DIARIO DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO 55
tempo quanto seja necessario para provar ao governo que depois ainda d'essa nomeação a camara ficou como estava e o governo por esse facto não logrou obter um mais firme apoio para a sua politica.
E não vae n'isto o desejo de satisfazer qualquer capricho de vaidade. Impuz-me esta obrigação em cumprimento de um dever politico. Na minha carreira parlamentar, com vinte e tantos annos de vida politica, trabalhei sempre e pugnei sempre pela pratica sincera e leal do systema representativo, tal qual os principios o definem, tal qual as prescripções do nosso codigo politico o constituem. Tive sempre a responsabilidade da minha opinião, procuro fazel-a valer diante das situações que combato, ou mesmo em face d'aquellas que tenho apoiado; porque não é verdade, e folgo de o declarar, que eu não apoiasse nunca nenhuma situação politica. Pois não apoiei a do sr. bispo de Vizeu emquanto a vi inspirada do desejo sincero de fazer economias e de procurar restabelecer o equilibrio do nosso orçamento, entre outros meios pelo da reducção das despezas?
Desgraçadamente, sr. presidente, até esse mesmo artigo de fé do seu credo politico o partido reformista riscou do seu catechismo depois do casamento hybrido d'esse partido com o partido historico pelo pacto que deu logar a que se publicasse o programma de que resa este folheto. Continuarei, pois, occupando n'esta camara a posição que tenho occupado constantemente n'ella diante de todos os governos, emquanto me não convencer de que é inutil e esteril todo o zêlo que possamos empregar em servir assim a causa da liberdade e os interesses do paiz, pugnando pela verdade do systema constitucional. E faço mais serviço ao governo combatendo os seus actos n'este logar do que accusando-o e aggredindo-o em outro qualquer.
Dão-nos por suspeitos a nós, os que estamos aqui por direito de successão, por procedermos do direito hereditario, do monstruoso privilegio que não inventámos e que achâmos definido na constituição do estado. O meio, porém, de combater esse privilegio não é de certo o da nomeação de novos pares, a quem elle aproveita ainda. Não imagino que o governo julge extinguir o privilegio da hereditariedade pelo exercicio da attribuição do poder moderador nomeando todos os annos novos pares. Por isso perguntava ha pouco ao illustre presidente do conselho de ministros a rasão d'essa nomeação.
Não quer, não póde crer s. exa. que eu a interprete pelo modo singular por que a voz publica deu rasão d'ella. Affirma-se, e muitos dos meus collegas dão de certo testemunho d'essa affirmativa, que o governo tivera o intuito de equilibrar umas certas resistencias politicas que encontrava n'esta casa, com elementos que lhes eram antinomicos, e por isso mesmo as podiam corrigir. Assim dizia-se que procurava oppor ao animo irrequieto e á bilis um pouco irascivel do digno par o sr. Vaz Preto, o sr. Pereira Dias, que, sob a influencia da inspiração de uma politica diversa, tinha tambem o condão de deixar que o seu animo se exaltasse facilmente na defeza dos principios da sua escola. Não sei se o boato tem fundamento. A tel-o, pedirei ao novo par que quando tomar posse do seu logar se vá assentar ao lado do digno par o sr. Vaz Preto. (Riso.)
Para se oppor ás verduras do meu espirito, pouco compativeis na verdade com a idade já avançada a que cheguei, não sei de quem o governo se podia lembrar... talvez por espirito de antithese se lembrasse do sr. dr. Secco. (Riso.)
Tem-se dito e asseverado muitas vezes, de palavra e por escripto, com responsabilidade d'este governo e do partido que elle representa, que esta camara é incompativel com o espirito do seculo. Oh! senhores! mas se o espirito do seculo nos não illumina e não vive tambem entre nós, onde está este espirito do seculo? Está nas academias? Está nas escolas superiores? Está na universidade? Pois não tem sido nas academias, nas escolas superiores e na universidade onde, na sua grande maioria, se tem ido recrutar os novos pares? E nem com esses entraria n'esta casa o espirito do seculo?
Se os novos pares nos não trazem, pois, a inspiração do espirito do seculo, trarão comsigo um argumento contra a hereditariedade? Tambem não, porque par de sua natureza vitalicio, e a quem, portanto, não aproveite o principio da hereditariedade, entre os novos pares só vejo um: o sr. Pires de Lima, que está nas condições em que se encontra n'esta casa o episcopado portuguez.
Posso, pois, perguntar ainda e com a mesma insistencia: qual a rasão da escolha dos novos pares? A que vem s. exas. aqui? E qual o intuito sincero do governo propondo ao poder moderador a nomeação d'elles?
Sr. presidente, formulo de novo a mesma pergunta, mas arreceio-me já de que ella fique sem resposta por parte do governo.
O mesmo aconteceu, e acontecerá ainda, com a interrogação que dirigi ao governo sobre a rasão da conjunctura que elle aproveitou para pedir ao poder moderador a nomeação de novos pares. O illustre presidente do conselho nada me respondeu a esse respeito, e se s. exa. o sr. ministro do reino quizesse substituir o seu collega e dar-me em logar de s. exa. as explicações que pedi, eu deixava que ellas se intercallassem agora, entre as palavras que estou proferindo. Quer s. exa., por um favor de deferencia pessoal, dar com effeito essas explicações agora?
(Pausa.)
Não quer, pois ganhava com isso a discussão. Vamos, pois, á rasão da conjunctura.
Sobre esta, repito, nada disse o sr. presidente do conselho. S. exa. envolveu-se nas questões de generalidade. Disse que o governo desejava manter a sua dignidade e que não podia, insistiu ainda s. exa., occupar aquellas cadeiras (apontando para as do ministerio) sem propor e obter da corôa a nomeação de novos pares. Não disse, porém, s. exa., qual era a rasão d'essa humilhação para o poder que representa. E seria essa em parte a explicação do facto que convem saber e conhecer.
Se o governo quer significar pela sua declaração, como aliás á podemos interpretar pelas declarações feitas na outra casa do parlamento pelo illustre ministro do reino, que a humilhação a que agora allude lhe resultava do facto de para a approvação de alguma das suas propostas, ter de entrar, segundo tambem declarou, em transacções com a opposição d'esta casa, convem declarar: 1.°, que essas transacções estão na indole do systema, porque o systema representativo é da sua propria natureza um systema de transacção, e em segundo logar que, se s. exa. achou conveniente o transigir com a opposição no periodo da sessão passada, poderia ter continuado a transigir da mesma fórma, na sessão cujo periodo começa agora. A indole accomodaticia do sr. Fontes é bem conhecida. Como homem de governo e estadista distincto transigiu muitas vezes sendo governo, e transigiria sempre na opposição, quando não soffresse com isso o decoro do seu partido nem os principios da sua escola. Se o governo colheu d'essas transacções o resultado lisonjeiro de fazer passar n'esta camara as suas propostas (e todas as que se discutiram foram approvadas, mesmo as que soffreram maior opposição, como a que dizia respeito á arrematação do real de agua) continuasse seguindo o mesmo systema. Se não queria transigir, provocasse agora, ou tivesse provocado na sessão passada o conflicto.
Dado elle, propozesse ao poder moderador a alternativa ou a nomeação de novos pares, ou a demissão do governo.
Que vale dizer agora que as transacções com a opposição eram ignominiosas para o governo? Que vale citar a phrase attribuida a s. exa. o sr. Fontes, de que só apoiaria esta situação emquanto... (direi a phrase, que não é no