SESSÃO N.° 20 DE 22 DE JUNHO DE 1908 7
a mais grave do nosso periodo constitucional. (Vozes:—Muito bem).
(S: Exa. não reviu).
O Sr. Francisco José Machado:.— Requeiro a V. Exa. que se digne consultar a Camara sobre se permitte que sea prorogada a sessão até se votar a proposta do Digno Par Sr. Dantas Baracho.
Foi approvado.
O Sr. José de Alpoim :— Não respondo senão á parte do discurso do Sr. Vilhena, em que este se referiu ás minhas afirmações.
Os Dignos Pares Srs. Baracho e Arroyo, em eloquentes discursos, já refutaram as asserções do illustre chefe regenerador. Cabe-me a vez: falarei só por mim.
Mostrou-se muito maguado o Digno Par Sr. Vilhena pelas minhas palavras. Não tem razão. Professo por S. Exa., pelos seus talentos e notaveis dotes parlamentares, a maior admiração. Não aggravo o homem: combato o politico. Entre os dois ha a differenca do chefe de um partido conservador, amarrado a velhas formulas e ás responsabilidades politicas e pessoaes do seu partido, e eu que me acho á frente de um agrupamento, monarchico sim, mas avançado e radical, com a aspiração de quebrar os moldes da monarchia dos ultimos dezoito annos, de a rejuvenescer numa consubstanciação entranhada e profunda com as ideias politicas e sociaes modernas.
Houve uma parte do discurso do Sr. Vilhena em que este, respondendo ao Digno Par Sr. Baracho, disse que eu não tinha o direito de lançar sobre os partidos as responsabilidades dos erros e crimes politicos ou de qualquer ordem, dos seus chefes ou homens publicos eminentes. Argumentou que tendo eu declinado a minha responsabilidade em quaesquer adeantamentos do partido progressista, pela razão de que não fora sobre elles ouvido quando Ministro d’esse partido, não podem os partidos ser responsaveis pelo que fizeram o seu chefe ou os seus membros mais graduados.
O argumento não vale. Eu não posso ser responsavel pelo que, ás occultas, ás escondidas, sem o Conselho de Ministros ser consultado, sem sequer me haverem sido dadas informações particulares, foi feito. Mas os partidos, é diverso. Esses soffrem sempre dos erros e attentados dos seus chefes. São como os exercitos que se enchem de honra ou opprobio, pelas victorias e coragem ou pelas faltas e derrotas dos seus generaes. Alem d'isso os partidos são representados pelo seu chefe, pelos seus marechaes, pela sua commissão executiva.
Ora, quando estes, conhecendo o lado odioso e criminoso de um facto, se identificam com o chefe, o glorificam, o defendem, que fazem senão amarrar-se á sua vergonha? «Morra por elle» — diziam os nossos antigos. Os partidos morrem pelo desvario ou crime de quem os dirige. E não pode deixar de ser assim. Os chefes do Estado não podem chamar para junto de si representantes de partidos em decomposição, desacreditados perante a opinião, incursos em crimes que a lei penal castiga.
«Os Ministros são os crimes dos Reis» — disse um grande orador da França. Ministro de partidos desprestigiados e deshonrados pegam manchas ao manto real. Consubstanciam as instituições com erros ou attentados dos seus homens publicos. E onde pode haver menos erros, de natureza moral, do que na questão dolorosa dos adeantamentos?
Aproveito a occasião para mais uma vez dizer á Camara que não tive conhecimento nenhum de qualquer somma dada á Casa Real ou á Familia Real quando fui Ministro. Publicou-se agora uma carta em que, sendo eu Ministro, por ordem do Sr. José Luciano de Castro foi dada pelo Sr. Ministro da Fazenda de então, o Sr. Espregueira, uma somma, illegalmente abonada, a uma Senhora da Familia Real — Senhora que pelas suas altas qualidades e por não saber com certeza o que se faria na administração da sua casa, eu ponho e porei sempre fora do debate. Nunca sube de tal documento. Não analyso essa carta, em que á casa d'essa Senhora se man da dar a titulo de adeantamento — é espantoso ! — uma somma do Thesouro, e em que se diz que, depois, se procurará regularizar essa operação. O proposito de deturpar as contas publicas transuda d'estas palavras. Não conheço documento mais extraordinario, saido das mãos de um chefe de partido.
Só ha de mais assombroso — se é possivel! — o ser esta ordem dada numa carta reservada num documento particularissimo, que as mais triviaes noções de honra mandam inutilizar — todas as cartas são sagradas, e quanto mais cartas reservadas! — e essa carta ter o despacho de um Ministro, e ficar numa secretaria, entre documentos publicos, entre documentos officiaes. O Sr. Espregueira quis assim frisar, não ha duvida, que obedecia a ordens do chefe e quis demonstrar que em todas as questões de adeantainentos recebia a inspiração do Sr. Presidente do Conselho. Como o Sr. José Luciano expia a confiança deposta no Sr. Espregueira, o seu Ministro dos tabacos!... Não analyso essa carta, cuja existencia foi negada em pleno Parlamento, na imprensa, com aggravo e doesto para os que diziam ella existir — e que quarenta e oito horas depois foi confirmado achar-se em processos publicos, no Ministerio da Fazenda. Este facto é dos mais syrnptomaticos da moralidade dos tempos. Não o discuto até por não estar presente o chefe do partido progressista.
Faço votos por que este compareça brevemente na Camara. Prometteu-o o Digno Par Sr. Beirão, que disse que S. Exa. mantinha, firme e integras, todas as suas declarações feitas no Parlamento, na Camara dos Pares, na sessão de 21 de novembro de 1906.
Eu conheço documentos e sei de testemunha insuspeita, que contrariariam absolutamente as affirmações do Sr. José Luciano de Castro. Anceio, pois, pelo esclarecimento d'esse mysterio, desejando sinceramente que as negativas do chefe progressista não sejam desmentidas como as suas negativas sobre a carta agora trazida, á publicidade.
Tambem affirmo que o Sr. Espregueira, na Camara dos Deputados, attentou contra a verdade quando disse que tinha feito adeantamentos ao Rei legalmente, como a qualquer empregado publico. Não é exacto. E eu tomo o compromisso, quando essa questão se levantar, de provar essa affirmação.
Ha quem julgue que se conhecem já os incidentes mais notaveis da questão dos adeantamentos. Não é assim. Esta questão, toda de moralidade, demonstrativa, de como os chefes dos partidos especulavam com a Coroa para se conservarem no poder, para satisfazerem as suas ambições politicas ou perseguirem os correligionarios que os incommodavam, está, ainda, permitta-se-me a frase, no começo do começo!
Deixem vir os documentos que, por bem ou por mal, contra ou sem vontade, hão de vir á luz.
O Digno Par Sr. Vilhena diz que eu falo como um tribuno apaixonado e não como homem de Governo. Porquê ? Não comprehendo! Por dizer que o Rei Senhor D. Manuel deve estar fora d'esta discussão, que não tem responsabilidades algumas, e que, á sua sombra, envolvendo a questão dos adeantamentos com a da lista civil, se queria esconder atrás do seu nome a fallencia moral dos partidos?
Pois para que é que ao Sr. Amaral foi solicitada e inspirada a junção dos dois casos? Não pronunciei uma unica palavra de desrespeito para o Rei, que servirei e defenderei: quero, pelo contrario, livrá-lo dos homens publicos que o pretendem envolver.
E tanto o sentem assim os rotativos, que, para levarem ao Paço as suas intrigas, sentindo-se perdidos, vendo-se desacreditados, recorrem, ao expediente