12 ANNAES DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO
o desequilibrio que motivou um apparente excesso de vinhos, que na verdade nunca existiram nem existem.
Quando as leis do Marquês de Pombal protegeram com largueza os vinhos do Douro, Deão teve este estadista em mim o proteger exclusivamente a, região duriense. Foram de maior amplitude as suas vistas. E elle viu, no seu alto e justo criterio, que, protegendo o Douro, protegia simultaneamente o sul e iniciava um periodo de prosperidade para todo o país vinicola. Porque é preciso accentuarmos bem que, com a marca «Porto», cada pipa que se exporta leva em si, como elemento indispensavel a sua constituição, mais duas pipas de vinho ordinario, que não teria outro prestimo ou applicação, que não fosse o de ser distillado.
Sem a pretensão de igualar nos seus nobres intuitos o grande Marquês de Pombal, cumpre-nos declarar que o nosso intuito é salvaguardar, simultanea e conjuntamente, os interesses do norte e do sul, como provarei na sequencia d'esta minha exposição.
Mas mão foi só a sustentação do fabrico do alcool industrial, fora do periodo em que elle se tornou benefico, que motivou a situação em que nos encontramos.
Exigencias economicas do commercio, por dificuldades de collocação nos mercados externos, obrigaram estes a abandonar os compromissos que tinha com os viticultores e a só acceitar ninhos, valorizando apenas o seu grau alcoolico. D'aqui a desvalorização completa do vinho, que passou a perder as suas qualidades intrinsecas, para conservar apenas a sua graduação alcoolica sem escolha de procedencia.
Posto isto, entremos na apreciação dos factos que actualmente se dão.
Effectivamente verifica-se uma falta de procura de vinhos e uma certa estagnação d'elles nas adegas dos proprietarios. Isto porem, não representa abundancia de vinho, porque se fosse assim não teria elle sido vendido em 1901 a 200 e 300 réis os vinte litros e no anno seguinte a l$400 réis igual capacidade. Onde- se esconderia uma abundancia que não accusava stock de um anno para o outro? É claro que a crise não pode ser explicada por uma abundancia que se provou não existir.
A crise tem hoje, com certeza, como principal factor, uma exportação menor do que a actual producção.
A restricção do plantio, sobretudo nos terrenos baixos, é mais uma accusação aos negociantes de vinhos de pasto do que um abuso praticado pelo viticultor.
Não consta que em Bordeaux alguem se revoltasse contra a plantação dos vinhos de Palus. Pela razão muito simples de que o negociante em Bordeaux paga o vinho pela sua qualidade e não engloba no mesmo preço o vinho da planicie com o da encosta, como acontece entre nós, em que o commissario do negociante offerece o mesmo preço, com ligeiras variantes, pelos vinhos de diversas categorias.
O que se dá em Bordeaux succede em todos os países vinicolas, e se se procedesse assim em Portugal, poderiamos salvaguardar os interesses de todos, sem repressões offensivas á liberdade individual.
Mas sem pretender por modo algum exigir que se alterem as convenções estabelecidas pelo commercio português, é facil, por meio de um novo processo fiscal, corrigir-se essa flagrante desigualdade de valorização entre vinhos de encosta e de planicie.
A modificação do systema tributario sobre terrenos com vinhas por uma forma muitissimo simples, que consistiria em estipular-se um imposto progressivo por pipa de producção, ciaria não só maiores proventos para o Estado, como tambem estabeleceria a igualdade dos lucros entre os viticultores.
Portugal, sendo um país essencialmente vinicola e devendo ao vinho a sua maior riqueza, encontra-se, neste momento, a braços com um excesso de producção, encarado em face da sua restricta exportação.
Digladiam-se interesses antagonicos entre o norte, sobretudo na região duriense, que goza do privilegio de s afamados vinhos do Porto, e o sul, rico e abundante em vinhos de diversas, categorias.
Urge acudir com rasgadas medidas de protecção á viticultura duriense. não esquecendo medidas de fomento ao commercio de vinhos do Porto, no que respeita á exportação d'esses mesmos vinhos.
Mas nem por isso se despreze a viticultura do sul, que demanda auxilios embora de outra natureza, e não seria justo sacrificar em holocausto ao Douro, os respeitaveis e importantissimos interesses que a região aquem Mondego tem de defender em beneficio da vinicultura em geral.
Se o Douro tem a soberania de um producto por excellencia e por isso deseja legitimamente apoderar-se exclusivamente das garantias e privilegios que lhe cabem, não menos carecem de relativa protecção as regiões do centro e sul do país, onde tão diversas e interessantes qualidades de vinhos existem, em quantidades tão avultadas, a fim de se encontrar habilitada a competir nos mercados externos, com productos similares de outros países concorrentes.
O nosso país possue extra Douro, excellentes massas de vinhos, que não
só podem criar typos originaes de muito valor, como o Bucellas, Carcavellos, Dão e Collares, mas ainda com o Torres Vedras nós podemos obter o Saint Emilion e Barollo e no Alemtejo e Algarve temos elementos de sobra para fabricar o Xerez e Malaga.
No sul do país temos vinhos fracos, tintos e brancos, em Collares, Mafra e Chelleiros etc; vinhos de força media em Torres Vedras, Cartaxo, Dão e parte do Ribatejo; vinhos de lote na Bairrada, Alemtejo e Beira Baixa; vinhos licorosos na mesma Beira Baixa, onde no sitio do extremo, ha mostos com 30 graus de açucar; vinhos generosos no Ribatejo, onde os mostos de Alemquer, Coruche, Benavente e Almeirim, igualam muitos annos em riqueza saccharina, os mostos do Douro, e bem assim em Villa Alva (Alemtejo) onde se repetem as mesmas condições; e finalmente no Lavradio e Carcavellos especializando sobretudo o Algarve.
E, perante tanta diversidade de massas de vinhos, escasseiam-nos os typos definidos com que possamos entrar afoitamente nos mercados externos, firmando lá a nossa posição e acreditando os nossos productos. . .
Nos centros commerciaes do estrangeiro, está estabelecido um typo de vinho de pasto, que, se existe entre nós, não é em condições commerciaes absolutamente definidas. Esse typo deve representar um vinho ligeiro, fraco, com gosto a fruto e com um aroma e um fundido que autentifique tres ou quatro annos de cave.
Nestas condições, confiadamente podemos affirmar que não temos essa classe ou typo de vinho.
E não a temos, porque, pelo menos, faltam as caves,, que representam, por assim dizer, o meio indispensavel ao melhoramento do vinho que o consumidor aprecia no estrangeiro.
Pois a conquista de mercados novos para os legitimos vinhos portugueses, especialmente para os de pasto, depende essencialmente de apresentação dos productos nas condições requeridas pelo paladar dos consumidores e do bom êxito da propaganda a iniciar-se entre elles.
Para o primeiro requisito temos, como parte mais importante, massas de vinhos de excellentes qualidades, mas, se esses vinhos não forem tratados e educados com os desvelos exigidos hoje pela oenologia moderna, não haverá propaganda, por mais intelligente, activa e desinteressada que seja, que possa lançar os creditos do producto.
Deprehende-se d'aqui a indispensabilidade da criação de uma poderosa companhia de vinhos que, valorizando os vinhos do sul de tão diversas applicações, fique habilitada com capitães