14 ANNAES DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO
tão cedo se obtenha o preço maximo marcado pela lei em vigor.
Nestes termos, comprehende-se e justifica-se a criação de um imposto de transferencia de 15 réis por litro de aguardente de vinho, que transite do sul para o norte, designadamente para applicação a vinhos.
A aguardente exerce papel indispensavel á constituição do vinho generoso do Porto ou Douro. Se, pela barra do Porto, se exporta annualmente cerca de 50:000 pipas de vinho licoroso, pode-se affirmar que 15:000 pipas são de aguardente encorporada naquelle total exportado. Como, porem, todo o vinho do Douro que se beneficia não se exporta, succede que o consumo de aguardente, tanto do vinho do Porto que se vende no país, como para as lotações correntes que se effectuam nos depositos do commercio exportador, pode-se affirmar que o norte compra annualmente quantidade aproximada a 20:000 pipas de aguardente de vinho. Por consequencia, d'este imposto de transferencia será licito suppor a criação de Uma receita animal que variará entre 140 a ,180 contos. Media 160 contos de réis. É obvio que este imposto deve permanecer até que o preço da aguardente não attinja, com elle, o preço maximo da tabella legal. Chegando esse producto no mercado ao preço venal de 205 réis o litro, desde esse momento cessa a incidencia d'este imposto de transferencia.
A criação de um imposto de transferencia vinicola para os vinhos de pasto até 14 graus de força alcoolica, tintos e brancos, que do sul transitem para o norte, que poderia ser entre 5 a 10 réis por litro, alem de vir proteger a viticultura do Douro, por encontrar mais facilidade em collocar na cidade do Porto os vinhos de mesa d'essa região, estabeleceria uma certa igualdade e uniformidade em preços.
Os vinhos de pasto do centro e sul do país, não só por se prestarem melhor que os similares do Douro ás lotações dos vinhos acidules do Minho em razão da sua constituição, como tambem porque entram na constituição de typos Collares e Claretes, são sempre muito procurados pelo commercio exportador do norte. Acresce ainda a circunstancia de, pela sua barateza de custo, poderem competir em vantagens com os vinhos de pasto produzidos na região duriense. Reconhecendo-se, pois, a conveniencia, para utilidade do commercio de vinhos do norte, em este adquirir vinhos do sul para as suas lotações e organização de typos especiaes, e sendo justo considerar que se deverão pôr esses vinhos em condições de preços que não affrontem os similares do Douro, entendo acertado a criação d'este imposto de transferencia, vinicola que poderá dar uma receita calculada entre 40:000$000 a 60:000$000 réis por anno.
Senhores.— A principal causa da crise vinicola reside principalmente na falta de typos definidos nos grandes mercados de vinhos de pasto.
Os vinhos generosos, apesar do mal estar que reflecte em todo o commercio de vinhos do mundo, ainda felizmente teem collocação certa e cotação invejada nos centros consumidores.
As estatisticas entre o producção e a exportação demonstram claramente que o deficit é aterrador para a producção de vinhos de pasto nacionaes, pois que nesta categoria de vinhos não ha privilegios de regiões: o que ha é uma complicação anarchica sem individualidade caracteristica, sem objecto commercial que deve presidir á criação de typos de vinhos de pasto portugueses.
Ninguem ignora que a causa fundamental da má situação do mercado para as vinhos communs é o seu pessimo fabrico, é a enormissima variedade dos chamados typos productores sem individualização alguma regional que dê ao estrangeiro a caracteristica da superioridade dos nossos vinhos de pasto.
Assim, sendo os nossos mercados actuaes situados quasi todos em países quentes, não são observadas regras algumas oenologicas nem technologicas que permittam ao vinho a sua viça chimica em mudanças de meio, já nas travessias do oceano, já nos depositos importadores. E d'ahi grandes insuccessos que todos conhecem na exportação: vinhos toldados, vinhos refermentados, vinhos agridoces, vinhos cassiados, que, alterando fundamentalmente as qualidades naturaes do vinho, contribuem largamente para o seu descredito commercial.
Não ha meio de evitar esta calamidade senão recorrendo á criação de typos exportadores, inteligentemente preparados, seguindo os processos modernos no fabrico e educação dos mesmos, de harmonia com as exigencia do paladar dos consumidores.
A unica solução encontrada nos países mais adeantados consistiu e consistirá sempre na criação de typos.
É frequente e materia corrente encontrar typos diversos de vinho, imundos ás vezes da mesma propriedade e ate mesmo de anno para anno.
É de mais a mais notorio que, tendo o Governo Allemão desejado adquirir um typo de vinho de pasto português igual a uma amostra que havia sido approvada, a fim de esse vinho ser fornecido ao exercito d'aquelle país, não houve forma de se obter qualquer quantidade d'esse typo de vinho.
Esses defeitos são certamente devidos a erros de vinificação, mas é casual encontrarem-se typos diversos da mesma freguesia, onde as castas predominantes são as mesmas em todos as vinhas.
E esta diversidade de typos é de grande desvantagem para o viticultor que encontra sempre dificuldade na collocação do seu producto, porque o commercio, pela necessidade que tem de firmar e unificar os seus typos de vinhos, prefere as grandes massas de vinho de typo unico.
Esta é uma das razões por que o vinho do sul conquistou tão facilmente o mercado do Porto. O grande negociante que gira com enormes massas de vinho encontra á mão, em qualquer adega do sul o que necessita.
Não assim no Douro. O negociante que necessite comprar umas duzias de pipas comprará outros tantos typos de vinho que elle necessita lotar para conseguir o typo que deseja. Ora isso é um grande inconveniente que colloca em embaraços o commercio. Esse inconveniente está sendo evitado em todos os países viticolas e principalmente na, Allemanha, onde o cooperativismo, como se sabe, vae na vanguarda de todos os países.
E esse cooperativismo visa unicamente á criação de typos definidos e unificados que manteem, para affrontar a concorrencia e assegurar a superioridade ou a preferencia dos seus vinhos.
Só, entre nós, uma grande companhia pode realizar este objectivo e conquistar nos mercados externos o logar de destaque e de brilho a que teem inquestionavel direito os excellentes vinhos de pasto portugueses.
São estas razoes que me levaram a fundamentar o presente projecto de lei para dar impulso á exportação de vinhos communs.
Fica assim justificada a necessidade imperiosa da constituição de uma companhia auxiliada parcimoniosamente pelo Estado, mas com uma larguissima compensação no nosso primeiro ramo de riqueza publica, como é indiscutivelmente o que se prende com a vinicultura nacional.
Ha, todavia, outros alvitres que devem constituir o conjunto de providencias a considerar para resolver, quanto possivel, esta temerosa crise que nos assoberba e que dia a dia se tem aggravado e que pode ser, num dia mais ou menos próximo, origem de gravissimas complicações de toda a natureza.
Assim, ao Estado compete desenvolver e fomentar o consumo de vinhos de pasto nas nossas colonias, visto que a corrente dominante é para se emancipar o negro da influencia nociva do alcool pelos seus effeitos perniciosos. A proposito, convem chamar a attenção do poder, executivo para a situação especial que o nosso país occupa