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316 DIARIO DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO

timentos que me animam, embora não tenham a coragem de me dar os seus apoiados.

O sr. Adriano Machado: - O meu tem-n'o já.

O Orador: - Muito obrigado.

Sr. presidente, eu applaudo a concordata. Applaudo-a o pelas rasões com que a tenho visto defender n'este camara, não porque me convencessem os argumentos que em favor d'ella produziu o meu illustre amigo o sr. ministro dos negocios estrangeiros, não ainda porque a ferocidade de leão (foi s. exa. o ministro que assim o classificou), do nosso illustrado embaixador em Roma logrou em troca de 38:000 almas conquistar para o padroado 40:000, nem mesmo por causa d'aquellas 15:000, e uma que o reverendo arcebispo resignatario de Braga acaba de nos dizer que adquirimos em Pondá, mas unica e simplesmente porque por ella abandonou Portugal uma parte d'esses direitos que até aqui tem pretendido exercer.

Applaudirei com mais enthusiasmo ainda aquella em que todos esses direitos, quando não exercidos em territorio nosso, forem, abandonados por completo, é o meu espirito ficará plenamente satisfeito quando vir consignado na constituição do meu paiz, o unico principio que considero verdadeiro em materia de relações do estado com a igreja, a sua completa separação. (Apoiados.) porque n'esse dia, sr. presidente, as concordatas tornar-se-hão ispo facto desnecessarias.

O meu applauso não é comtudo despido de hesitação e não sei se não teria sido mais habil da parte do governo, usando de apparente inhabilidade, oppôr ás exigencias de Roma continuadas dilações, conservar o statu quo, ou mesmo deixar com ellas perdeu o que a meu ver não merece ser conservado. O facto consummado evitava posteriores difficuldades.

Entro na questão. O que é o padroado? Alguem disse, e julgo ter sido o sr. ministro da marinha, que o padroado é uma parte da soberania de Portugal. Sel-o-ia talvez se conservássemos hoje a organisação social que tinhamos ca epocha em que foi fundado, porque então o Rei, representante unico da nação, chefe supremo do estado, compendiava em si todos os poderes e prerogativas que hoje pertencem e são exercidos por elle, em parte, mas tambem por entidades differentes, e os seus direitos, embora pessoalmente lhe pertencessem, constituiam a soberania nacional. As idéas de hoje são bem diversas; a nossa organisação social obedece a outros principios. A soberania exerce-a ainda o Rei; mas com elle collabora o poder legislativo e o poder executivo, e uns e outros não têem, nem podem exercer, direitos que não pertençam a todos os cidadãos e que por elles lhes não forem delegados; direitos que não podem ser proficamente exercidos por cada um individualmente é que constituem a soberania. O ideal da moderna sociologia, ou pelo menos da escola com que mais sympathisa o meu espirito, ideal irrealisavel em absoluto, é uma descentralisação tão completa que o papel reservado ao estado venha a ser nullo ou quasi nullo. Postos estes principies, desde o momento que os cidadãos portuguezes não têem o direito exclusivo de evangelisar, cathechisar e parochiar (e n'isto consiste o padroado) as terras do oriente que estão fóra do nosso dominio effectivo, esse direito não póde fazer parte da soberania nacional.

Não era assim no tempo em que o padroado foi fundado. N'esses tempos, tão gloriosos, - e seja me permittido dizer desde já de passagem que eu, por querer separar o trigo do joio, não nego nem amesquinho as glorias patrias, antes as exalto e engrandeço, - n'esses tempos tão glorioso, repito, em que Portugal fazia tremular a sua bandeira e estendia o seu dominio pela Africa, pela Asia, pela America e pela Oceania, e não lhe restava mar por devassar, o padroado era não só um direito, mas uma necessidade. Direito porque era lei commum da igreja que todo aquelle, Rei, principe ou simples cidadão, que fundava uma igreja em terra de infieis, tinha jus a ser pela curia reconhecido padroeiro d'ella, com a condição, porém, de a manter e de prover ás necessidades espirituaes das almas que resgatára.

