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DIARIO DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO 118

com os vendedores a retalho e avençaram-se por metade, ou por 1/3 ou por menos do rendimento provavel que deviam receber. Como a percentagem não era pequena, sempre lhes resultava algum lucro d'aquelle contrato. É verdade que o mesmo lucro podia ser muito maior se estabelecessem por sua conta um systema de fiscalisação, mas, por outro lado, dispensavam-se de pagar a empregados que fiscalisassem.

Eu estou fallando na generalidade; não digo que acontecesse o mesmo com todos os escrivães de fazenda. Alguns houve que montaram uma fiscalisação mais ou menos regular.

A este respeito encontrará o sr. ministro da fazenda no seu ministerio um interessante relatorio. Ahi se vê que diversos escrivães de fazenda tinham empregados a quem davam cinco tostões cada mez, e até dois tostões, pelo serviço, da fiscalisção do imposto do real de agua.

Era quasi uma esmola que o escrivão de fazenda dava a troco de qualquer pequeno serviço comparavel ao preço por que era pago.

Eis aqui está a rasão por que o imposto do real de agua não tem rendido o que devia render. Se esta causa é manifesta, reconhecida e demonstrada, para que havemos de ir buscar outra? Para que havemos de suppor que o imposto não rende porque não é arrematado, como o são os impostos de consumo municipaes?

Ha talvez ainda uma outra rasão que explique o ser mais productivo o imposto para o municipio.

O imposto cobrado pelas camaras municipaes é um imposto minimo, de 1 real a 2 1/2 réis, emquanto o imposto cobrado pelo estado é de 7 réis. As camaras municipaes pela maior parte arrematam a cobrança dos impostos, é um facto que não contesto; mas em primeiro logar é preciso attender que em geral aquellas corporações não têem homens com a illustração que possuem os chefes das repartições do estado, para poderem organisar um bom systema de fiscalisação.

Alem d'isso é uma questão de rotina; as camaras municipaes seguem o systema que seguiram sempre as vereações anteriores, os seus membros entendem que devem fazer o que os seus pães e seus avós praticaram.

Demais, quando homens illustradissimos ainda hoje suppõem que o systema de arrematação é conveniente, não admira que essa seja a opinião trivial entre os vereadores de grande numero de municipios.

Alem d'isto o contribuinte do municipio vê qual é o emprego immediato que se dá ao imposto, o isso faz com que o pague de melhor vontade.

Vê-o, por exemplo, applicado á construcção da estrada que lhe passa ao pé da porta, ao concerto da ponte ou do chafariz, e a outras obras que lhe são uteis, emquanto do que paga para o estado não vê, não apalpa os beneficios immediatos.

Só muito de longe é que se lhe apresentam as vantagens é utilidade que resultam do producto das contribuições que o estado recebe; o caminho de ferro passa-lhe a 20 ou 30 leguas de distancia, e nem todos os contribuintes são homens assás illustrados para comprehenderem o proveito que o paiz e elles proprios indirectamente podem tirar de certas despezas, como por exemplo as que se fazem com subsidios para a navegação e outras que concorrem para o desenvolvimento da riqueza publica.

Em todo o caso o que me parece não provado, não demonstrado, é que dos factos apontados no relatorio do sr. Mello Gouveia se possa concluir que o systema de arrematação ha de dar mais que o systema de administração por conta do estado, uma vez que este systema seja estabelecido discretamente. E digo discretamente, porque não póde logo no principio ser montado como se se houvesse dito já a ultima palavra n'este assumpto; mas sim de modo que pouco a pouco se vá conseguindo chegar ao grau de perfeição possivel.

Em materia tão importante como é esta que diz respeito aos impostos de consumo é sempre conveniente praticar com toda a prudencia. Como a camara sabe, principiou-se por conceder aos escrivães de fazenda uma grande porcentagem, para que elles estabelecessem á sua custa a fiscalização; era por assim dizer uma empreitada.

Este systema produziu no começo bons resultados; mais tarde, porém, reconheceu-se que era insufficiente, e tanto assim que sendo ministro o sr. Mello Gouveia, s. exa. apresentou uma proposta a fim de ser auctorisado a estabelecer um novo systema de fiscalisação, pedindo para isso os meios convenientes. Esse systema ainda não foi ensaiado, ou para melhor dizer ainda se não podem conhecer os seus resultados praticos; e todavia o actual sr. ministro da fazenda tem tanta fé n'elle, que no seu relatorio calcula, e creio que modestamente, que em virtude d'elle o imposto do real de agua dará um rendimento de 200:000$000 réis para o thesouro.

Certamente que o systema a que me refiro terá ainda de soffrer alterações, porque nada se póde dizer perfeito, e só a experiencia é que ensina a corrigir os defeitos.

O sr. ministro da fazenda não foi exagerado, quando calcula que o imposto havia dar mais 200:000$000 réis. E com os aperfeiçoamentos possiveis, necessariamente daria muito mais; é possivel que chegasse á verba de réis 800:000$000, em que o sr. Mello Gouveia calculou o augmento de receita a que se póde chegar, pagando todos os que devem pagar.

Sr. presidente, a terceira rasão que eu tenho para não approvar este imposto, é porque receio muito que o systema de arrematação vá indispor mais os povos contra o imposto do real de agua. Para mim, esta rasão é muito importante.

Nós devemos procurar destruir no animo dos povos ás más impressões que a especulação politica n'elle tem creado. E effectivamente, 800:000$000 réis de augmento na receita do estado, era um formidavel golpe dado no deficit; e isso de certo ajudava muito a resolver as nossas difficuldades financeiras.

Mas o que é verdade, é que a arrematação mais ou menos ha de trazer vexames, e não póde deixar de os trazer; o que necessariamente vae influir no animo dos povos, produzindo maior irritação contra um imposto necessario, de que não podemos prescindir e que promette muito para o futuro.

Eu considero de grande importancia não só o imposto do real de agua, como todos os impostos indirectos; e n'este ponto sigo a opinião de um eminente estadista, que já não existe, e que por algum tempo governou a França com gloria sua e vantagem d'aquelle paiz. Este estadista era Thiers. Este estadista dizia que o imposto directo era o imposto do antigo regimen, e o imposto indirecto era o das sociedades modernas.

E assim é.

O sr. ministro da fazenda já deve conhecer até certo ponto, e por experiencia propria, as difficuldades que ha em augmentar o imposto indirecto, e muito mais em crear um novo imposto directo. Alem da pouca elasticidade d'este imposto, é tal a influencia que tem na imaginação dos contribuintes a ameaça de um novo imposto directo, que produz um sobresalto geral.

Nós sabemos, por exemplo, que quando um dos governos transactos quiz augmentar entre nós apenas em réis 85:000$000 o imposto predial directo, quasi todos os contribuintes reclamaram contra elle. Em 1870, depois das grandes desgraças por que passou a França, quando se tratou de pagar uma enormissisima contribuição do guerra, recorreu-se a todos os meios para crear receita, lembrou tudo, até o imposto do rendimento, até o imposto sobre as materias primas, que aliás não foram approvados, até o monopolio da fabricação dos phosphoros, mas não se tocou na arca santa do imposto directo predial.