se exprime e significa, sobretudo para quem falla, embora com convicção, sobre a inspiração do momento, permitta-me a camara que eu inculque a minha idéa e a faça comprehender por meio de uma imagem que eu em preguei já n'outra occasião creio eu, com referencia ao partido historico, em tempo em que tinha a direcção d'elle o sr. duque de Loulé, a cuja memoria eu presto o respeito que me mereceram sempre as suas distinctas qualidades. Imagine a camara que tomamos de duas lanças e armâmos com ellas uma força caudina, digamos a alguem que passe por baixo d'ella. Se é ignominioso o passar de pé e do collo erguido, mais custará a qualquer o passar curvando-se, dobrada a cerviz. Isto aconteceria com o ministerio. Era humilhante para elle, perante o paiz e perante os poderes publicos constituidos, o propor ao poder moderador a nomeação de novos pares em condições mais lisonjeiras do que aquellas em que o governo se encontrava; mais humilhante era; com effeito, o fazel-o n'aquellas em que elle de facto se encontrou.

Se, porém, a humilhação era maior, tambem a força que a impoz e determinou devia ser, o era maior; portanto, o sacrificio dos principios e da dignidade do poder ás exigencias do partido deve ser mais efficaz, e deve tambem ser tido por elle em maior conta. O partido, pois, que o agradeça ao governo que tem. O paiz e o credito das instituições é que lh'o não podem nem devem agradecer. Vale muito para credito do systema representativo e influencia d'elle a auctoridade e a respeitabilidade dos poderes constituidos, e n'esta questão, desgraçadamente, não foi sacrificada apenas a dignidade do puder executivo. Que quer o governo? Deseja inculcar que temos governo pessoal, aquelle governo que tanto combateu com o seu partido, quando eram opposição, e ao lado de s. exas. estava eu tambem quando na chamada, restauração do governo passado o combatemos como symptoma e prenuncio do governo pessoal? Então inculquei eu como um gravissimo erro e não menos grave perigo, a tendencia funesta de inverter-as boas praxes parlamentares, de impedir a rotação natural dos partidos, e a de dar azo a que, ferida a susceptibilidade d'aquelles que se consideravam systematicamente excluidos do poder, as demasias de linguagem, irrompessem n'aquelles excessos que todo lastimâmos. Vim aqui de proposito e caso pensado protestar contra esse facto, e trabalhei por mostrar tanto quanto cabia nos fracos recursos da minha palavra, a que graves perigos nos conduzia a infracção dos principios e das praxes seguidas no systema representativo.

Estas minhas opiniões mantenho-as intactas, e, hoje como hontem, condemnei e condemno todo o governo pessoal, seja qual for a fórma sob que elle se quer impor, sejam quaes forem as circumstancias com que o pretendam justificar.

O digno par o sr. visconde de Seabra fallou com grande entono de convicção dos perigos que a demagogia nos traz imminentes. Permitia me, porém, s. exa. que eu lhe diga que o julgo assoberbado por um terror que eu não partilho. Pelo menos, essa idéa não me preoccupa o espirito, nem influe sobre elle como uma preoccupação seria e atterradora. Não temos por ora, creio, as condições que se dão em outros paizes. O meio em que se encontra o nosso povo não o prepara, de certo, para uma tal exageração e exaltação de opiniões politicas. Não temos a demagogia, como não temos tambem o proletariado. E já em outra epocha escrevia o nosso chorado collega Fernandes Thomás que em Portugal o proletariado trajava casaca, porque proletarios eram os empregados publicos quando lhe não pagassemos o que lhe devemos. Não creio, pois, que tenhamos por ora a temer os excessos da demagogia. Se os nossos erros lançaram já á terra aquella semente, as condições economicas do paiz e as suas condições de civilisação não permittiram ainda que ella vingasse e se desenvolvesse.

(Interrupção do sr. visconde de Seabra que se não ouviu.)

Se o digno por não quiz definir, por prudencia, o que entendo por demagogia, eu seguirei o seu exemplo, e conter-me-hei nos limites d'essa mesma prudencia guardada pelo meu illustre collega. Direi só que não temos demagogia, já se vê nas condições de partido militante, com quanto seja, com effeito, muito democratico o espirito da nossa sociedade.

E, diga-se a verdade, trabalham os governos, pelos seus erros, para que elle se desenvolva. Sob este ponto de vista, a nuvem calliginosa de que fallou o digno par está, com effeito, nos limites do nosso horisonte politico. Se ella se condensará e se tornará prenhe de tempestades, não o sei o que sei e affirmo é que, se por um lado os erros politicos podiam importar um auxilio efficaz aos adversarios do systema dynastico, por outro lado hão de incutir-lhos uma certa hesitação e constante receio. Todos dirão que, se a republica triumphasse n'este paiz, por desgraça d'ella, teria immediatamente, na sua primeira hora de triumpho, ao seu lado todos aquelles que têem contribuido para desacreditar as nossas instituições e para comprometterem com esse descredito a monarchia.

Esta é a verdade, sr. presidente. Temos feito com relação aos principios politicos o que faremos com relação ao systema politico, o que temos feito já com referencia aos poderes publicos que elle constituiu. Serão bons ou maus,