Para o desempenho da missão que Portugal se impoz na Asia, o exercicio d'esse direito era absolutamente indispensavel. O que teria sido o nosso já tão ephemero e tão precario dominio, se em vez de ser Portugal que provesse as igrejas que se iam fundando nas terras conquistadas ou limitrophes das conquistas, outra entidade, fosse qual fosse, estranha aos nossos interesses e visando a outros fins, fosse chamada a fazel-o?

Por consequencia, n'essa epocha, os direitos que agora queremos reivindicar, não só eram uteis, mas necessarios, tanto mais que eram a consequencia logica das idéas a que obedeciam os promotores das nossas navegações e conquistas: o engrandecimento dos seus dominios e a propagação da fé. E, seja dito de passagem, eu não acceito sem commentarios as conclusões que hontem o digno par, o sr. Costa Lobo, tirou da leitura dos clássicos, e em especial dos textos, que nos leu, isto é, que o fim principal dos nossos maiores foi a propagação da fé.

Temos obrigação, quando lemos hoje a historia escripta pelos contemporaneos, de lhe acceitarmos os factos, sim, mas de os submettermos de novo ao nosso, raciocinio, e nem sempre as conclusões tiradas hoje se podem harmonisar com as palavras escriptas então. A cada passo, ao ler o facto apontado como mais uma cavadella na vinha do Senhor, o espirito hesita em o classificar como tal, e muitas vezes é forçado a chamar acção de pirata o que o chronista chamou feito de apostolo.

Azurara, por exemplo, o primeiro chronista da conquista da Guiné, não descreve o roteiro de cada um dos pilotos e capitães portuguezes, que não consigne cuidadosamente o numero de almas que cada um d'elles resgatou. Até aqui muito bem, mas se attentarmos no destino que era dado áquellas almas quando as caravellas fundeavam no porto, vemos, com espanto, que eram vendidas na praça publica. A este resgatar de almas do seculo XV chamava-se, dois seculos depois, vender pretos, e contra tão nefando trafego se colligaram todas as nações da Europa, e com ellas Portugal.

Da mesma fórma, é verdade que fomos a Ceylão, mas iriamos sobretudo para propagar a fé? Lá havia almas, é certo, mas tambem havia perolas, e se s. exa. quizer examinar bem o livro immortal que hontem aqui citou, ha de n'elle encontrar, estou convencido, que o motivo determinante da primeira expedição a Ceylão, foi estender o dominio portuguez sobre a ilha que banhava o mar das perolas.

Affonso de Albuquerque se fez tanto empenho em se estabelecer em Ormuz, foi porque era d'ali que a India se abastecia de cavallos; se mandou descobrir as Molucas, foi porque de lá vinha o cravo; se tentou relacionar-se com a China, foi porque lhe apeteciam as suas sedas; e finalmente, se, com tanta gloria conquistou Malaca, foi porque não desconheceu que era aquelle o melhor ponto em que com aproveitamento das monções, n'aquelles tempos de navegação imperfeita, se podia fazer a troca e escambo das mercadorias do extremo oriente com as da India. Amavam muito, não o nego, a gloria da Igreja, mas não desprezavam tambem os bens d'este mundo.

Sobre as citações que hontem aqui fez o digno par, o sr. Costa Lobo, ainda tenho que dizer mais alguma cousa, mas será a seu tempo.

Dizia pois que a intervenção na organisação religiosa dos territorios do padroado, util e necessaria, no seculo XVI, não póde ser considerada uma parte de soberania nacional. Combatemos por uma jurisdicção puramente religiosa exercida em territorio estranho e que não nos póde nem deve pertencer.

Comprehendo que nos territorios onde temos dominio effectivo, nas actuaes colonias, n'aquellas em que conserva-